sábado, 24 de janeiro de 2009

Um novo começo



A mensagem de Obama é clara: o futuro pertence aos que pensam com as mentes livres


A cabo de assistir ao discurso de posse de Barack Obama, o 44º presidente dos EUA. Impossível não se comover com a sua eloquência, com a força das suas palavras. O contraste com George W.Bush, sentado em seu banco com a face infantilmente contorcida em inúmeras expressões, chegava a ser doloroso. Este é o despertar de uma nova era. É o que todo mundo diz por aqui. Na minha universidade, as aulas foram interrompidas e milhares de alunos se reuniram em auditórios e salas de aula para assistir à cerimônia.

Em mais de 20 anos nos Estados Unidos, nunca presenciei algo assim. Nunca vi tantas pessoas, de todas as idades, de todas as raças e religiões, tão empolgadas. (Fora a Copa do Mundo no Brasil, claro.) Dizem que a expectativa, a esperança, é semelhante -talvez maior- do que a que o povo americano sentiu quando John F. Kennedy iniciou seu governo, em 1961. Tinha apenas dois anos e não me lembro.

Mas lembro o choro de minha mãe quando o jovem presidente foi assassinado, em novembro de 1963. A segurança na cerimônia de Obama envolvia 30 mil soldados e policiais; uma força maior do que a que opera no Afeganistão. O mundo continua enfermo. O que encontramos nas palavras de Obama? Felizmente, muita coisa boa.

Claro está que a proposta dele é de virar o país ao avesso; endireitar o que oito anos do governo Bush entortaram. A começar pela inclusão religiosa. Nos EUA, é mais fácil eleger um presidente negro ou judeu do que um ateu. Mesmo assim, Obama chegou até a incluir os não-crentes ("non-believers") no seu discurso, ao lado dos cristãos e os muçulmanos, os judeus e os hindus. Isso não tem precedentes aqui, um país onde os ritos religiosos são parte integral dos ritos políticos, como ficou claro com a escolha de Rick Warren como pastor da cerimônia.

Logo ele, que afirma que a submissão a Deus é fundamental aos homens. Nada mais contrário ao que diz Obama, que quer construir uma nação onde a igualdade é a força chave, onde a educação e a saúde estão ao alcance de todos, e a ciência -aí sim foi que gostei mais ainda- tem o papel principal na luta contra alguns dos desafios mais sérios que enfrentaremos nas próximas décadas: o aquecimento global, a crise econômica, a dependência dos combustíveis fósseis. "Dados científicos, os resultados da pesquisa de profissionais competentes, não se prestam à manipulação política que serve a grupos de interesse", disse ele alguns meses atrás.

Essa é uma menção às vergonhosas distorções feitas em relatórios da Agência de Proteção Ambiental (EPA) e nos resultados de pesquisas sobre o aquecimento global e suas consequências. Podemos esperar mudanças radicais na política ambiental americana. O novo governo promete investir pesado em fontes alternativas de energia. Podemos esperar também um aumento substancial no fomento à pesquisa básica e aplicada.

Espero que nisso o governo brasileiro siga o exemplo, e aumente também o orçamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A mensagem de Obama é clara: o futuro pertence aos que pensam com as mentes livres e mantêm os corações abertos. Talvez esse seja mesmo um novo começo. Apesar de temeroso, mantenho-me otimista.

O mundo precisa agir. PS: Quando esta coluna já estava sendo fechada, fiquei sabendo do absurdo corte de 18% no Orçamento de 2009 para ciência e tecnologia. Exatamente o oposto do que nosso país deveria estar fazendo. O Congresso precisa entender que a ciência é um dos maiores bens nacionais.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Celebrando (o estudo d)a vida



Antes da teoria da evolução, não se podia explicar a diversidade
No início do ano, escrevi sobre a festa dos céus, o Ano Internacional da Astronomia, que será celebrado durante 2009 pelo mundo afora. Só o congresso da União Internacional da Astronomia reunirá cerca de 6 mil astrônomos no Rio em agosto. Mas essa não é a única festa da ciência neste ano. A biologia também tem muito o que celebrar. Este é o ano do bicentenário do nascimento de Charles Darwin e o 150 anos da publicação de seu livro revolucionário "A Origem das Espécies", onde o naturalista elaborou os princípios de sua teoria da evolução das espécies.

Poucos nomes na história da ciência são tão celebrados quanto Darwin. O que Galileu, Newton e Einstein representam para a física, Dalton e Lavoisier para a química, Darwin representa para a biologia. Antes dele, não haviam explicações plausíveis para a incrível diversidade da vida que vemos na natureza, de micróbios unicelulares, plantas e peixes aos insetos, aves e mamíferos. No mundo ocidental, a explicação aceita era bíblica: Deus criou a vegetação no terceiro dia, os peixes e as aves no quinto, e os animais terrestres e o homem no sexto. Mesmo que fósseis de animais estranhos (leia-se dinossauros e mamíferos terrestres agigantados) fossem conhecidos, o argumento para a sua ausência invocava o Dilúvio e a Arca de Noé. Pelo jeito, os monstros não foram bem recebidos no grande barco. Talvez alguns teólogos oferecessem razões mais sofisticadas, mas essa era a opinião de muitos.

De todas as suas características, as que Darwin mais celebrava eram a meticulosidade e a capacidade de perceber detalhes quando outros não os viam. Quando jovem, atravessou o mundo no navio Beagle, colhendo espécies diversas da flora, passando horas observando o comportamento da fauna local, colecionando fatos e anotações. Ficou muito impressionado com a beleza do Brasil.

Sua curiosidade pela riqueza com que a vida se manifestava à sua volta e a paixão pelo conhecimento davam-lhe a infinita paciência necessária para observar as menores variações dentre espécies de acordo com o ambiente e o clima, a importância da geologia na determinação das espécies de uma região, a complexa relação entre a flora e a fauna.

Profundamente influenciado pelo geólogo Charles Lyell, que considerava seu mentor, Darwin aos poucos percebeu que tal riqueza nas espécies só poderia ser possível se pequenas variações ocorressem ao longo de enormes intervalos de tempo. A filosofia de Lyell pregava que as rochas terrestres representam a sua longa história, registrando nas suas propriedades as várias transformações que sofreram ao longo dos milênios. Os mesmo processos que sofreram no passado continuam ativos no presente. A partir de suas meticulosas observações, Darwin concluiu que algo semelhante ocorria com os seres vivos; eles também sofriam pequenas modificações ao longo do tempo.

As que facilitavam a sua sobrevivência seriam passadas de prole em prole mais eficientemente, enquanto que aquelas que dificultavam a sobrevivência dos animais seriam aos poucos eliminadas. Com isso, após muitas gerações, a espécie como um todo se alteraria, tornando-se gradualmente distinta de seus ancestrais. A funcionalidade dos bicos de certos pássaros, por exemplo, ilustra bem a adaptabilidade de acordo com o ambiente.

Esse processo de seleção natural forneceu, pela primeira vez na história, um mecanismo racional capaz de explicar a multiplicidade da vida e a sua ligação com o passado. O legado de Darwin é, antes de mais nada, uma celebração da liberdade que nos é acessível quando nos dispomos a refletir sobre o mundo em que vivemos.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Cosmologia de alta precisão



A descoberta de Penzias e Wilson deu início a uma revolução no estudo da cosmologia


A cosmologia, o estudo do Universo e das suas propriedades, sempre teve uma reputação duvidosa entre físicos e astrônomos. A razão principal desse ceticismo é, ou foi, bem razoável: historicamente, a cosmologia foi mais um exercício puramente teórico do que uma ciência experimental, onde ideias são testadas através de observações e experimentos. Durante boa parte do século 20, modelos cosmológicos tentaram, da melhor forma possível, adequar-se aos poucos dados que existiam sobre o Universo em que vivemos. Até meados da década de 1960, nem se podia escolher entre dois modelos rivais, o modelo do estado-padrão -que prevê um Universo eterno- e o modelo do Big Bang -que prevê um Universo com uma idade finita.

As coisas começaram a mudar quando, em 1965, Arno Penzias e Robert Wilson descobriram a radiação deixada quando os primeiros átomos foram formados. Chamada de radiação cósmica de fundo, ela permeia o Universo como o ar que enche um copo vazio. A cada centímetro cúbico de espaço existem cerca de 400 fótons dessa radiação, não muito diferentes dos criados num forno de micro-ondas. A descoberta de Penzias e Wilson deu início a uma revolução no estudo da cosmologia. Para começar, a radiação confirmou o Big Bang como o melhor modelo para descrever o nosso Universo: o cosmo tem um passado, uma data de nascimento. Usando dados modernos, os cientistas estimaram que a radiação tivesse surgido quando o cosmo tinha cerca de 400 mil anos de idade. Ela é um fóssil de uma era muito anterior à do nascimento das estrelas e dos planetas.

A propriedade mais fundamental do Universo é que, desde o seu surgimento, ele está em expansão. Astrônomos estudam a expansão medindo a luz e outras formas de radiação emitidas por galáxias distantes. Combinando medidas das distâncias e das velocidades de afastamento das galáxias é possível determinar a idade do Universo: 13,73 bilhões de anos, com um erro de menos de 1%, um feito sensacional, graças ao telescópio Hubble. O Universo é aproximadamente três vezes mais velho do que a Terra.

A história do Universo pode ser resumida da seguinte forma: de uma infância onde a matéria estava sujeita a temperaturas e pressões altíssimas, o cosmo foi expandindo e se resfriando. Esse resfriamento causou mudanças no comportamento da matéria, levando as partículas elementares a se organizarem em estruturas cada vez mais complexas: núcleos atômicos com prótons e nêutrons; átomos; moléculas; galáxias; estrelas; elementos químicos pesados; planetas; vida.

De minúsculas flutuações na temperatura da radiação cósmica de fundo é possível estudar os detalhes de como nasceram as primeiras galáxias. Tais medidas, com a incrível precisão de um centésimo de milésimo de grau, são feitas por satélites no espaço, como o WMAP, e por detectores voando em balões lançados da Antártida.

As medidas também determinaram a composição material do Universo. E aqui existem ainda muitos mistérios. A matéria comum, da qual somos feitos, consiste em apenas 5% da matéria total. Do resto, 23,3% (com 1,3% de precisão) consiste de "matéria escura", composta de partículas diferentes dos prótons e elétrons. Não sabemos que partículas são essas, se bem que existem muitas candidatas. Mas os últimos 72% são os mais enigmáticos. Descoberta em 1998, essa "energia escura" acelera a expansão cósmica, afastando galáxias ainda mais rapidamente. Muito possivelmente, o estudo da matéria e da energia escura nos levará a mais uma revolução. Mas, para tal, são necessários experimentos ainda mais precisos do que os que temos hoje.

sábado, 3 de janeiro de 2009

O ano da astronomia



A visão que temos hoje do cosmo se deve a dois homens que, há 400 anos, acreditaram nas próprias ideias

Começou a grande festa dos céus. 2009 é o Ano Internacional da Astronomia. Por todo o mundo, centenas de conferências, palestras, livros e documentários irão celebrar a ciência dos céus. No Brasil, entre várias celebrações, telescópios serão distribuídos em escolas.

Por que 2009? Em 1609, dois eventos marcaram o início de uma nova era: o italiano Galileu Galilei apontou o seu telescópio para os céus, mudando definitivamente a nossa concepção dos astros e, mais importante, o nosso lugar no cosmo. No mesmo ano, o astrônomo alemão Johannes Kepler publicou o seu "Astronomia Nova", que, como já diz o título, propôs uma nova astronomia, baseada na descrição das causas por trás dos movimentos celestes: planetas giram em torno do Sol devido a uma força e não por estarem presos a esferas de cristal.

Na mesma obra, Kepler mostra que as órbitas planetárias, por milênios descritas como sendo circulares, são, na verdade, elípticas. Tanto na obra de Galileu quanto na de Kepler, são os dados e as observações cuidadosas que determinam a nova ciência dos céus. Galileu não inventou o telescópio.

A descoberta é atribuída a um holandês, em 1608. O que Galileu fez foi aperfeiçoar o instrumento, aumentando a sua potência. A sua grande sacada foi usar o instrumento para estudar o céu noturno, com o intuito de criticar a filosofia de Aristóteles e seus seguidores. Para o grego, os astros eram feitos de uma substância eterna e perfeita, o éter ou quintessência. Nos céus, ao contrário do que ocorria da Lua para baixo, nada mudava.

A Terra ocupava o centro do cosmo, imóvel. O que Galileu viu contrariava isso tudo. A Lua era coberta de crateras e montanhas, longe de ser uma esfera perfeita. Saturno tinha "orelhas", e Júpiter, quatro satélites. Imagino a emoção que Galileu deve ter sentido ao ver pela primeira vez na história as quatro maiores luas de Júpiter. A descoberta foi devastadora para o modelo geocêntrico de Aristóteles: se Júpiter, um planeta, tinha luas, a Terra não era tão diferente assim.

Nesse caso, não seria mais razoável adotar o arranjo proposto pelo polonês Copérnico em 1543, onde o Sol era o centro do cosmo e a Terra só um planeta em seu redor? Defender o cosmo de Copérnico tornou-se a cruzada de Galileu. Ele foi contra tudo e todos, principalmente a igreja. Essa história já foi contada muitas vezes. Galileu criticou os teólogos cristãos, argumentando que a Bíblia não ensina como o céu vai, mas como vamos ao céu.

Infelizmente, o que Galileu tinha de gênio lhe faltava em diplomacia. Insistindo, acabou sendo condenado a abjurar a doutrina copernicana e a passar o resto de seus dias em prisão domiciliar. Sua história mostra o quanto a coragem intelectual de alguns muda o destino de muitos. E, de forma mais concreta, como a história da civilização depende da evolução dos instrumentos. A cada vez que um novo instrumento nos permite ver mais longe, ou nos abre novas janelas para mundos que antes eram invisíveis, aprendemos mais sobre a natureza e sobre nós mesmos. Johannes Kepler nos mostrou que não devemos impor nossos preconceitos no mundo. Lutou contra si mesmo para tirar o círculo dos céus.

Se o fez, foi por acreditar na precisão dos dados e das observações acima de sua expectativa de uma perfeição estética. Como conto em "A Harmonia do Mundo", ao atribuir causas aos movimentos celestes, Kepler rompe com o obscurantismo do passado, inaugurando a nova ciência dos céus. A visão que temos hoje do cosmo e de nós mesmos se deve, em grande parte, à visão desses dois homens que, 400 anos atrás, tiveram a coragem de acreditar nas suas ideias.