domingo, 30 de novembro de 1997

O Universo está em constante expansão

Se conseguirmos escapar das luzes da cidade grande, em uma noite sem nuvens e sem Lua, podemos distinguir uma faixa difusa de luz se estendendo pelo céu, uma névoa que brilha por si só, decorada aqui e ali por estrelas. Essa faixa de luz, como nós sabemos, é parte da Via Láctea, a galáxia onde vivemos.

Uma galáxia é um aglomerado de estrelas e gás atraídos pela gravidade. Na Via Láctea, existem centenas de bilhões de outras estrelas além do Sol. E no Universo existem centenas de bilhões de outras galáxias, cada uma contendo desde milhões até centenas de bilhões de estrelas.

Por incrível que pareça, até o início da década de 20, não sabíamos ao certo se existiam outras galáxias no Universo. Astrônomos debatiam se as "nebulosas" vistas com seus telescópios eram outras galáxias (conhecidas na época como "universos-ilha"), distantes da Via Láctea, ou se eram apenas nuvens de gás interestelar fazendo parte da nossa galáxia.

Em 1924, o jovem astrônomo norte-americano Edwin Hubble resolveu de vez essa questão, provando que algumas nebulosas não faziam parte da Via Láctea, mas eram outros "universos-ilha". O Universo se tornou muito maior do que muitos até então suspeitavam.

Mas a maior descoberta de Hubble ainda estava por vir. Entre 1929 e 1931, Hubble demonstrou que o Universo não só era muito maior do que se suspeitava, mas que ele era uma entidade dinâmica, em expansão.

Para demonstrar sua tese, Hubble usou o chamado "efeito Doppler", proposto pelo físico austríaco Johann Christian Doppler em 1842. Nós somos muito familiarizados com a versão auditiva do efeito Doppler. Quando uma sirene ou uma buzina viajam em nossa direção, ouvimos seus tons sempre mais agudos do que quando a mesma sirene ou buzina estão em repouso. Já quando a sirene ou buzina se afastam, ouvimos seus tons sempre mais graves.

Esse é um efeito típico da propagação de ondas. No caso da sirene ou buzina que se afastam, a distância entre duas cristas consecutivas (ou "comprimento de onda") aumenta, causando o som mais grave.

É como se o movimento da fonte "esticasse" a onda. No caso contrário, quando a fonte se aproxima, o comprimento de onda diminui e ouvimos o tom mais agudo. O mesmo efeito acontece com ondas de luz emitidas por alguma fonte, como uma estrela ou uma galáxia.
Examinando a luz emitida por várias galáxias em um aparelho chamado espectroscópio, Hubble observou que, geralmente, essa luz apresentava um desvio para maiores comprimentos de onda. Como o vermelho é a cor com maior comprimento de onda, esse efeito ficou conhecido como "desvio para o vermelho".

Baseado no efeito Doppler, Hubble concluiu que as galáxias estavam se afastando de nós com velocidades proporcionais a sua distância. Portanto, uma galáxia duas vezes mais distante se afasta duas vezes mais rápido. A expansão do Universo obedece a uma lei extremamente simples!

A noção de que o Universo está em expansão incita uma série de perguntas. No decorrer dos próximos meses, teremos a oportunidade de discutir algumas delas em detalhe. Eis aqui as cinco perguntas mais populares:

1) Se o Universo está em expansão, onde fica seu centro?
2) Essa expansão implica que o Universo deve ter tido um começo. Qual é a sua idade?
3) Qual é o seu tamanho?
4) Será que existe um "outro" universo lá fora?
5) Se o Universo teve um começo, qual será seu fim?

A curiosidade da humanidade em conhecer sua origem e destino é tão antiga quanto sua história. Por meio do casamento da física com a astronomia, cosmólogos estão, pela primeira vez, conseguindo desvendar alguns desses mistérios. Mas outros sempre aparecem em seu lugar.

domingo, 23 de novembro de 1997

O reducionismo na ciência e suas limitações

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Se conseguirmos escapar das luzes da cidade grande, em uma noite sem nuvens e sem Lua, podemos distinguir uma faixa difusa de luz se estendendo pelo céu, uma névoa que brilha por si só, decorada aqui e ali por estrelas. Essa faixa de luz, como nós sabemos, é parte da Via láctea, a galáxia onde vivemos.

Uma galáxia é um aglomerado de estrelas e gás, atraídos gravitacionalmente. Na Via láctea, existem centenas de bilhões de outras estrelas além do Sol. E no Universo, fora nossa galáxia, existem centenas de bilhões de outras galáxias, cada uma contendo desde milhões até centenas de bilhões de estrelas.

Por incrível que pareça, até o início da década de vinte nos não sabíamos ao certo se existiam outras galáxias no Universo. Astronômos debatiam se as "nebulosas" vistas com seus telescópios eram outras galáxias (conhecidas na época como "universos-ilha"), distantes da Via láctea, ou se eram apenas nuvens de gás interestelar fazendo parte da nossa galáxia.
Em 1924, o jovem astronômo americano Edwin Hubble resolveu de vez essa questão, provando que algumas nebulosas não faziam parte da Via láctea, mas eram outros "universos-ilha". O Universo se tornou muito maior do que muitos até então suspeitavam.

Mas a maior descoberta astronômica de Hubble ainda estava por vir. Entre 1929 e 1931, Hubble demonstrou conclusivamente que o Universo não só era muito maior do que se suspeitava, mas que ele era uma entidade dinâmica, em expansão.

Para demonstrar que o Universo estava em expansão, Hubble usou o chamado "efeito Doppler", proposto pelo físico austríaco Johann Christian Doppler em 1842. Nós somos muito familiares com a versão auditiva do efeito Doppler. Quando uma sirene ou uma buzina viaja em nossa direção, ouvimos seu tom sempre mais agudo do que quando a mesma sirene ou buzina está em repouso. Já quando a sirene ou buzina se afasta, ouvimos seu tom sempre mais grave.

Esse é um efeito típico da propagação de ondas. No caso da sirene ou buzina que se afastam, a distância entre duas cristas consecutivas (ou "comprimento de onda") aumenta, causando o som mais grave. É como se o movimento da fonte "esticasse" a onda. No caso contrário, quando a fonte se aproxima, o comprimento de onda diminui e ouvimos o tom mais agudo.

O mesmo efeito acontece com ondas de luz emitidas por alguma fonte, como uma estrela ou uma galáxia.

Examinando a luz emitida por várias galáxias através de um aparelho chamado espectroscópio, Hubble observou que, na sua maioria, a luz das galáxias apresentava um desvio para maiores comprimentos de onda. Como o vermelho é a cor com maior comprimento de onda, esse efeito ficou conhecido como "desvio para o vermelho".

Baseado no efeito Doppler, Hubble concluiu que as galáxias estavam se afastando de nós com velocidades proporcionais à sua distância. Portanto, uma galáxia duas vezes mais distante, se afasta duas vezes mais rápido. A expansão do Universo obedece a uma lei extremamente simples!

A noção de que o Universo está em expansão imediatamente incita uma série de perguntas. No decorrer dos próximos meses teremos a oportunidade de discutir algumas delas em detalhe. Eis aqui as cinco perguntas mais populares:

1) Se o Universo está em expansão, onde é o seu centro?
2) Se o Universo está em expansão, ele deve ter tido um começo. Nesse caso, qual é a sua idade?
3) Se o Universo está em expansão, qual é o seu tamanho?
4) Se o Universo está em expansão, será que existe um "outro" Universo lá fora?
5) Se o Universo está em expansão e portanto teve um começo, qual será seu fim?

A curiosidade da humanidade em conhecer sua origem e destino é tão antiga quanto sua história. Através do casamento da Física com a Astronomia, cosmólogos estão, pela primeira vez, conseguindo desvendar alguns desses mistérios. Mas curiosamente, outros sempre aparecem em seu lugar.

domingo, 16 de novembro de 1997

Um passeio pelos "mistérios" da antimatéria

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Antimatéria é um assunto que sempre desperta um certo ar de mistério, de algo "do outro mundo". O próprio nome se dá mesmo a esse tipo de especulação. Afinal, "anti" quer dizer contrário, oposto ou conflitante. A antimatéria é muito menos misteriosa que sua reputação sugere. Mas isso não significa que ela seja menos fascinante.

Antimatéria não significa o oposto de matéria. Para entendermos o seu significado, devemos estudar a constituição da matéria no nível das partículas elementares.

Em meados dos anos 20, duas novas teorias sacudiam a física: a teoria da relatividade especial de Albert Einstein e a teoria quântica, de Max Planck, Niels Bohr, Werner Heisenberg, Erwin Schrõdinger e outros. Enquanto a relatividade especial descreve o movimento de objetos a velocidades próximas à da luz, a teoria quântica trata da física do muito pequeno, descrevendo processos que ocorrem em dimensões atômicas ou ainda menores.

Uma das questões na mente de alguns físicos da época era como casar as duas teorias, ou seja, como tratar movimentos muito rápidos que ocorrem a escalas atômicas. Por exemplo, elétrons orbitando o núcleo atômico podem assumir velocidades relativísticas, onde as correções da relatividade especial são importantes no estudo de seu movimento.

Em 1929, o físico inglês Paul Dirac obteve a primeira formulação relativística da mecânica quântica. Mas ao tentar resolver a equação do movimento de um elétron, Dirac se deparou com algo inesperado: fora o elétron, sua teoria parecia descrever o movimento de outra partícula!
Após algumas interpretações errôneas, Dirac e outros compreenderam que a outra solução era na verdade uma nova partícula, com massa idêntica ao elétron, mas com carga elétrica oposta. Como o elétron tem carga negativa, sua antipartícula ficou conhecida como pósitron. No resto, o pósitron é normal.

Em pouco tempo, ficou claro que todas partículas têm suas antipartículas. O próton, por exemplo, tem seu companheiro de carga negativa, o antipróton. A união da teoria quântica com a relatividade especial demanda a existência da antimatéria! Nos anos 30 e 40, as primeiras partículas de antimatéria foram detectadas no laboratório. Elas, portanto, não existem apenas no universo matemático dos físicos teóricos.

A relação entre matéria e antimatéria é bastante dramática. Quando uma partícula de matéria se choca com uma de antimatéria, elas se desintegram em radiação eletromagnética. Suas massas são convertidas em energia eletromagnética de acordo com a famosa fórmula E=mc2.
Essa energia é carregada pelas partículas que compõem o campo eletromagnético, conhecidas como fótons, cuja existência foi proposta por Einstein em 1905. Portanto, ao colidirem, partículas de matéria e antimatéria se desintegram em fótons.

Mas o contrário também pode ocorrer: fótons podem criar pares de partículas e antipartículas. Matéria, antimatéria e fótons são parceiros de uma constante dança subatômica de criação e destruição. Essa conversão entre matéria e energia é observada rotineiramente em aceleradores de partículas, capazes de colidi-las a altíssimas energias.

"Espere um momento!", exclama o leitor atento. "Se essa desintegração entre matéria e antimatéria realmente ocorre, onde foi parar toda essa antimatéria?" Ótima pergunta! Obviamente, se estamos aqui, sabemos que pelo menos a Terra é feita de matéria. A Lua também, pois vários astronautas pousaram lá sem se desintegrar. O mesmo vale para Marte. O Sistema Solar é dominado por matéria. Nossa galáxia também. Extrapola-se que o Universo seja praticamente só matéria. Mas a razão dessa imperfeição cósmica, a qual devemos nossa existência, vai ter que ficar para outra coluna.

domingo, 9 de novembro de 1997

Em busca das partículas fundamentais da matéria

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Demócrito e Leucipo, filósofos gregos do século 5 a.C., sugeriram que tudo no mundo é feito de átomos. Embora o átomo dos gregos seja diferente do átomo moderno, a idéia de que a matéria é feita de entidades fundamentais, indivisíveis, sobreviveu até hoje, como uma das heranças culturais da Grécia Antiga, assustadora em sua intuição de como funciona o mundo.

O átomo moderno não é perfeitamente denso nem indivisível como o dos gregos. Sabemos que os átomos têm um núcleo, composto por prótons e nêutrons, por sua vez orbitado por elétrons. O átomo mais simples, o de hidrogênio, tem apenas um próton e um elétron, enquanto o de urânio tem 92 prótons e 92 elétrons e pode ter 146 nêutrons!

Nas décadas de 30 a 50, os físicos estudaram processos envolvendo partículas em níveis de energia cada vez maiores. Basicamente, o método usado para estudar a composição fundamental da matéria é a força bruta. A idéia é colidir objetos a energias altíssimas em máquinas conhecidas como aceleradores de partículas e ver o que acontece. Por exemplo, podemos provocar a colisão entre um próton e um núcleo de um átomo de ouro, observando o resultado da colisão em detectores de partículas, máquinas capazes de "fotografar" o que acontece durante e após a colisão.

O que foi descoberto com esses experimentos e com as observações de raios cósmicos _partículas vindas do espaço que ao colidirem com a atmosfera têm papel semelhante ao dos aceleradores de partículas_ surpreendeu os cientistas. Esses experimentos revelaram centenas de outras partículas "elementares", resultados da transformação entre energia e massa prevista pela teoria da relatividade especial de Einstein. A energia de movimento das partículas é transformada em matéria, em novas partículas, durante a colisão. É como se colidíssemos bolas de tênis e criássemos elefantes e caminhões como resultado!

A descoberta dessas centenas de partículas levou os físicos a questionar o próprio conceito de "partícula elementar". Afinal, centenas de tijolos fundamentais da matéria, não são lá muito fundamentais. Essa situação embaraçosa mudou nos anos 60, com a sugestão do físico americano Murray Gell-Mann de que essas partículas eram compostas por outras menores que ele chamou de "quarks", termo tirado de um texto de James Joyce.

A idéia é simples. Do mesmo modo que os vários átomos podem ser explicados por combinações de prótons, nêutrons e elétrons, essas várias partículas podem ser explicadas por combinações de apenas alguns quarks. Com isso, físicos chegaram a um novo tipo de classificação das partículas fundamentais da matéria: as que são compostas por quarks e as que não são compostas por eles. As partículas que não são compostas por quarks são chamadas de léptons, do grego leve. O elétron, por exemplo, é um lépton.

A distinção entre esses dois tipos de partículas é baseada na interação entre elas. Todas as partículas compostas por quarks interagem através da força nuclear forte, responsável pela coesão do núcleo atômico. Como o núcleo é feito de prótons e nêutrons, e prótons sofrem uma repulsão elétrica, algo mais forte que essa repulsão tem de estar agindo. Essa "cola" nuclear é a força nuclear forte. Portanto, prótons e nêutrons são feitos por quarks, três para ser exato.
Hoje sabemos que existem seis quarks, todos observáveis em aceleradores de partículas. O mais pesado, o "top" quark, foi observado pela primeira vez ano passado no Fermilab, em um laboratório perto de Chicago. A esses seis quarks são adicionados seis léptons. Com isso, chegamos aos 12 tijolos fundamentais da matéria, versão atual. Mas o que acontecerá quando aumentarmos ainda mais as energias de nossos aceleradores?

domingo, 2 de novembro de 1997

A força da ciência está na sua universalidade

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Dada a complexidade do mundo em nossa volta, não é nada surpreendente que os cientistas usem simplificações aparentemente drásticas no estudo de fenômenos naturais. Por exemplo, se quisermos estudar a órbita da Lua em torno da Terra, é irrelevante incluirmos em nossa descrição que a Terra tem montanhas, oceanos e atmosfera, ou que a Lua tem crateras de todos os tamanhos. Basta sabermos a massa da Terra e a da Lua e a distância entre elas.

O balanço de uma folha ao vento, o vaivém de uma criança num balanço, um sino soando: todos esses "sistemas" podem ser modelados, com maior ou menor precisão, pelo movimento de um pêndulo sujeito a uma força externa. No caso da folha, a força externa vem do vento, no caso da criança, dos empurrões de seu pai e, no caso do sino, do padre puxando a corda.

Numa primeira aproximação, o modelo matemático que descreve o movimento desses sistemas é essencialmente o mesmo. Pela descrição matemática dos fenômenos, os físicos revelam a belíssima unidade que existe na natureza. Modelos imitam a natureza, recriando suas sutilezas de forma compreensível.

Descrever o comportamento de sistemas complexos por fórmulas simples é um ingrediente fundamental no trabalho científico e um de seus maiores desafios. Há um equilíbrio delicado entre simplificar demais _ignorando dados fundamentais sobre um sistema_ e incluir detalhes irrelevantes que compliquem desnecessariamente seu estudo.
Para testarmos a eficiência de um modelo, comparamos suas previsões com medidas obtidas por cuidadosas observações. No exemplo da folha balançando ao vento, podemos medir o tempo que a folha demora para voltar a um determinado ponto. Se o resultado medido não for semelhante à previsão do modelo, este tem de ser modificado.

Isso é verdade tanto para o balançar de uma folha quanto para qualquer modelo matemático de descrição de algum fenômeno, de escalas subatômicas até o Universo como um todo. E aqui a intuição do cientista é fundamental. Como encontrar as modificações corretas? Para mim, a construção de modelos é uma arte: a de modelar a natureza.
Pelo seu processo criativo, o cientista viabiliza sua visão do mundo. Para mim, assim como a obra de um artista, a obra de um cientista é um reflexo de sua personalidade. Claro, o veículo de expressão é completamente diferente, pois as linguagens são diferentes. Mas o momento que existe entre o surgimento de uma idéia e sua expressão, seja por uma equação ou por uma aquarela, é essencialmente idêntico.

Ao recriar o mundo matematicamente, o cientista reinventa a realidade a sua volta, representando-a por símbolos universais. Mesmo que o processo criativo científico seja tão subjetivo quanto o processo criativo artístico, o produto final do trabalho do cientista é acessível a qualquer outro que domine o vocabulário técnico da ciência. (E, espero, também ao público não especializado por um esforço dos cientistas de transmitir suas idéias de modo acessível.)

Em princípio, não deve haver subjetividade na interpretação de uma obra científica. Os modelos criados por cientistas são universais. Por meio da universalidade de sua linguagem, esses modelos são gradativamente corrigidos e aprimorados (o progresso científico raramente caminha em linha reta), chegando eventualmente a uma formulação aceita pela comunidade científica.

É nessa universalidade que reside a força da ciência. As equações que descrevem um fenômeno são idênticas para todos os cientistas, independentemente de qualquer diferença religiosa, racial ou política. A natureza não se presta a nossos tolos jogos de poder. A Ciência, em sua versão mais pura, é uma das formas mais humanas de conhecimento.