domingo, 27 de junho de 2004

A conexão Sol-Terra

Se existe algo de certo, em nossas vidas atribuladas, é que amanhã o Sol irá nascer novamente, banhando a Terra com seu calor e sua luz. Ainda bem, porque sem sua produção regular de energia não existiria vida na Terra. O Sol, cujo centro é uma gigantesca fornalha nuclear que transforma núcleos do átomo de hidrogênio (ou seja, prótons) em núcleos de hélio a temperaturas de 15 milhões de graus, sofre variações em sua luminosidade (a produção total de energia por segundo) de apenas 0,2 a 0,3%. Qualquer alteração maior na luminosidade solar teria conseqüências devastadoras aqui na Terra.

Por exemplo, calcula-se que, em aproximadamente 1 bilhão de anos, a luminosidade solar aumentará em 10%. Se o aumento ocorresse agora, os oceanos evaporariam imediatamente, e as rochas e montanhas na superfície terrestre derreteriam como manteiga. A atmosfera seria eliminada, tornando impossível a existência de vida. Aquele disco dourado que aparenta ser tão pacífico e regular, o mesmo, entra dia, sai dia, é, na verdade, uma bola de gases incandescentes sujeitos a campos magnéticos de enorme intensidade. A temperatura na superfície do Sol, embora bem menor do que no seu centro, é de 6.000C.

Que o Sol tenha um campo magnético não é uma grande surpresa; a Terra também tem um, se bem que de origem bem diferente. O magnetismo terrestre, mesmo que ainda não completamente compreendido, está ligado à composição de seu interior -metais liquefeitos pelo calor e pela pressão. Esses metais giram devido à rotação da Terra, criando um campo magnético cujos pólos sul e norte estão próximos, mas não alinhados, com os geográficos. O magnetismo solar é ainda menos compreendido. Sabe-se que ele vem do fluxo de gases de seu interior para seu exterior, combinado com a rotação do Sol em torno de seu eixo.

Os campos magnéticos solares refletem a incrível atividade que existe sob e sobre a sua superfície. As manchas solares, que aparecem como manchas negras sobre a superfície, são, na verdade, portos de entrada e saída de campo magnético. Elas sempre aparecem em pares, tal como ímãs que têm um pólo sul e um pólo norte. Uma mancha solar típica tem diâmetro de 10 mil a 20 mil quilômetros, uma ou duas vezes o diâmetro da Terra.
O campo magnético que sai da superfície solar por uma mancha e entra por outra pode ser visualizado como uma minhoca com suas extremidades presas ao solo. Dentro do tubo, o campo magnético tem uma intensidade mil vezes maior do que na região à sua volta. A coloração escura das manchas é devida a seus campos magnéticos, que, sendo bem mais fortes, tendem a bloquear parcialmente o fluxo de gases quentes até a superfície, tornando-a em torno de 500C mais fria. No Sol, uma região mais fria irradia menos e aparenta ser mais escura.

Existe uma conexão profunda entre o Sol e a Terra, que vai além do calor e luz que recebemos. Essa ligação é magnética. Tal como em um ímã comum, os campos magnéticos do Sol e da Terra se espalham pelo espaço à sua volta. As auroras são um exemplo dessa conexão.

O Sol não gera apenas radiação e calor. Os movimentos em sua superfície, combinados com flutuações de seu campo magnético, ejetam milhões de toneladas de matéria por segundo. Essa matéria, composta principalmente por elétrons e prótons, chama-se vento solar. Viajando pelo espaço a velocidades de 500 km/s, essas partículas chegam à Terra após alguns dias, caindo sobre os pólos magnéticos como areia por um funil. As colisões entre essas partículas e as moléculas de gás na atmosfera liberam radiações de energias diferentes, formando as cortinas ondulantes de luz das auroras nas regiões de altas latitudes.

Volta e meia, o nível de atividade solar aumenta. Com ela, aparecem mais manchas solares. Esse aumento ocorre com regularidade, em ciclos de 11 anos. Às vezes, bolhas gigantescas de matéria são ejetadas, que também podem chegar até a Terra. Quando isso ocorre, satélites podem ter suas comunicações interrompidas, e usinas elétricas podem falhar devido à sobrecarga. E isso com flutuações de apenas 0,2% na luminosidade solar.

É bom mesmo que o Sol continue a se comportar.

domingo, 20 de junho de 2004

Vênus e outros planetas em trânsito

No último dia 8, acordei às cinco e meia da manhã e, munido de meu visor solar, um par de óculos com filtros especiais, saí de casa procurando pelo Sol nascente. Como é comum nas manhãs de primavera, uma densa névoa cobria o vale do rio Connecticut, onde moro, bloqueando quase completamente o céu. Não daria para ver o Sol nascer e muito menos Vênus passando à sua frente. Lembrei-me do astrônomo inglês Jeremiah Horrocks, um jovem brilhante que, em 1639, com apenas 20 anos de idade, foi o primeiro a prever quando ocorreria o trânsito de Vênus.

O pobre Horrocks, que morava em Lancaster, tinha de ter muita sorte para que o céu estivesse claro em dezembro, uma raridade na Inglaterra. Mas, conforme escreveu ele, "as nuvens, como que por intervenção divina, se dispersaram por completo, e eu fui então convidado a repetir minhas observações e a presenciar um espetáculo muito agradável".

Imagino que "agradável" era como um inglês do século 17 expressava o seu êxtase absoluto. No meu caso, não havia previsto o trânsito de Vênus, mas também dei sorte. A névoa começou a se dispersar e acabou servindo de filtro natural contra a luz do Sol. Por trás da névoa, pude ver claramente o seu disco luminoso e, sobre ele, um disco negro, perfeitamente circular: Vênus.

De minha posição na Nova Inglaterra, o espetáculo durou até as sete da manhã, quando Vênus terminou a sua passagem. Tudo voltou ao normal, a mancha negra desapareceu da superfície do Sol.

Hoje em dia, a observação do trânsito de Vênus é mais uma curiosidade: seu uso científico mais importante, medir a distância entre a Terra e o Sol, já foi explorado o suficiente. Sabemos que a Terra, em seu ponto de maior proximidade do Sol (o periélio), está a 147,1 milhões de quilômetros, com uma precisão de aproximadamente cem metros.
Para quem não pôde ver o trânsito desta vez, e o Brasil não foi privilegiado, o fenômeno se repetirá em 2012. É bom tentar vê-lo nessa oportunidade, porque a próxima será apenas em 2117.

Para entender a irregularidade dos trânsitos, é bom lembrar que os planetas giram em torno do Sol em órbitas elípticas que estão quase alinhadas em um mesmo plano, como uma pizza bem grossa. A variação na inclinação das órbitas e o tamanho pequeno de Vênus fazem com que a superposição de sua superfície (apenas 3% da superfície do Sol) com a da estrela seja bastante rara: os trânsitos ocorrem em pares separados por aproximadamente oito anos, e cada par de eventos é separado dos outros por cerca de 120 anos. O Sistema Solar é preciso como um relógio, mas seus mecanismos são bastante complicados.

No ano que vem a Agência Espacial Européia lançará a sonda Venus Express, que vai estudar o misterioso planeta. Aquele disco negro que vi na frente do Sol é extremamente quente, com temperaturas em sua superfície chegando a 460C. E, como Vênus gira muito lentamente em torno de seu eixo, o seu dia (uma revolução completa) é mais longo do que o seu ano (uma revolução completa em torno do Sol, que lá equivale a 225 dias terrestres).

Sua atmosfera extremamente densa é composta por nuvens amareladas de ácido sulfúrico. A pressão em sua superfície é equivalente à pressão a 900 metros de profundidade nos oceanos terrestres. Estranho como aqui na Terra a "estrela-d'alva" é associada à deusa da beleza. Nada como a distância para colorir a percepção das coisas.

Hoje, a importância dos trânsitos não está no nosso Sistema Solar, mas em outros. A passagem de um planeta de dimensões terrestres na frente de uma estrela distante diminui a sua luminosidade. Mesmo que o efeito seja mínimo, 1 parte em 10 mil, e muito raro, é possível medi-lo com tecnologia já existente.

Uma missão da Nasa para 2007, chamada Kepler, vai observar 100 mil estrelas semelhantes ao Sol em nossa vizinhança galáctica, durante quatro anos. Astrônomos esperam observar em torno de cem trânsitos. Caso esses trânsitos sejam medidos, teremos confirmação direta da existência de planetas com dimensões semelhantes às da Terra girando em torno de outras estrelas.
Horrocks acharia "muito agradável".

domingo, 13 de junho de 2004

O grande colisor de matéria e antimatéria

Imagine que você queira descobrir o que existe dentro de uma laranja sem poder cortá-la. Uma possibilidade é acelerar uma laranja contra outra a velocidades bem altas. Quando a colisão ocorre, pedaços de casca, bagaço, suco e sementes voam para todos os lados. Uma análise desses detritos permite deduzir a composição interna da laranja. Essencialmente, é isso o que ocorre no interior dos colisores de partículas, máquinas gigantescas que buscam as partículas elementares da matéria.

Por elementar se entende uma partícula que não é composta por outras. Por exemplo, um átomo de hidrogênio não é elementar, pois é composto por um próton e um elétron. O próton também não é, pois é composto por três quarks. Mas os quarks e o elétron, ao que tudo indica, são elementares. Eles são alguns dos tijolos fundamentais da matéria.

Existem vários colisores de partículas espalhados pelo mundo, mas os dois pesos-pesados estão no Fermilab, perto de Chicago, nos EUA, e no Cern, o Centro Europeu de Física de Partículas, perto de Genebra, na Suíça. Nos dois centros, máquinas aceleram partículas de matéria contra partículas de antimatéria, em túneis circulares subterrâneos, até velocidades próximas da da luz.

As partículas e antipartículas colidem, transformando suas enormes energias em várias outras partículas, devido à conversão entre massa e energia prescrita pela famosa fórmula E=mc2. (Lembre-se de que movimento também tem energia, de modo que, quanto mais rápida a partícula, maior a sua energia.)
Antimatéria não tem nada de esotérico. Cada partícula de matéria comum, elétrons, prótons, quarks, tem sua irmã de antimatéria: pósitrons para elétrons, antiprótons e antiquarks para prótons e quarks. A diferença principal é que as partículas de antimatéria têm cargas elétricas opostas às de matéria.

O colisor do Fermilab, chamado Tevatron, acelera prótons contra antiprótons até energias equivalentes a 2.000 vezes a massa de um próton multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz, o c2 da fórmula. O do Cern, chamado LEP (Large Electron-Positron Collider, Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons), atinge energias de até 200 vezes a massa de um próton (vezes c2). Uma nova máquina está em construção no Cern, devendo ficar pronta em alguns anos: o LHC (Large Hadron Collider, Grande Colisor de Hádrons), uma versão maior do Tevatron americano, com oito segmentos de 3,3 quilômetros cada.

Por que máquinas tão grandes (e caras, com custos de bilhões de dólares) são necessárias para estudar algo tão pequeno? Voltemos à colisão das laranjas. Se as laranjas forem aceleradas a baixas velocidades, as cascas nem chegarão a rasgar. Velocidades maiores revelarão que o interior da laranja está cheio de coisas, mas ainda não saberemos o que são elas. Com velocidades ainda maiores descobre-se que a laranja tem suco, bagaço e sementes. E se quisermos continuar o estudo, descobrir o que existe dentro da semente? Aumentamos ainda mais a velocidade, usamos muitas laranjas e, de vez em quando, uma semente se choca contra outra com tal violência que elas se quebram e vemos o que existe dentro.

Portanto, o estudo das propriedades da matéria a distâncias muito pequenas necessita de muita energia. Por isso as máquinas têm de ser tão grandes. Pense em como a gravidade acelera objetos que caem: quanto maior a altura, mais violento o impacto no chão. Com os colisores é a mesma coisa: quanto maior a sua extensão, maiores as velocidades atingidas pelas partículas.
Nos últimos 25 anos, esse quebra-quebra subatômico levou à construção do chamado Modelo Padrão da física de partículas, que resume tudo o que sabemos sobre a estrutura fundamental da matéria. O futuro dos grandes colisores, no entanto, é incerto. A menos que sejam inventadas novas tecnologias de aceleração, e várias vêm sendo discutidas, o custo de máquinas maiores é proibitivo.

A física de partículas terá de continuar a se alinhar cada vez mais com a cosmologia, usando o Universo como laboratório de estudo. Afinal, nenhum colisor na Terra poderá simular as energias que existiam momentos após o Big Bang. O segredo da estrutura da matéria se esconde na infância cósmica.

domingo, 6 de junho de 2004

Universo às escuras

Algo escuro e repulsivo controla o Universo. Em 1998, astrônomos descobriram que o Universo está em expansão acelerada, como se uma espécie de antigravidade, em que a matéria sofre uma repulsão em vez de uma atração, estivesse dominando a dinâmica cósmica. A descoberta provocou uma onda de choque na comunidade científica.
Inicialmente, a maioria dos físicos e astrônomos achou que o efeito iria embora, que se tratava apenas de erro nas medidas. Mas a cada ano que passa, o que se vê é o oposto: as medidas iniciais estavam certas, e a aceleração do Universo parece estar aqui para ficar.

É importante entender que esses efeitos ocorrem apenas em enormes escalas de distância, de centenas de milhões ou bilhões de anos-luz: ninguém vai começar a expandir feito um balão; a Terra não será arrancada de sua órbita em torno do Sol, ou o Sol da sua em torno do centro da galáxia; a Via Láctea manterá a sua estrutura espiral.

Um modo de visualizar a aceleração cósmica é imaginar o Universo como um oceano que preenche todo o espaço, onde as ilhas são as galáxias ou aglomerados de galáxias (grupos com muitas galáxias) bem distantes. A gravidade continua sendo atrativa como sempre. As ilhas não crescem. Mas o oceano tem a estranha propriedade de querer se estender cada vez mais em todas as direções, carregando as ilhas com ele.

Que o Universo esteja em expansão não é novidade; já se sabia disso desde 1929. A surpresa é a taxa com que essa expansão ocorre, que é muito mais rápida do que o esperado. Mais ainda, as observações mostram que essa aceleração começou em um determinado momento no passado, quando o Universo tinha apenas alguns bilhões de anos (sua idade atual é de 14 bilhões de anos). Por quê?

A misteriosa força repulsiva é chamada de "energia escura". Escura pois não podemos vê-la; não emite qualquer tipo de radiação, o que torna sua observação direta bastante difícil. A aceleração cósmica é detectada através de fontes de luz extremamente poderosas que existem em galáxias, as supernovas tipo Ia, objetos que emitem quantidades explosivas de radiação. Voltando à analogia do oceano, as supernovas são como postes de luz fincados nas ilhas; quando as ilhas se afastam devido à expansão, a luz dos postes vai ficando mais fraca, não só devido à sua maior distância, mas, também, ao efeito Doppler, que faz com que diminua a freqüência de ondas provenientes de fontes que se afastam (feito o som da sirene de uma ambulância passando na rua).

Um dos objetivos das observações atuais e futuras é determinar se a energia escura sempre teve a mesma intensidade repulsiva ou se ela muda no tempo. Se a intensidade foi sempre a mesma, a energia escura é uma constante, que chamamos de constante cosmológica. Caso ela mude no tempo, ela pode ser modelada como um campo cuja intensidade varia com a expansão do Universo.

A idéia de campo aqui é simples, como a temperatura num quarto: cada ponto do espaço tem a sua temperatura, de modo que podemos falar no campo de temperaturas do quarto. O campo de energia escura é chamado quintessência, como a quinta essência dos gregos. A natureza da energia escura, campo ou constante, determina o destino do Universo.

Até agora, em torno de 200 supernovas foram medidas. O número é alto, mas ainda insuficiente para resolver a questão. Um projeto da Nasa (Snap, Supernova Acceleration Probe, ou Sonda de Aceleração das Supernovas), ainda não definitivamente aprovado devido ao desvio de verbas por George W. Bush para a exploração humana da Lua e de Marte, pretende medir a velocidade de 6.000 supernovas a partir de 2010.

Caso a energia escura seja constante no tempo, e os resultados atuais indicam que essa possibilidade é a mais provável, resta entender a origem da constante cosmológica. Qual poderia ser a fonte dessa repulsão que age identicamente em todo o cosmo? Ou, quem sabe, a teoria da gravidade atual, baseada na teoria da relatividade geral de Einstein, não funciona a grandes distâncias. Qualquer que seja a resposta, fica claro que a resolução do mistério abrirá portas para a compreensão do Universo. As dúvidas de hoje são o conhecimento de amanhã.