segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Grandes questões

Nos últimos 400 anos, milhares de homens e mulheres usaram o método científico para construir um corpo de conhecimento único que transformou a humanidade. 

Baseado na formulação de hipóteses e nos seus testes empíricos, o método oferece um processo de construção progressiva, em que descrições cada vez mais abrangentes dos fenômenos naturais são obtidas.

Da física de Newton, que descreve a gravidade como uma ação à distância entre corpos com massa, à relatividade de Einstein, que descreve a gravidade como resultado da curvatura do espaço em torno de objetos com massa, uma quantidade cada vez maior de fenômenos naturais foi compreendida.

O mesmo ocorre com a mecânica newtoniana e sua extensão para a mecânica quântica, que descreve os átomos e suas partículas. Ou da biologia com Darwin e a subsequente revolução na genética. Dessa compreensão e de suas aplicações vem a tecnologia, parte indissolúvel de nossas vidas.

Esse acúmulo de conhecimento não ocorreu ao acaso. Ideias, por mais belas e convincentes que possam parecer, só se tornam parte do corpo de conhecimento científico após serem testadas no laboratório.

Mais precisamente, uma teoria só é aceita enquanto não for provada errada ou incompleta. Não existem explicações finais; apenas descrições satisfatórias dentro do que podemos testar.

Com o avanço da tecnologia, esses testes tornam-se cada vez mais refinados. É justamente dessa maior precisão que falhas nas teorias aceitas podem surgir. Sem o constante refinamento das tecnologias usadas, ficamos sem meios de testar novas ideias. E o avanço do conhecimento estagna.

Essa é uma preocupação constante dos cientistas, especialmente daqueles cujas ideias e teorias envolvem testes que empregam tecnologias avançadas e, em geral, caras. Quem não fica maravilhado com as imagens espetaculares de galáxias e nebulosas distantes do Telescópio Espacial Hubble ou de um dos telescópios gigantes no topo de montanhas no Havaí e no Chile? E a descoberta do bóson de Higgs, a tal "partícula de Deus"?

Galáxias a 10 bilhões de anos-luz ou partículas subatômicas que existem por menos de um bilionésimo de segundo parecem ser realidades distantes do nosso dia a dia, com contas a pagar, trânsito, questões sociais e políticas diversas. Há quem diga que são essas as questões fundamentais, que investir no conhecimento mais abstrato é perda de tempo e de insumos fiscais.

Não há dúvida de que problemas sociais e políticos precisam de nossa atenção. Não há dúvida também de que projetos científicos de larga escala são caros. Porém, a resposta não precisa ser "isso ou aquilo". Não precisa e não deve.

Se deixarmos de questionar o sentido profundo das coisas e nos dedicarmos apenas ao imediato, abandonaremos um dos aspectos mais nobres da humanidade: a necessidade de nos questionar sobre o mundo, sobre nosso papel nele e nossas origens. Deixaremos de construir pontes entre as várias vertentes do conhecimento, que enriquecem nossa visão de mundo.

Uma sociedade que deixa de se indagar sobre as grandes questões está fadada ao retrocesso. O espírito humano precisa do novo para crescer.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Questionando a realidade


 Na ciência, um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados incompatíveis 

 A realidade pode ser mais estranha do que a ficção. Na ciência, os efeitos quânticos, que aparecem quando estudamos objetos muito pequenos, certamente são mais estranhos do que podemos imaginar. Um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados incompatíveis, como o gato de Schrödinger, morto e vivo ao mesmo tempo.

 Mas como sabemos que esses efeitos de fato ocorrem? E por que não vemos isso normalmente? Qual a fronteira entre a realidade quântica, com seus efeitos bizarros, e a nossa realidade comum?

 Essas respostas só podem ser dadas através de experimentos. Foi assim que ficou determinada a mais estranha das propriedades quânticas, que está por trás de todo esse mistério: a dualidade partícula-onda. Desde os atomistas gregos, costumamos visualizar a matéria como feita de partículas, objetos minúsculos e indivisíveis. O elétron, que gira em torno do núcleo atômico, é um exemplo popular. Mas em 1924, Louis de Broglie propôs algo inusitado: o elétron é também uma onda. E não só ele, como todas as outras partículas; as entidades fundamentais da matéria têm dupla identidade, a dualidade partícula-onda.

 O estranho disso é que partículas e ondas têm propriedades muito diferentes: partícula são localizadas, ocupam pouco volume no espaço; ondas se espalham. Em 1927, Clinton Davisson e Lester Germer observaram a difração de elétrons ao passarem por um cristal de níquel, um efeito típico de ondas. A difração ocorre, por exemplo, quando ondas passam por duas fendas. Imagine ondas de água passando por uma barragem com apenas duas portinholas, ou ondas de luz passando por uma parede com duas fendas. Elas interferem e criam um padrão de estrias claras e escuras num anteparo. Se repetíssemos o experimento atirando balas (partículas) através das fendas, elas iriam se amontoar no anteparo bem atrás das fendas: balas não interferem entre si, não sofrem difração.

 No experimento de Davisson-Germer, o cristal de níquel fazia o papel da parede com fendas. Em 1989, Akira Tonomura, do Japão, conseguiu fazer o experimento de elétrons passando por fendas. Os resultados foram bizarros. Ele mostrou que um elétron, passando sozinho pelas fendas, interfere com ele mesmo: ou seja, o elétron se comporta como uma onda passando pelas duas fendas ao mesmo tempo!

 O que ocorre com "partículas" maiores? Qual o limite de tamanho em que as características de onda são "perdidas"? Devido a incríveis avanços tecnológicos, experimentos de difração foram feitos com nêutrons, átomos, e até moléculas, centenas de vezes maiores do que átomos. Um exemplo é o experimento de Anton Zeilinger e seu grupo da Universidade de Viena, que em 1999 demonstrou a interferência de moléculas com 60 átomos de carbono, as "bolas de Bucky", que parecem bolas de futebol.

 Quanto maior o objeto, mais sutil é sua interferência, que fica difícil de demonstrar. Imagine uma bola de futebol fazendo dois gols ao mesmo tempo. Isso ocorre no mundo quântico. A próxima etapa é tentar experimentos com vírus. O que ocorre quando seres (quase) vivos passam por duas fendas ao mesmo tempo? E seres vivos?

domingo, 13 de janeiro de 2013

Ode ao planeta


Minidocumentário incrível se inspira na transformação pela qual passam os que veem a Terra do espaço

"Me lembro da decolagem, que é uma experiência inesquecível. Os motores foram desligados e me senti sem peso. Flutuei até a janela e vi que estávamos sobre a costa da África. Foi então que entendi que estava no espaço. Fiquei incrivelmente excitado pois era algo que queria fazer desde que tinha seis anos de idade."

Esse depoimento, do astronauta americano Jeff Hoffman, que tripulou o ônibus espacial, faz parte de um minidocumentário incrível, inspirado no chamado "efeito visão total", sugerido pelo escritor Frank White em 1987 para descrever a profunda transformação emocional que astronautas sentem ao olhar para a Terra do espaço.

(Em inglês, chama-se "overview effect", que se traduz mal para o português. Escolhi "visão total" pois faz referência ao cerne do efeito, a visão total da Terra.) Eis o link do vídeo que sugiro a todos, mesmo se não souberem inglês: http://vimeo.com/55073825.

"Você começa com uma expectativa do que vai ver, mas nada se compara ao que é visto de fato. É tão mais bonita do que você imagina, essa coisa dinâmica, brilhante, cheia de vida... É o nosso poema," disse Nicole Stott, astronauta da Estação Espacial Internacional.

"As luzes das cidades, a linha separando noite e dia, estrelas cadentes passando abaixo da gente, as auroras dançando nos céus, as tempestades e os raios subindo e descendo... Tudo ao mesmo tempo, passando rápido pela espaçonave, tão difícil de descrever," disse outro.

Edgar Mitchell, que ficou em órbita em torno da Lua numa missão Apollo enquanto seus companheiros estavam no solo, descreve como via a Terra, o Sol e a Lua passando a cada dois minutos e como o estudo da astronomia e da cosmologia- que ensinaram-lhe como toda essa matéria, incluindo a nossa, veio de estrelas que explodiram bilhões de anos atrás e como toda a matéria tem os mesmos átomos- deu-lhe um profundo sentido de união com a totalidade do Cosmos.

Em todos os depoimentos se vê uma profunda reverência com o nosso planeta, uma emoção primal que remete os que a sentem a um estado de transcendência em que o "eu" deixa de ser importante, e o que existe é o coletivo.

Os astronautas da Estação Espacial Internacional, em especial, passam a maior parte de seu tempo livre olhando para a Terra, observando seus detalhes em um estado contemplativo que só pode ser descrito como espiritual. Uma coisa é estar aqui, no meio da confusão, das vozes e luzes, do crime, das disputas e guerras. Outra é ver tudo de longe, como uma entidade única, o peixe que vislumbra o oceano como um todo e entende de onde vem.

O "efeito visão total" traz uma compreensão da profunda unidade entre a Terra e a vida nela, um planeta azul viajando pelo espaço, uma espaçonave ele também, um organismo vivo e profundamente frágil.
Pensar que o manto que protege a vida na Terra, a atmosfera, é fino como a casca de uma maçã e que, sem ele, não poderíamos sobreviver.

De longe, os astronautas veem o impacto negativo da nossa presença. E temem pelo futuro do planeta e da nossa espécie. A Terra, vista como um todo, é o símbolo da nossa era. E a necessidade imperativa de sua preservação deveria ser o nosso mantra.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Universos em colisão


Imagine que outras porções do espaço, vizinhas da nossa, também sejam universos, como ilhas

Talvez alguns dos leitores se lembrem do best-seller de Immanuel Velikovsky, "Mundos em Colisão", publicado em 1950. Nele, Velikovsky tenta demonstrar a veracidade de várias catástrofes registradas nos mitos de culturas antigas usando supostos eventos astrofísicos.

Velikovsky imaginou que Vênus foi ejetada de Júpiter como um cometa no século 15 a.C., tal como, na mitologia grega, Atena é ejetada da cabeça de Zeus. A passagem do "cometa Vênus" perto da Terra em diversas ocasiões teria gerado uma série de catástrofes.

As ideias de Velikovsky foram sumariamente refutadas pela comunidade astronômica. Mas seu catastrofismo continua a tradição de várias religiões, como mostro no livro "O Fim da Terra e do Céu".

Embora dramáticos, os eventos imaginados por Velikovsky não se comparam ao que a cosmologia moderna anda propondo. Não falo dos efeitos da aproximação de cometas, mas de colisões de universos inteiros, inclusive o nosso. Bem-vindos ao catastrofismo cósmico.

O Universo surgiu 13,7 bilhões de anos atrás e vem se expandindo desde então. Porém, observações atuais indicam que essa expansão não foi sempre regular. Logo no início, o Cosmo aparentemente passou por um período de expansão acelerada, chamado de inflação.

Segundo essa teoria, o Universo inteiro teria se originado de uma pequena porção de espaço que foi estirada como uma tira de borracha por um fator de cem trilhões de trilhões em uma fração de segundo.

Nosso Universo cabe nessa região inflada, como uma ilha no oceano. Imagine que outras porções de espaço, vizinhas da nossa, tenham também sido estiradas, mas de maneiras diferentes. Teríamos, então, uma espécie de oceano repleto de universos-ilhas, cada qual com a sua origem, tipos de matéria etc. -é o chamado Multiverso.

Como a física é uma ciência empírica, qualquer hipótese precisa ser testada. Isso é tanto verdade para uma bola que rola ladeira abaixo quanto para o Universo todo.

No caso da bola, basta descrever como a gravidade e a fricção do solo agem sobre ela; no caso da inflação, ela prevê que nosso Universo seja geometricamente plano e repleto de radiação com a mesma temperatura em todas as direções -ambas previsões confirmadas.

Se não podemos receber informação de fora do nosso Universo (ou além do "horizonte", a esfera que delimita o quanto a luz pôde viajar em 13,7 bilhões de anos de expansão), como provar a existência de outros universos?

Tal como bolhas de sabão, que vibram quando colidem sem se destruir, se outro universo colidiu com o nosso no passado distante, a radiação dentro do nosso Universo teria vibrado devido às perturbações criadas pela colisão.

Essas perturbações estariam registradas na radiação que permeia o Cosmos e podem, em princípio, ser observadas: seriam anéis concêntricos onde a radiação teria temperatura um pouco mais alta ou baixa. A notícia ruim é que a probabilidade de colisão com outro universo aumenta com o tempo: podemos desaparecer a qualquer instante!
A boa é que os anéis ainda não foram encontrados. Mas sua possível existência demonstra a diferença entre ciência e especulação.