domingo, 28 de setembro de 2008

Repensando a grande revolução

Copérnico não foi o único a propor o Sol como centro do cosmo

Antes de mais nada, defino que grande revolução é essa. Não falo de Garibaldi, de Che Guevara, ou de Lênin. Para esta coluna, a grande revolução é a revolução copernicana, que, conforme conta o mito, ocorreu quando o polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) "pôs" o Sol no centro do cosmo, mudando para sempre a história do conhecimento.

Ainda segundo o mito, antes de o sábio renascentista publicar o livro "Sobre as Revoluções das Esferas Celestes", ou seja, dos babilônios até 1543, todo mundo achava que a Terra era o centro de tudo e que o Sol, a Lua e os planetas giravam à sua volta. Também se acredita que Copérnico tenha enfrentado uma grande resistência por parte da Igreja Católica. Tem gente que acha até que ele tenha sofrido nas mãos da Inquisição.

Não há dúvida de que a obra de Copérnico é extremamente importante na história da astronomia. Mas vale a pena revisitar certas asserções comumente feitas sobre a dita revolução, não só como esclarecimento, mas, também, pelo seu enorme interesse histórico e pedagógico.
A revolução copernicana não é obra apenas de Copérnico. Ela se deve principalmente aos trabalhos do grande astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), do alemão Johannes Kepler (1571-1670) e do italiano Galileu Galilei (1564-1642). Podemos dizer que Copérnico plantou as sementes que foram gerar frutos devido à coragem e à dedicação desses três.
Copérnico também não foi o único a propor o Sol como centro do cosmo.

Mais de 15 séculos antes dele, e como ele mesmo afirma na dedicação de seu livro ao papa Paulo 3º, alguns filósofos gregos haviam proposto que a Terra girasse em torno de si mesma e que não fosse o centro das órbitas. Em particular, Aristarco de Samos (cerca de 300 a.C.) propôs um modelo essencialmente idêntico ao que seria proposto depois por Copérnico.

O fato de Copérnico ter dedicado seu livro ao papa mostra que não tinha nada a temer com relação à Igreja Católica. As maiores críticas ao heliocentrismo de Copérnico vieram de Martinho Lutero, que o acusou de paganismo. A igreja só irá adotar uma posição oficial contrária ao heliocentrismo em 1616, devido à insistência de Galileu (inspirado diretamente em Copérnico) de que a Bíblia não deve ser usada para estudar astronomia e que os teólogos que teimam em pôr a Terra no centro não entendem nem de astronomia nem de teologia. Numa época em que a Igreja Católica via a sua autoridade erodida pelas correntes protestantes, criticar o poder dos cardeais e dos bispos não era um boa política.

Mas era necessário.

Apesar de Copérnico ter publicado o seu livro em 1543, o primeiro a defender abertamente o heliocentrismo foi Kepler. Muita gente afirma que o monge italiano Giordano Bruno foi queimado na fogueira em 1600 pelo seu copernicanismo. Mesmo que ele defendesse as idéias de Copérnico, o seu maior problema com a Inquisição era de natureza teológica; ele duvidada da plausibilidade da Santíssima Trindade, da transmigração das almas e da virgindade de Maria.

Em 1597, Kepler publica o seu primeiro livro, onde toma o heliocentrismo como ponto de partida. Em 1609, usando os dados de Tycho Brahe, publica "Astronomia Nova", onde obtém as três leis do movimento planetário.

Na primeira delas, afirma que as órbitas planetárias são elipses e não círculos. Nesse mesmo ano, Galileu aponta o seu telescópio para os céus, mostrando que as idéias de Copérnico merecem ser levadas a sério. A partir daí, a grande revolução toma rumo, 66 anos após ter sido iniciada por Nicolau Copérnico. E o cosmo nunca mais foi o mesmo.

domingo, 21 de setembro de 2008

Mensagem do espaço



Fora a chuva, coisas que caem dos céus exercem enorme fascínio

Na noite do dia 7 de janeiro de 2007, Srini Nageswaran foi ao banheiro no segundo andar de sua casa em Nova Jersey, nos Estados Unidos, quando percebeu pedaços do teto espalhados pelo chão. Olhando para cima, viu que algo havia perfurado o telhado de sua casa. Os azulejos perto da privada foram estilhaçados.

Investigando os detritos, Nageswaran descobriu um objeto prateado na forma de um croissant com 10 cm de extensão. O formato do objeto era praticamente igual ao buraco no teto do banheiro. Ele concluiu que o objeto havia caído do céu. E que poderia ter matado uma pessoa de sua família.

Nageswaran ligou para a polícia. No dia seguinte, dois técnicos da Administração Federal de Aviação examinaram o estranho objeto, concluindo que não era parte de um avião. Seu pai sugeriu que fosse um meteorito, um pedaço de um meteoro que sobrevive à passagem pela atmosfera da Terra e choca-se com o solo.

Mais de 90% dos meteoros são rochosos. O restante contém ferro e níquel, alguns podendo ser puro metal. As famosas estrelas cadentes são meteoros que queimam em parte ou por inteiro na passagem pela atmosfera.

Os rasgos de luz que nos enchem de emoção e esperança não têm nada a ver com estrelas. Ainda bem: se uma estrela se aproximasse da Terra, seria a última coisa que veríamos.

As novas do meteorito começaram a se espalhar e logo causaram verdadeira sensação. Cientistas foram convidados pela polícia para examinar o objeto. Em geral, meteoritos têm uma crosta de fusão com alta oxidação ou material derretido, devido às altas temperaturas na passagem pela atmosfera. Apesar de esse objeto não ter uma crosta comum, era óbvio que parte do metal havia derretido. Os cientistas explicaram a Nageswaran que uma determinação final só seria possível se o objeto fosse cortado e seu interior examinado. Ele se opôs, pensando na rentabilidade do meteorito; alguns são extremamente valiosos. Se o objeto foi mesmo formado há 4,5 bilhões de anos e viajou milhões de quilômetros até cair na sua casa, não seriam cientistas que iriam alterá-lo.

O meteorito foi exibido num museu da Universidade Rutgers, onde atraiu multidões de curiosos.
Fora a chuva, coisas que caem dos céus exercem enorme fascínio. Quem não faz um desejo quando vê uma estrela cadente? (Que, repito, não tem nada a ver com estrelas.) Desde a Antigüidade, cometas, eclipses e meteoros foram associados com mensagens divinas, em geral de mau agouro. Uma louvável exceção é a Estrela de Belém, que presumivelmente anunciou o nascimento de Jesus.

Esses fenômenos, que discuto em meu livro "O Fim da Terra e do Céu", eram interpretados como uma comunicação entre os deuses e os homens que apenas sacerdotes e feiticeiros podiam interpretar. Hoje, são os cientistas que estão encarregados disso.

Alguns meses após o incidente, um novo instrumento ficou disponível: um microscópio scanner de elétrons a pressão variável, que permitia o estudo do meteorito sem cortá-lo. Os elétrons excitam os átomos do objeto, que, ao relaxar, emitem radiação que é usada para identificá-los. Cada átomo emite a sua, como uma impressão digital. Contrariamente aos meteoritos metálicos, esse não continha níquel.

Os cientistas encontraram manganês e cromo, indicando que o objeto era um amálgama, um tipo de aço inoxidável tipicamente usado em foguetes russos. O meteorito era lixo espacial, um problema cada vez maior. São quase 10 mil satélites em órbita, menos da metade ativos, fora pedaços de foguetes e antenas. Hoje, a mensagem nos céus mudou: ela nos diz que o tráfego está intenso.

domingo, 14 de setembro de 2008

O mundo não acabou!



A verdadeira missão do LHC é manter vivo um campo de pesquisa


Na madrugada de quarta-feira passada, o LHC, o gigantesco acelerador de partículas nos arredores de Genebra, na Suíça, passou por seu primeiro teste. Um feixe de prótons viajou em torno do anel de 27 km de circunferência a uma velocidade próxima à da luz, completando cerca de 11 mil voltas em um segundo. Em alguns meses, quando o LHC estiver funcionando para valer, dois feixes de prótons correrão em sentidos opostos e colidirão de cabeça dentro de enormes detectores.

Essas colisões terão energias jamais atingidas na Terra: apenas durante os primeiros instantes após o Big Bang, o venerável evento que deu origem ao cosmo, as partículas colidiam constantemente com tal energia. Por isso, o LHC é chamado de "máquina do Big Bang". Toda nova tecnologia gera um misto de expectativa e medo, especialmente quando quebra novas barreiras do conhecimento, como é o caso do LHC.

No século passado, o mesmo ocorreu antes do teste da primeira bomba atômica, no deserto de Álamo Gordo: cálculos indicavam que existia uma probabilidade mínima de a explosão rasgar a atmosfera, possivelmente acelerando a extinção da vida no nosso planeta. O teste veio, a explosão ocorreu, o mundo não acabou.

No caso do LHC, bem mais inofensivo, o medo vem da possibilidade de miniburacos negros serem gerados durante as colisões. Dada a reputação nefasta desses objetos astrofísicos, especulações pipocaram em blogs do mundo inteiro: será que esses buracos negros irão crescer e tragar a Terra inteira? Será que esses físicos finalmente conseguirão acabar conosco? Vários processos foram abertos, tentando bloquear a operação do LHC.

Felizmente, foram rejeitados por juízes que, se não conhecem a física, ao menos obtiveram boa consultoria a respeito. Como garante a equipe de segurança do próprio Cern, o laboratório onde fica o LHC, não há qualquer perigo de que algo assim ocorra (public.web.cern.ch/Public/en/LHC/Safety-en.html).

Os miniburacos negros que podem ser produzidos no LHC evaporam em frações de segundo, sendo incapazes de qualquer efeito macroscópico. Na natureza, raios cósmicos também atingem energias altíssimas e podem, a princípio, produzi-los. Apesar de sermos constantemente bombardeados por raios cósmicos, ainda estamos aqui. Mais interessante do que as supostas ameaças é a sociologia do experimento. Dezenas de países e milhares de cientistas do mundo inteiro contribuíram para a construção do LHC. A física de partículas experimental é hoje uma atividade internacional.

Os Estados Unidos, que dominarão a pesquisa nesse campo enquanto o LHC não estiver operando plenamente, entraram com mais de US$ 500 milhões no projeto. No total, o LHC custou em torno de US$ 8 bilhões. Seria trágico se nada muito extraordinário fosse encontrado. Existem várias previsões teóricas do que pode ser encontrado, algumas realistas e outras bem especulativas (como os miniburacos negros). Se apenas o mais "mundano" for visto, como o bóson de Higgs, a partícula que presumivelmente determina a massa de todas as outras partículas de matéria, o LHC terá servido para confirmar o que já era esperado.

Mesmo que essa confirmação seja um feito espetacular, será como beber champanhe choco. A verdadeira missão do LHC é manter vivo um campo de pesquisa que, devido aos seus enormes custos, fica cada vez mais difícil de justificar ao público. De minha parte, torço para que não só o Higgs seja descoberto como para que algo inesperado ocorra. Nada como uma boa surpresa para atiçar a curiosidade humana. E a natureza, sem dúvida, é cheia delas.

domingo, 7 de setembro de 2008

Independência e inovação



Matemática pura à parte, toda pesquisa é aplicada

Já que calhou desta coluna cair no dia da Independência, me parece adequado juntar o conceito de independência com o de liberdade intelectual. Não a liberdade de imprensa; felizmente, hoje não há ameaça ao direito que as pessoas têm de receberem informação sem a censura tendenciosa do Estado. Falo da liberdade intelectual que vem do aprendizado dos fatos e modos do mundo, com a capacidade que temos de compreender a natureza e de aplicar esse conhecimento à melhoria da qualidade de vida das pessoas. Essa liberdade é o arcabouço do pensamento científico.


A ciência só é possível quando indivíduos têm a liberdade de pensar sobre o assunto que lhes interessa e de trocar idéias criticamente entre si. Mesmo que exista a importante pesquisa direcionada, voltada exclusivamente para um fim preestabelecido, como o desenvolvimento de um produto ou de uma tecnologia de interesse comercial ou militar, historicamente as grandes inovações científicas aconteceram quando os cientistas tinham liberdade para criar, independentemente dos compromissos de curto prazo impostos pela economia ou por interesses do Estado.


Falo, portanto, da chamada pesquisa básica, a ser distinguida da chamada pesquisa "aplicada". Ponho aspas porque a palavra aplicada pode ter muitas conotações. De certa forma, com exceção da matemática pura, toda a pesquisa é aplicada, já que busca novos conhecimentos sobre o mundo natural.


Mesmo os assuntos mais esdrúxulos -que vão de buracos negros, por exemplo, à matéria escura que gravita em torno das galáxias- podem um dia vir a ter um papel tecnológico. É impossível prever. O que podemos dizer é que a história nos ensina que as descobertas de hoje são as tecnologias de amanhã. A distinção entre pesquisa aplicada e básica é, a meu ver, bastante sutil.
Como exemplo, cito o caso das ciências dos materiais. Milhares de cientistas buscam atualmente materiais que sejam supercondutores a altas temperaturas, isto é, materiais que não oferecem qualquer resistência à passagem de correntes elétricas. Um fio comum esquenta quando passa uma corrente, o que acarreta num maior uso de energia.


É óbvio que a descoberta desses materiais teria uma série de aplicações industriais. Mas existe também o interesse em descobrir quais são as propriedades físicas de metais e cerâmicas que podem levar à supercondutividade à temperatura ambiente. Muitos cientistas se contentam em entender isso, sem correr a um advogado de patentes apenas feita uma descoberta. Deveria haver uma aliança entre as universidades e a indústria, permitindo cientistas a dedicarem-se à pesquisa sem o pavio curto das necessidades do mercado.


Isso é praxe nas economias de ponta e começa timidamente no Brasil. É difícil para um investidor pensar nas vantagens de uma operação a longo prazo. Mas, no caso da pesquisa científica, a paciência vale ouro. Se um laboratório recebe financiamento sem atraso e em nível suficiente, é quase certo que os frutos venham. E que sejam inesperados. Com liberdade, a pesquisa traça caminhos que nem sempre são previsíveis. O elemento surpresa, tão difícil de quantificar e de vender a um órgão de financiamento, tem um papel muito importante na ciência.


Fala-se muito em descobertas acidentais, como os raios X e a radioatividade. Prefiro dizer que a sorte ajuda aos bem preparados. A melhor garantia de qualquer investimento em pesquisa é dar aos cientistas de boa reputação as condições necessárias para que possam criar com liberdade.