domingo, 29 de julho de 2007

Entidades não-biológicas


Máquinas não são inteligentes, apenas respondem a comandos

Na semana passada fui ao cinema com meus filhos assistir ao novo filme dirigido por Michael Bay, "Transformers". Como o leitor deve estar sabendo, o filme trata de robôs agigantados que podem se transformar em máquinas diversas, como automóveis, rádios ou aviões.

Não sei se é o primeiro, mas o filme inverte uma tendência de mercado que existia em Hollywood: antes, fazia-se o filme e depois vinham os brinquedos, como, por exemplo, em "Guerra nas Estrelas" ou em "Procurando Nemo". Agora, são os brinquedos que inspiram o filme. O problema ou melhor, o desafio, é que, com essa inversão, faz-se necessário criar uma história com princípio, meio e fim. Resultado: uma bobagem tão imensa quanto divertida.

Os "Autobots", nome geral para essas entidades não-biológicas capazes de mudar de forma num piscar de olhos, vêm de um planeta distante, produtos de um Cubo misterioso, uma máquina de origem inexplicada que tem o poder de transformar um objeto qualquer num robô inteligente. Ninguém sabe qual a missão do Cubo, ou se existe alguma. Porém, nesse planeta, o Cubo andou pintando o sete, criando autobots a torto e a direito.

Inevitavelmente, após muitos anos de paz e convivência construtiva, os autobots se dividem em duas facções, obviamente uma boa e uma má, e a guerra começa (bocejos...). A facção má quer controlar o Cubo e construir um exército imbatível para... conquistar a galáxia. Bem, o conflito destrói o planeta dos autobots e vaza pela galáxia afora até chegar à Terra, onde o líder dos autobots ruins encontra-se congelado há décadas. Onde? Num compartimento secreto de uma divisão secreta do serviço secreto norte-americano.

A salvação do filme é o ator John Torturro, líder dessa divisão. Daí em diante, é aquela coisa que conhecemos: explosões, perseguições de carro, o rapaz meio bobo, mas heróico, e a moça impossivelmente bela que se enamoram -aliás, nunca se viu tanto cientista lindo num único filme, uma inspiração aos jovens que acham que ciência é coisa para nerds.

Como reagir a um filme desses? Foi uma produção de US$ 130 milhões e sucesso total de audiência, nos EUA e no resto do mundo. Esse é daqueles filmes que só faz sentido com pipoca e refrigerante, o que se chama nos EUA de "summer blockbuster", diversão pela diversão, pirotecnicamente sensacional, cheio de efeitos especiais e um som tão alto que você sai do cinema meio surdo, como se tivesse assistido a um show de rock.

Procurei refletir sobre a ciência do filme, ao menos para ver se podia extrair algo de interessante. Será que máquinas como essas, inteligentes e capazes de mudar de forma, são viáveis? Será que entidades não-biológicas são viáveis? Se são, é coisa para um futuro longínquo. Claro, existem já máquinas que parecem inteligentes, de um termostato de ar condicionado (que "sabe" quando ligar e desligar o motor) aos computadores capazes de vencer grandes mestres do xadrez. Mas essas máquinas não são inteligentes, apenas respondem a comandos elétricos ou controlados por programas. Recentemente, cientistas conseguiram "solucionar" o jogo de damas; usando computadores, obtiveram todas as permutações possíveis para provar a inviabilidade de uma vitória certa. A inteligência aqui é dos programadores e não da máquina.

Mas como, há 50 anos, mesmo os computadores eram praticamente inexistentes, é melhor não tentar adivinhar qual será o futuro da tecnologia. No meio tempo, numa tarde de domingo, não há nada de errado em virar criança outra vez e ver o Bem e o Mal se atracarem nas telas.

domingo, 22 de julho de 2007

Vida artificial

Temos desafios morais e éticos que há 20 anos seriam ficção

Uma das questões científicas que mais assusta e cativa o público é a manipulação artificial dos seres vivos pelo homem. Começando com a origem da vida, ainda inexplicada, passando pela engenharia genética de animais e terminando com a possibilidade de prolongar a vida -quem sabe até indefinidamente- , é impossível não se deixar levar pelas emoções despertadas pela pesquisa nessas áreas.

Toda semana, lemos sobre novas descobertas sensacionais em um desses campos, e nos deparamos com desafios morais e éticos que, vinte anos atrás, eram mais coisa de ficção científica do que de ciência concreta. Os temores e maravilhamento vêm precisamente dessa transposição da ficção ao real. Uma coisa é ler um livro sobre a criação de novas formas de vida. Outra é saber que isso está ocorrendo em laboratórios pelo mundo afora. Recentemente, cientistas conseguiram implantar o código genético inteiro de uma bactéria em outra de uma espécie próxima. O mais fabuloso disso foi aquilo que ocorreu após o transplante. O micróbio que recebeu o implante passou a exibir todas as propriedades e traços do doador, efetivamente transformando-se nele; nas colônias resultantes, não havia traço da identidade da bactéria original.

Os detalhes do processo são extremamente complexos. Vale mencionar que a margem de sucesso é ainda pequena: apenas uma bactéria em 150 mil aceitaram o novo DNA. Ademais, como as moléculas de DNA são extremamente longas, sua manipulação é delicada, especialmente se elas têm mais de 50 mil unidades genéticas. No entanto, é óbvio que foi aberta uma nova porta na manipulação artificial dos seres vivos. As possibilidades são imensas.

Um dos próximos passos é testar se é possível transplantar material genético preparado artificialmente e não extraído de outro ser vivo. Hoje, cientistas já podem construir cadeias de DNA sintético com mais de 100 mil unidades genéticas, adicionando pedaços a pedaços como num jogo de Lego, um brinquedo de montar. Os objetivos são variados, desde a criação de combustíveis orgânicos até a cura de doenças. Pode-se imaginar cenários onde seres vivos seriam projetados para cumprir as mais variadas tarefas, ou simplesmente para satisfazer os caprichos de clientes suficientemente ricos para criar seus híbridos de cachorro e gato, ou de bem-te-vi e iguana. Diante de toda uma nova tecnologia, é difícil imaginar que a criação de seres artificias não terá também seu lado comercial.

Quanto à criação da vida no laboratório, ainda estamos longe. São várias etapas, e as transições entre elas não são claras. Apenas, talvez, a primeira delas seja compreendida, a passagem de matéria inorgânica, os compostos que existiam na Terra antes da vida -amônia, metano, gás carbônico e água- para aminoácidos, os componentes das proteínas, parte essencial da química dos seres vivos. Mas a organização de aminoácidos em moléculas complexas, capazes de se reproduzir e, delas, às primeiras células, ainda permanece obscura. Mesmo assim, esse é um desafio que, acredito, será resolvido durante as próximas décadas. Ao menos muito se aprenderá sobre o assunto.

A última das questões, a da mortalidade, também é, hoje, amena à pesquisa científica. Se entendermos como as células envelhecem, poderemos talvez desacelerar esse processo, prolongando assim a vida. De certa forma, os avanços da medicina nos últimos cem anos já fazem isso. Basta comparar a idade média de um adulto em 1850 com a de um adulto hoje. A nossa relação com a vida mudou muito. E ainda mudará muito mais.

sábado, 21 de julho de 2007

Ateu Liberal

"Do ponto de vista da ciência, a posição de ateu radical não faz sentido. Para se afirmar que Deus não existe, é necessário supor que detemos a totalidade do conhecimento, algo que é inatingível pelo fato de a ciência ser uma criação humana e limitada. No máximo, podemos afirmar que a existência de um Deus judaico-cristão é contrária ao que conhecemos do mundo, não podemos afirmar que a informação atual da ausência de uma divindade é definitiva pois não temos informação sobre tudo. A única posição consistente com a ciência é o agnosticismo ou, no máximo, um ateísmo liberal, pronto a aceitar evidência em contrário, caso ela ocorra". (Folha de São Paulo 23/07/2007)

domingo, 15 de julho de 2007

Celebrando a ciência

Há dez anos, o Universo era profundamente diferente

E ste é um período especial para mim. Com a edição de hoje, são mais de 500 colunas, 503 para ser preciso. Parece que foi ontem, mas são já quase dez anos que desfruto deste privilegiado espaço para compartilhar com vocês as inúmeras facetas da ciência, desde suas raízes filosóficas até as últimas descobertas sobre o Universo e a vida.

Muitas vezes, quando me perguntam se a coluna ainda existe e respondo que sim, escuto comentários do tipo "Mas quanto assunto, hein?" Pois é. Uma das lições mais fundamentais que aprendemos ao fazer ciência é que a pesquisa é um processo contínuo e que o conhecimento jamais deixa de crescer e de se renovar. Nossa visão de mundo, o que entendemos sobre a natureza do tempo e do espaço e sobre nós mesmos, está sempre em transformação. Para ilustrar isso nem é preciso voltar ao século 16, antes de Copérnico, quando todo mundo acreditava, incluindo os astrônomos e filósofos, que a Terra era o centro do Universo e que os planetas, a Lua, o Sol e as estrelas giravam eternamente a nossa volta. Não, basta voltar à minha primeira coluna, de 28 de setembro de 1997, "A Reconstrução da História Cósmica", para vermos como as coisas mudaram em apenas dez anos. O Universo em que vivemos hoje, ou ao menos nossa concepção dele, é profundamente diferente do de 1997.

Hoje, sabemos que o Universo tem uma "idade" -o período passado desde o evento que deu origem a espaço e tempo, chamado Big Bang- de 14 bilhões de anos e que sua geometria é plana, ao menos dentro da região que podemos observar (o nosso horizonte cósmico). Sabemos, também, que sua composição material é extremamente estranha: a matéria comum, feita de elétrons e prótons como nós, compõe apenas 5% da matéria (e energia) que preenche o cosmo. E os outros 95%? A resposta vem de uma descoberta absolutamente surpreendente que ocorreu em 1998, que o Universo não só está em expansão (disso sabíamos em 1997), mas em expansão acelerada.

A receita cósmica, o balanço de matéria e energia que determina como o Universo cresce, dita que, dos 95%, em torno de 70% são devido a essa força antigravitacional, chamada de energia escura. Os outros 25% são devidos à igualmente misteriosa matéria escura, que tem massa (da mesma maneira que elétrons e prótons) e, portanto, exerce atração gravitacional sobre a matéria comum, mas, ao contrário dela, não tem qualquer outra interação, seja ela elétrica, magnética ou subatômica. Se nos últimos dez anos aprendemos muito, descobrimos também o quanto ainda precisamos aprender. A ciência ensina humildade.

Planetas foram encontrados girando em torno de estrelas distantes, confirmando a suspeita de que o nosso sistema solar não é a exceção mas a regra. Se existem, então, planetas girando em torno de inúmeras estrelas, e tudo indica que planetas girem em torno da maioria delas, qual a probabilidade de existir vida extraterrestre? A astrobiologia, a ciência que estuda a origem da vida na Terra e a possibilidade de vida extraterrestre, tomou força na última década, e promete descobertas sensacionais. Várias missões estão programadas para os próximos anos, com o objetivo de identificar "outras Terras", planetas que tenham propriedades semelhantes às do nosso, como água líquida e oxigênio na atmosfera.

Enquanto isso, aqui na Terra, a engenharia genética e a nanotecnologia redefinem a passos rápidos nossa concepção do que seja a vida e de como podemos criar laços cada vez maiores entre nós e as máquinas. Alguns falam até de imortalidade... Acho que não vai faltar assunto para mais 500 colunas.

domingo, 8 de julho de 2007

Entre a razão e o pragmatismo


A representação de um círculo é inevitavelmente imperfeita

E m uma coluna no mês passado, abordei as idéias de Empédocles, um dos grandes filósofos pré-Socráticos, o grupo de pensadores que plantou as sementes da grande tradição intelectual do Ocidente. Hoje, gostaria de continuar essa exploração dos fundamentos do pensamento científico, tratando de dois dos maiores filósofos de todos os tempos, Platão e Aristóteles.

Platão, provavelmente pupilo de Sócrates, viveu entre 427 a.C e 347 a.C. Em 380 a.C., fundou a famosa Academia de Atenas, que pode ser considerada a primeira instituição de ensino superior da história. Para Platão, influenciado pelo pensador pré-Socrático Parmênides, a realidade, quando apropriada apenas através dos sentidos, era ilusória. Sua verdadeira essência encontra-se no mundo das idéias, povoado pelas formas.

Essas formas eram representações eternas das estruturas que dão fundamento ao verdadeiro conhecimento. Por exemplo, um círculo é apenas perfeito enquanto idéia. Sua representação num papel, portanto, será necessariamente imperfeita. Para Platão, o Demiurgo, a inteligência criadora do cosmo, usou as formas como arcabouço da realidade. Sua filosofia era, portanto, necessariamente abstrata. Ao propor aos seus pupilos que estudassem os céus, Platão lançou um desafio: que todos os movimentos dos astros celestes, criados pelo Demiurgo, fossem explicados em termos de círculos e suas inter-relações. Esse desafio inspirou a astronomia por dois milênios. A filosofia de Platão reverenciava a geometria e a razão acima da percepção sensorial das coisas. Seu pupilo mais famoso, Aristóteles, discordava.

Considerado por muitos o filósofo mais influente da história, ele era um pragmático, que acreditava no poder da lógica e do bom senso para construir uma explicação da realidade conforme captada pelos sentidos. Como resposta às abstrações ensinadas na Academia, Aristóteles fundou, em 335 a.C., o Liceu. Enquanto a Academia era dedicada à Atena, deusa da sabedoria, o Liceu era dedicado a Apolo, deus das curas e da luz, da música e da verdade.

Para Aristóteles, a realidade era dividida em duas partes. Seu cosmo era como uma cebola, com a Terra fixa no centro, e a Lua, o Sol, os planetas e as estrelas girando à sua volta em movimentos circulares, carregados por esferas cristalinas concêntricas. Da Lua para baixo, as coisas eram compostas pelos quatro elementos -terra, água, ar e fogo- em combinações que podiam mudar. Da Lua para cima, tudo era composto de éter, uma substância eterna e imutável.

A explicação de Aristóteles para a gravidade ilustra bem sua filosofia pragmática: as coisas caem pois querem voltar ao seu lugar de origem. Uma pedra, se largada de uma certa altura, cai verticalmente. Já o fogo sobe, pois quer ocupar as partes superiores da atmosfera. Para Aristóteles, os movimentos dos corpos celestes eram impostos no cosmo de fora para dentro: a esfera mais externa era a morada da sua versão de Demiurgo, o "Que Move Sem Ser Movido", responsável pelo movimento inicial que propagava-se através do cosmo como as engrenagens de um relógio. Com isso, Aristóteles oferecia uma solução pragmática para o problema da Primeira Causa: como surgiu o mundo e seus movimentos.

A noção de uma divindade imortal externa ao universo seria apropriada pela Igreja. Na Idade Média, a aliança entre Aristóteles e a teologia cristã criou uma visão de mundo onde o homem era o centro do cosmo e senhor da Natureza -visão que, infelizmente, persiste até hoje. Está mais do que na hora de nos livrarmos dela.

domingo, 1 de julho de 2007

O bit e o buraco negro


Será que tudo que cai nele desaparece para sempre?

Existe uma estranha controvérsia na física teórica, o chamado paradoxo da informação. É tudo culpa dos buracos negros, sem dúvida os objetos mais peculiares que existem. Einstein não era um fã deles, mesmo que sejam conseqüência direta da sua teoria gravitacional, a teoria da relatividade geral. É que os buracos negros abusam das leis da física, forçando-as a passar dos seus limites.

Antes de falarmos do paradoxo da informação, convém lembrar o que são buracos negros. Toda estrela tem um ciclo de vida: ela nasce, evolui e morre. Essa trajetória depende essencialmente da massa da estrela. Quanto mais massa, menos ela vive e mais dramática sua morte. Alguns dos eventos mais energéticos que existem no Universo, explosões de supernova, talvez até dando origem às explosões de raios gama, são os estertores de estrelas com massas dez ou mais vezes maiores do que a do Sol. Pois bem, segundo a teoria da relatividade de Einstein, a massa encurva o espaço: quanto mais massa, maior a curvatura do espaço à sua volta. O leitor pode imaginar o que ocorre se levarmos essa idéia ao extremo. Se a concentração de massa for muito grande, a curvatura será também enorme. E quanto maior a curvatura, mais difícil é escapar de suas garras, como numa ladeira com inclinação variável. O buraco negro nasce quando a curvatura é tal que nada escapa de seu interior, nem mesmo a luz.

O tamanho de um buraco negro é dado pelo seu "horizonte", a distância que delimita sua influência irreversível. Se alguém ou algo atravessar o horizonte de um buraco negro, jamais escapará de dentro dele. O problema é que ninguém sabe exatamente o que ocorre dentro de um buraco negro.

Será que tudo que cai num buraco negro desaparece para sempre? Será que os buracos negros duram para sempre? E se não durarem? Será que as coisas que caíram neles reaparecem misteriosamente?

Bem, as coisas que caírem num buraco negro serão certamente desmanteladas, trituradas pelas incríveis forças gravitacionais que residem nele.

Porém, as partículas mais elementares da matéria, as que não podem ser destruídas pois não existe nada menor do que elas, devem resistir à essa trituração toda.

Stephen Hawking, há vários anos, propôs que os buracos negros não são eternos. Usando as leis da mecânica quântica, a que descreve a física dos átomos e partículas, ele mostrou que buracos negros perdem sua massa bem devagarinho, como se estivessem evaporando. Ora, se buracos negros evaporam, o que ocorre com toda a massa que engoliram enquanto existiram, inclusive a matéria da estrela que deu-lhes origem? Esse é o paradoxo da informação.

Uma das possibilidades é que a informação que desaparece é "devolvida", bem aos poucos, durante a evaporação do buraco negro. Outra possibilidade, bem mais exótica e improvável, é que buracos negros são passagens para outros pontos do universo, como se fossem as entradas de túneis.

Nesse caso, a informação simplesmente sairia em outro ponto do espaço. Ainda outra possibilidade é que, ao evaporarem, buracos negros passam por várias etapas, sendo que as últimas ocorrem em mais de quatro dimensões. A informação que entrou sai na forma de vibrações de geometrias com dimensões extra.

Recentemente, Tanmay Vachaspati, um físico indiano trabalhando nos EUA e seus colaboradores sugeriram que o problema da informação não existe porque buracos negros não existem! Claro, não sabemos ainda como resolver o paradoxo. Mas é óbvio que muita informação a respeito está sendo gerada.

Estranhezas quânticas


No início do século 20, a física mudou de cara, e o mundo passou a conviver com conceitos complexos como o do átomo. cem anos depois, ainda estamos aprendendo a lidar com eles

Marcelo Gleiser


As três primeiras décadas do século 20 foram intensamente dramáticas para os físicos. Uma nova visão de mundo foi essencialmente forçada garganta abaixo, causando muito rancor e confusão. Até então, físicos descreviam a realidade por meio dos conceitos da mecânica newtoniana, a chamada "física clássica". Segundo ela, o resultado de nossas medidas são independentes do observador. Acontecimentos seguem uma relação simples de causa e efeito: se chuto a bola, ela se move. Se não chuto, fica parada. Todo mundo vê a mesma coisa acontecer. Os movimentos são contínuos: quando a bola anda, traça uma linha no espaço, sua trajetória. As leis de movimento de Newton são perfeitamente adequadas para descrever esse movimento. O sucesso parecia total. Alguns físicos chegaram até a declarar que a física estava essencialmente completa.

Foi então que os problemas começaram a surgir. Uma série de experiências realizadas em laboratório geravam efeitos inexplicáveis pela física clássica. A crise era inevitável.

O culpado era o átomo, começando pelo mais simples, o de hidrogênio, com um próton no núcleo e um elétron girando à sua volta. Em 1911, Ernest Rutherford propôs que a maior parte da massa de um átomo está concentrada em seu núcleo minúsculo. As proporções eram mesmo bizarras: se você ampliar um núcleo 100 trilhões de vezes, ele fica do tamanho de uma azeitona. Agora, ponha essa azeitona no centro do gramado do Maracanã. Os elétrons estarão girando além das arquibancadas!

Segundo a física clássica, o átomo deveria ser altamente instável: os elétrons deveriam espiralar e cair sobre o núcleo. Átomos não deveriam existir. O que fazer? Foi necessário postular uma nova física, obedecendo a leis e ditando comportamentos completamente diferentes dos da física newtoniana, a física do nosso dia-a-dia. Com o passar dos anos, ficou claro que o mundo do muito pequeno não tem nada a ver com o que percebemos com os nossos sentidos. Por exemplo, o átomo não é um mini Sistema Solar, e elétrons e prótons não são bolinhas de bilhar. Na verdade, não sabemos o que são elétrons e prótons. Sabemos apenas fazer medidas e interpretar os resultados de experimentos em termos de entidades chamadas elétrons e prótons.

O conceito de trajetória, como a da bola já citada, teve de ser abandonado. Quando fazemos a medida que detecta o elétron (por meio, por exemplo, de sua carga elétrica), ele "aparece" em um determinado local. Antes de fazermos a medida, não sabemos onde está. A matemática da mecânica quântica, como ficou chamada a nova física do muito pequeno, nos permite calcular a probabilidade de encontrarmos o elétron numa determinada posição. A certeza que existia com a física clássica deixa de existir.

Ficou claro que o ato de medir interfere com o que está sendo medido. Essa "interação" entre o observador e o objeto dá vazão a inúmeras especulações - na maioria absurdas - sobre a relação entre o observador e a realidade física, exploradas com afinco e oportunismo por vários autores new age. Não há dúvida de que o mundo quântico é estranho. Mas essa estranheza é limitada a efeitos que ocorrem em dimensões minúsculas e que envolvem energias desprezíveis para processos macroscópicos complexos envolvendo humanos ou suas mentes. A passagem do quântico ao clássico, do átomo ao microscópio, literalmente destrói a possibilidade de que efeitos quânticos possam interferir no mundo clássico, o mundo onde vivemos e pensamos.

Sem dúvida, podemos melhorar nossas vidas se pensarmos positivamente sobre elas e trabalharmos com dedicação para atingir nossos objetivos e realizar nossos sonhos. Mas esse sucesso não será devido aos elétrons e aos quanta, mas ao nosso esforço pessoal de construir uma vida melhor para nós e para os que amamos.