domingo, 22 de julho de 2007

Vida artificial

Temos desafios morais e éticos que há 20 anos seriam ficção

Uma das questões científicas que mais assusta e cativa o público é a manipulação artificial dos seres vivos pelo homem. Começando com a origem da vida, ainda inexplicada, passando pela engenharia genética de animais e terminando com a possibilidade de prolongar a vida -quem sabe até indefinidamente- , é impossível não se deixar levar pelas emoções despertadas pela pesquisa nessas áreas.

Toda semana, lemos sobre novas descobertas sensacionais em um desses campos, e nos deparamos com desafios morais e éticos que, vinte anos atrás, eram mais coisa de ficção científica do que de ciência concreta. Os temores e maravilhamento vêm precisamente dessa transposição da ficção ao real. Uma coisa é ler um livro sobre a criação de novas formas de vida. Outra é saber que isso está ocorrendo em laboratórios pelo mundo afora. Recentemente, cientistas conseguiram implantar o código genético inteiro de uma bactéria em outra de uma espécie próxima. O mais fabuloso disso foi aquilo que ocorreu após o transplante. O micróbio que recebeu o implante passou a exibir todas as propriedades e traços do doador, efetivamente transformando-se nele; nas colônias resultantes, não havia traço da identidade da bactéria original.

Os detalhes do processo são extremamente complexos. Vale mencionar que a margem de sucesso é ainda pequena: apenas uma bactéria em 150 mil aceitaram o novo DNA. Ademais, como as moléculas de DNA são extremamente longas, sua manipulação é delicada, especialmente se elas têm mais de 50 mil unidades genéticas. No entanto, é óbvio que foi aberta uma nova porta na manipulação artificial dos seres vivos. As possibilidades são imensas.

Um dos próximos passos é testar se é possível transplantar material genético preparado artificialmente e não extraído de outro ser vivo. Hoje, cientistas já podem construir cadeias de DNA sintético com mais de 100 mil unidades genéticas, adicionando pedaços a pedaços como num jogo de Lego, um brinquedo de montar. Os objetivos são variados, desde a criação de combustíveis orgânicos até a cura de doenças. Pode-se imaginar cenários onde seres vivos seriam projetados para cumprir as mais variadas tarefas, ou simplesmente para satisfazer os caprichos de clientes suficientemente ricos para criar seus híbridos de cachorro e gato, ou de bem-te-vi e iguana. Diante de toda uma nova tecnologia, é difícil imaginar que a criação de seres artificias não terá também seu lado comercial.

Quanto à criação da vida no laboratório, ainda estamos longe. São várias etapas, e as transições entre elas não são claras. Apenas, talvez, a primeira delas seja compreendida, a passagem de matéria inorgânica, os compostos que existiam na Terra antes da vida -amônia, metano, gás carbônico e água- para aminoácidos, os componentes das proteínas, parte essencial da química dos seres vivos. Mas a organização de aminoácidos em moléculas complexas, capazes de se reproduzir e, delas, às primeiras células, ainda permanece obscura. Mesmo assim, esse é um desafio que, acredito, será resolvido durante as próximas décadas. Ao menos muito se aprenderá sobre o assunto.

A última das questões, a da mortalidade, também é, hoje, amena à pesquisa científica. Se entendermos como as células envelhecem, poderemos talvez desacelerar esse processo, prolongando assim a vida. De certa forma, os avanços da medicina nos últimos cem anos já fazem isso. Basta comparar a idade média de um adulto em 1850 com a de um adulto hoje. A nossa relação com a vida mudou muito. E ainda mudará muito mais.

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