domingo, 13 de junho de 2004

O grande colisor de matéria e antimatéria

Imagine que você queira descobrir o que existe dentro de uma laranja sem poder cortá-la. Uma possibilidade é acelerar uma laranja contra outra a velocidades bem altas. Quando a colisão ocorre, pedaços de casca, bagaço, suco e sementes voam para todos os lados. Uma análise desses detritos permite deduzir a composição interna da laranja. Essencialmente, é isso o que ocorre no interior dos colisores de partículas, máquinas gigantescas que buscam as partículas elementares da matéria.

Por elementar se entende uma partícula que não é composta por outras. Por exemplo, um átomo de hidrogênio não é elementar, pois é composto por um próton e um elétron. O próton também não é, pois é composto por três quarks. Mas os quarks e o elétron, ao que tudo indica, são elementares. Eles são alguns dos tijolos fundamentais da matéria.

Existem vários colisores de partículas espalhados pelo mundo, mas os dois pesos-pesados estão no Fermilab, perto de Chicago, nos EUA, e no Cern, o Centro Europeu de Física de Partículas, perto de Genebra, na Suíça. Nos dois centros, máquinas aceleram partículas de matéria contra partículas de antimatéria, em túneis circulares subterrâneos, até velocidades próximas da da luz.

As partículas e antipartículas colidem, transformando suas enormes energias em várias outras partículas, devido à conversão entre massa e energia prescrita pela famosa fórmula E=mc2. (Lembre-se de que movimento também tem energia, de modo que, quanto mais rápida a partícula, maior a sua energia.)
Antimatéria não tem nada de esotérico. Cada partícula de matéria comum, elétrons, prótons, quarks, tem sua irmã de antimatéria: pósitrons para elétrons, antiprótons e antiquarks para prótons e quarks. A diferença principal é que as partículas de antimatéria têm cargas elétricas opostas às de matéria.

O colisor do Fermilab, chamado Tevatron, acelera prótons contra antiprótons até energias equivalentes a 2.000 vezes a massa de um próton multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz, o c2 da fórmula. O do Cern, chamado LEP (Large Electron-Positron Collider, Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons), atinge energias de até 200 vezes a massa de um próton (vezes c2). Uma nova máquina está em construção no Cern, devendo ficar pronta em alguns anos: o LHC (Large Hadron Collider, Grande Colisor de Hádrons), uma versão maior do Tevatron americano, com oito segmentos de 3,3 quilômetros cada.

Por que máquinas tão grandes (e caras, com custos de bilhões de dólares) são necessárias para estudar algo tão pequeno? Voltemos à colisão das laranjas. Se as laranjas forem aceleradas a baixas velocidades, as cascas nem chegarão a rasgar. Velocidades maiores revelarão que o interior da laranja está cheio de coisas, mas ainda não saberemos o que são elas. Com velocidades ainda maiores descobre-se que a laranja tem suco, bagaço e sementes. E se quisermos continuar o estudo, descobrir o que existe dentro da semente? Aumentamos ainda mais a velocidade, usamos muitas laranjas e, de vez em quando, uma semente se choca contra outra com tal violência que elas se quebram e vemos o que existe dentro.

Portanto, o estudo das propriedades da matéria a distâncias muito pequenas necessita de muita energia. Por isso as máquinas têm de ser tão grandes. Pense em como a gravidade acelera objetos que caem: quanto maior a altura, mais violento o impacto no chão. Com os colisores é a mesma coisa: quanto maior a sua extensão, maiores as velocidades atingidas pelas partículas.
Nos últimos 25 anos, esse quebra-quebra subatômico levou à construção do chamado Modelo Padrão da física de partículas, que resume tudo o que sabemos sobre a estrutura fundamental da matéria. O futuro dos grandes colisores, no entanto, é incerto. A menos que sejam inventadas novas tecnologias de aceleração, e várias vêm sendo discutidas, o custo de máquinas maiores é proibitivo.

A física de partículas terá de continuar a se alinhar cada vez mais com a cosmologia, usando o Universo como laboratório de estudo. Afinal, nenhum colisor na Terra poderá simular as energias que existiam momentos após o Big Bang. O segredo da estrutura da matéria se esconde na infância cósmica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário