domingo, 6 de junho de 2004

Universo às escuras

Algo escuro e repulsivo controla o Universo. Em 1998, astrônomos descobriram que o Universo está em expansão acelerada, como se uma espécie de antigravidade, em que a matéria sofre uma repulsão em vez de uma atração, estivesse dominando a dinâmica cósmica. A descoberta provocou uma onda de choque na comunidade científica.
Inicialmente, a maioria dos físicos e astrônomos achou que o efeito iria embora, que se tratava apenas de erro nas medidas. Mas a cada ano que passa, o que se vê é o oposto: as medidas iniciais estavam certas, e a aceleração do Universo parece estar aqui para ficar.

É importante entender que esses efeitos ocorrem apenas em enormes escalas de distância, de centenas de milhões ou bilhões de anos-luz: ninguém vai começar a expandir feito um balão; a Terra não será arrancada de sua órbita em torno do Sol, ou o Sol da sua em torno do centro da galáxia; a Via Láctea manterá a sua estrutura espiral.

Um modo de visualizar a aceleração cósmica é imaginar o Universo como um oceano que preenche todo o espaço, onde as ilhas são as galáxias ou aglomerados de galáxias (grupos com muitas galáxias) bem distantes. A gravidade continua sendo atrativa como sempre. As ilhas não crescem. Mas o oceano tem a estranha propriedade de querer se estender cada vez mais em todas as direções, carregando as ilhas com ele.

Que o Universo esteja em expansão não é novidade; já se sabia disso desde 1929. A surpresa é a taxa com que essa expansão ocorre, que é muito mais rápida do que o esperado. Mais ainda, as observações mostram que essa aceleração começou em um determinado momento no passado, quando o Universo tinha apenas alguns bilhões de anos (sua idade atual é de 14 bilhões de anos). Por quê?

A misteriosa força repulsiva é chamada de "energia escura". Escura pois não podemos vê-la; não emite qualquer tipo de radiação, o que torna sua observação direta bastante difícil. A aceleração cósmica é detectada através de fontes de luz extremamente poderosas que existem em galáxias, as supernovas tipo Ia, objetos que emitem quantidades explosivas de radiação. Voltando à analogia do oceano, as supernovas são como postes de luz fincados nas ilhas; quando as ilhas se afastam devido à expansão, a luz dos postes vai ficando mais fraca, não só devido à sua maior distância, mas, também, ao efeito Doppler, que faz com que diminua a freqüência de ondas provenientes de fontes que se afastam (feito o som da sirene de uma ambulância passando na rua).

Um dos objetivos das observações atuais e futuras é determinar se a energia escura sempre teve a mesma intensidade repulsiva ou se ela muda no tempo. Se a intensidade foi sempre a mesma, a energia escura é uma constante, que chamamos de constante cosmológica. Caso ela mude no tempo, ela pode ser modelada como um campo cuja intensidade varia com a expansão do Universo.

A idéia de campo aqui é simples, como a temperatura num quarto: cada ponto do espaço tem a sua temperatura, de modo que podemos falar no campo de temperaturas do quarto. O campo de energia escura é chamado quintessência, como a quinta essência dos gregos. A natureza da energia escura, campo ou constante, determina o destino do Universo.

Até agora, em torno de 200 supernovas foram medidas. O número é alto, mas ainda insuficiente para resolver a questão. Um projeto da Nasa (Snap, Supernova Acceleration Probe, ou Sonda de Aceleração das Supernovas), ainda não definitivamente aprovado devido ao desvio de verbas por George W. Bush para a exploração humana da Lua e de Marte, pretende medir a velocidade de 6.000 supernovas a partir de 2010.

Caso a energia escura seja constante no tempo, e os resultados atuais indicam que essa possibilidade é a mais provável, resta entender a origem da constante cosmológica. Qual poderia ser a fonte dessa repulsão que age identicamente em todo o cosmo? Ou, quem sabe, a teoria da gravidade atual, baseada na teoria da relatividade geral de Einstein, não funciona a grandes distâncias. Qualquer que seja a resposta, fica claro que a resolução do mistério abrirá portas para a compreensão do Universo. As dúvidas de hoje são o conhecimento de amanhã.

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