domingo, 19 de dezembro de 2004

Supernova de Kepler faz 400 anos

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

No dia 9 de outubro de 1604, uma nova luz explodiu na noite do hemisfério Norte. Astrônomos europeus voltaram seus olhos para o céu, empolgados e aterrorizados com a aparição. Inicialmente tão brilhante quanto Marte, em alguns dias rivalizou com Júpiter como a luminária mais brilhante da noite após a Lua. Novidades nos céus- cometas, estrelas cadentes, auroras, eclipses- eram vistas com grande suspeita, símbolos de mau agouro, mensageiros de más novas. Em Praga, o Sagrado Imperador Romano, Rodolfo 2º, um excêntrico conhecido por sua desmedida superstição, convocou o seu Matemático Imperial, Johannes Kepler, para uma discussão sobre as implicações astrológicas do objeto. Será que seus dias no trono estavam contados?


Novidades nos céus -cometas, meteoros, aurora, eclipse- eram vistas com suspeita


Kepler viu a nova stella ("estrela nova", como eram chamados tais objetos) e apaziguou os anseios de seu patrono, comparando a luminária a outra de grande importância na história, a Estrela de Belém. "Nem todas as aparições celestes são necessariamente sinal de más novas, Majestade", deve ter dito.

Kepler observou metodicamente a "estrela nova" até março de 1606, quando ela se tornou invisível ao olho nu. (Apenas em 1610, Galileu utilizaria o telescópio em observações astronômicas.) Nem ele nem qualquer outro astrônomo da época ou dos próximos séculos poderia suspeitar a causa da estranha aparição celeste. A "estrela nova" na verdade não é nova, mas velha, uma estrela que está morrendo, o enorme aumento em sua luminosidade sinalizando o fim próximo.

O que ocorreu com essa e outras "estrelas novas" é que sua luminosidade normal era baixa demais para ser vista a olho nu. É como se, de repente, alguém aumentasse ao máximo o volume da música que estava tocando baixo demais para ser ouvida. Hoje, o fenômeno é chamado de explosão de supernova.

Hoje, sabemos que existem dois tipos de supernova. Em um deles, as supernovas de tipo 2, estrelas com massas superiores a oito vezes a do Sol consomem a matéria em seu interior e se tornam incapazes de gerar a pressão que contrabalança a inexorável atração gravitacional.
Sem esse suporte, as estrelas literalmente colapsam: a matéria das partes externas "despenca" em direção ao centro, a pressão e a temperatura aumentam dramaticamente e ela é rebatida explosivamente para o espaço. A estrela se despedaça em átomos de carbono, oxigênio, ferro e outros elementos, semeando o vazio sideral.

Nas supernovas de tipo 1, uma estrela anã branca suga a matéria de sua vizinha até que atinja seu limite de equilíbrio.

A matéria da estrela é submetida a um enorme aumento de temperatura e pressão e termina por explodir, lançando uma enorme quantidade de matéria e energia ao espaço.
Três observatórios espaciais da Nasa focaram recentemente sua atenção na supernova de Kepler, tentando desvendar os seus mistérios: Hubble, Chandra e Spitzer. Ficou determinada sua distância: 13 mil anos-luz. Ou seja, quando a supernova detonou, mal havíamos saído das cavernas. Seus restos formam uma bolha de gás e radiação com 14 anos-luz de diâmetro, inflando a um ritmo de 6 milhões de quilômetros por hora.

Nos últimos mil anos, seis supernovas detonaram em nossa galáxia, a SN1604 sendo a última, e a única que ainda não se sabe se é tipo 1 ou 2. A esperança é que uma análise detalhada das novas observações resolva o mistério. Considerando que explosões de supernova são responsáveis pelo espalhamento de matéria pelo espaço interestelar, desvendar os detalhes dessas explosões é compreender nossas próprias origens. Kepler adoraria saber que somos poeira das estrelas. E que do espaço viemos e para o espaço retornaremos.

domingo, 12 de dezembro de 2004

Vinte anos de supercordas

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Lembro-me como se fosse ontem. Estava no meu terceiro ano de doutorado na Inglaterra, quando meu orientador me chamou na sua sala. Achei que tinha arrumado alguma encrenca, ou errado algum cálculo. Mas meus temores eram infundados. Com seu jeito de lorde inglês, John Taylor disse: "Marcelo, a física teórica não vai mais ser a mesma. John Schwarz, do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), e Mike Green, do Queen Mary College (hoje na Universidade de Cambridge), descobriram uma teoria de supercordas consistente com a mecânica quântica. Se estiverem certos, poderemos construir uma teoria unificada de todas as forças. Eis o artigo deles. Leia-o e amanhã nos falamos."


Passadas duas décadas, as supercordas estão longe de ser uma teoria completa


A idéia de cordas não era nova. Havia sido proposta originalmente para explicar por que partículas chamadas quarks, que compõem prótons e nêutrons, jamais são vistas sozinhas, aparecendo sempre em pares ou trios: os quarks vivem nas extremidades de cordas, tubos de energia com espessura muito pequena. A aplicação de cordas na física subnuclear não funcionou. Mas a idéia era tão elegante que alguns físicos tentaram aplicá-la em outras áreas. Em 1974, Schwarz e Joel Scherk mostraram que as cordas reproduziam não só alguns aspectos da física nuclear mas, também, da gravidade. Se estivessem certos, seria possível usar as cordas para explicar as quatro forças da natureza com uma formulação única: as cordas seriam o arcabouço de uma teoria unificada de campos.

Para tal, um dos conceitos mais antigos da física, que a matéria é composta por partículas fundamentais -os "átomos"- teria de ser abandonado. Mais fundamentais do que partículas são as cordas, que vibram de diferentes modos, como cordas de violão. Assim como diferentes vibrações correspondem a sons distintos, vibrações das cordas correspondem às diferentes partículas que compõem a matéria e às forças que regem as suas interações.
Por exemplo: elétrons e quarks são vibrações de cordas. Fótons, que transmitem a força eletromagnética, e grávitons, que transmitiriam a força gravitacional, também. Portanto, partículas de matéria e de força são todas descritas por diferentes vibrações de cordas fundamentais.

Mas a teoria tinha problemas. O primeiro é que só fazia sentido em espaços com 26 dimensões. Outro, que cálculos de interações entre cordas davam resultados absurdos. Em 1984, Green e Schwarz mostraram que só quando as cordas eram imbuídas com outro conceito, o de "supersimetria", é que a teoria fazia sentido. Daí o nome "supercordas". Mas o que é supersimetria? Os dois tipos de partículas, de matéria e de força, têm propriedades muito diferentes, que causam problemas quando se calcula a probabilidade de elas interagirem. Em um mundo supersimétrico, é possível converter um tipo de partícula em outro, matéria em força e vice-versa. Green e Schwarz mostraram que supercordas dão origem a uma teoria consistente quando existem em dez dimensões (nove de espaço e uma de tempo); melhor do que 26, mas ainda mais que as quatro conhecidas.

Passados vinte anos, as supercordas estão longe de ser uma teoria completa. Não sabemos nem se elas descrevem o mundo em que vivemos. A matemática da teoria é extremamente elegante, mas ainda não foi possível mostrar como ir de dez para quatro dimensões de forma consistente. A idéia é que as dimensões extra são muito pequenas, invisíveis. Céticos dizem que isso jamais será possível, que supercordas são perda de tempo, um sonho geométrico impossível. Espero que a conclusão chegue em menos de 20 anos.

domingo, 5 de dezembro de 2004

A história do Universo em expansão


Gostaria de voltar a uma questão que muitos leitores vêm me pedindo para abordar: a expansão do Universo. O que significa dizer que o Universo está em expansão? Como sabemos disso? É bom começar com a evidência de que o Universo está em expansão.

Primeiro, algo sobre a natureza da luz, já que ela nos dá a pista. A luz visível é apenas uma pequena janela do espectro da radiação eletromagnética. Essa radiação é interpretada como sendo formada por ondas, cada "cor", visível ou não, com o seu comprimento de onda.
Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble mostrou que a luz proveniente de galáxias distantes exibe um "desvio para o vermelho", ou seja, a luz que elas emitem, quando comparadas com galáxias mais próximas, aparece distorcida, com comprimentos maiores.
Hubble sabia de outro fenômeno em que ondas são distorcidas devido ao movimento de suas fontes, o Efeito Doppler. Quando uma ambulância se aproxima, as ondas de som de sua sirene são desviadas para menores comprimentos (maiores freqüências) e seu som é mais estridente. Quando a ambulância se afasta, o som fica mais grave, com maior comprimento de onda. Todo mundo já presenciou esse efeito.


O Universo também não tem um lado de fora. Ele se estende ao infinito em todas as seis direções


A luz exibe a mesma propriedade: quando sua fonte se afasta, seu comprimento de onda aumenta; quando ela se aproxima, ele diminui. Hubble interpretou o desvio para o vermelho das galáxias distantes como conseqüência de seu afastamento em relação à Via Láctea, a nossa galáxia.

Hubble foi além, mostrando que a velocidade de recessão das galáxias obedecia a uma lei simples: a velocidade de afastamento aumenta em proporção direta com a distância. Entram em cena os físicos teóricos. Modelos matemáticos propostos durante os anos 1920 descreviam um Universo cuja expansão obedecia à mesma lei obtida empiricamente por Hubble.

Esses modelos, baseados na teoria da relatividade geral de Einstein, mostravam que a expansão do Universo era, na verdade, uma expansão da geometria. É aqui que começa a confusão. Como assim "expansão da geometria"? Hubble imaginou que as galáxias eram como detritos de uma explosão, afastando-se de um ponto onde, no passado, todas estavam mais próximas. Para ele, o espaço era fixo, o palco inerte onde a expansão ocorria. Porém, segundo a teoria de Einstein, a expansão tinha de ser interpretada de outro modo: as galáxias não se moviam por si só, elas eram carregadas, feito rolhas em um rio, por uma geometria em que a distância entre dois pontos quaisquer aumentava continuamente.

Como visualizar isso? Imagine uma régua. Marque cada centímetro com um ponto negro. Nesse universo unidimensional, expansão significa que a distância entre dois pontos (o "centímetro") cresce a uma taxa constante. Após algum tempo, os pontos estarão todos mais distantes uns dos outros, não porque tinham movimento próprio, mas porque foram carregados pelo crescimento da régua. O mesmo ocorre com o Universo: as galáxias são carregadas pela expansão e a distância entre elas aumenta.

Mas expansão dentro de onde? De lugar nenhum. No caso da régua, ela se estende ao infinito nas suas duas direções. Não existe um "fim" da régua. E não é necessário viver fora da régua para entender a sua expansão; basta medir as distâncias entre pontos vizinhos. O Universo também não tem um lado de fora. Ele se estende ao infinito em todas as seis direções; o que vemos é apenas parte dele, a que podemos medir.