domingo, 7 de setembro de 2008

Independência e inovação



Matemática pura à parte, toda pesquisa é aplicada

Já que calhou desta coluna cair no dia da Independência, me parece adequado juntar o conceito de independência com o de liberdade intelectual. Não a liberdade de imprensa; felizmente, hoje não há ameaça ao direito que as pessoas têm de receberem informação sem a censura tendenciosa do Estado. Falo da liberdade intelectual que vem do aprendizado dos fatos e modos do mundo, com a capacidade que temos de compreender a natureza e de aplicar esse conhecimento à melhoria da qualidade de vida das pessoas. Essa liberdade é o arcabouço do pensamento científico.


A ciência só é possível quando indivíduos têm a liberdade de pensar sobre o assunto que lhes interessa e de trocar idéias criticamente entre si. Mesmo que exista a importante pesquisa direcionada, voltada exclusivamente para um fim preestabelecido, como o desenvolvimento de um produto ou de uma tecnologia de interesse comercial ou militar, historicamente as grandes inovações científicas aconteceram quando os cientistas tinham liberdade para criar, independentemente dos compromissos de curto prazo impostos pela economia ou por interesses do Estado.


Falo, portanto, da chamada pesquisa básica, a ser distinguida da chamada pesquisa "aplicada". Ponho aspas porque a palavra aplicada pode ter muitas conotações. De certa forma, com exceção da matemática pura, toda a pesquisa é aplicada, já que busca novos conhecimentos sobre o mundo natural.


Mesmo os assuntos mais esdrúxulos -que vão de buracos negros, por exemplo, à matéria escura que gravita em torno das galáxias- podem um dia vir a ter um papel tecnológico. É impossível prever. O que podemos dizer é que a história nos ensina que as descobertas de hoje são as tecnologias de amanhã. A distinção entre pesquisa aplicada e básica é, a meu ver, bastante sutil.
Como exemplo, cito o caso das ciências dos materiais. Milhares de cientistas buscam atualmente materiais que sejam supercondutores a altas temperaturas, isto é, materiais que não oferecem qualquer resistência à passagem de correntes elétricas. Um fio comum esquenta quando passa uma corrente, o que acarreta num maior uso de energia.


É óbvio que a descoberta desses materiais teria uma série de aplicações industriais. Mas existe também o interesse em descobrir quais são as propriedades físicas de metais e cerâmicas que podem levar à supercondutividade à temperatura ambiente. Muitos cientistas se contentam em entender isso, sem correr a um advogado de patentes apenas feita uma descoberta. Deveria haver uma aliança entre as universidades e a indústria, permitindo cientistas a dedicarem-se à pesquisa sem o pavio curto das necessidades do mercado.


Isso é praxe nas economias de ponta e começa timidamente no Brasil. É difícil para um investidor pensar nas vantagens de uma operação a longo prazo. Mas, no caso da pesquisa científica, a paciência vale ouro. Se um laboratório recebe financiamento sem atraso e em nível suficiente, é quase certo que os frutos venham. E que sejam inesperados. Com liberdade, a pesquisa traça caminhos que nem sempre são previsíveis. O elemento surpresa, tão difícil de quantificar e de vender a um órgão de financiamento, tem um papel muito importante na ciência.


Fala-se muito em descobertas acidentais, como os raios X e a radioatividade. Prefiro dizer que a sorte ajuda aos bem preparados. A melhor garantia de qualquer investimento em pesquisa é dar aos cientistas de boa reputação as condições necessárias para que possam criar com liberdade.

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