sábado, 28 de maio de 2011

Os planetas ciganos da galáxia


Se há planetas gigantes livres, é provável que existam também muitos outros em órbitas distantes de suas estrelas-mãe

As manchetes desses dias estavam repletas de descobertas cósmicas espetaculares. Já que o mundo não acabou, podemos voltar ao nosso assunto mais usual, a exploração de como funciona a natureza, aprofundando nosso conhecimento sobre o Universo em que vivemos.

Hoje, escrevo sobre a descoberta de um grupo de astrônomos liderados por takahiro sumi, da Universidade de Osaka, no Japão. Após anos de observações, o grupo concluiu que existem cerca de 400 bilhões de planetas ciganos na nossa galáxia, circulando pelo espaço.

Esse número é duas vezes maior do que o de estrelas na Via Láctea.

Considerando planetas são objetos que orbitam estrelas, a descoberta é mesmo surpreendente.

Talvez um nome melhor seja planetas órfãos, já que se desgarraram de suas estrelas-mãe.É possível que tenham sido ejetados de seus sistemas solares devido à instabilidades na dinâmica de suas órbitas ou, menos provável, que tenham órbitas extremamente alongadas.

A descoberta sugere que nosso sistema solar, com quatro planetas gasosos gigantes a grandes distâncias do sol, não seja uma raridade.

Buscas por ex o planetas (que giram em torno de estrelas que não o sol) tendem a achar planetas grandes perto de suas estrelas. Num sistema planetário, o centro de massa não se encontra exatamente no centro da estrela devido à contribuição das massas dos planetas.

A situação é um pouco como a de duas crianças, uma bem gordinha e outra bem magrinha, numa gangorra: o ponto de equilíbrio é perto da gordinha,mas não nela. tanto a estrela quanto os planetas giram em torno do centro de massa e não do centro da estrela. Isso causa uma pequena variação na luz da estrela, quando observada a distância, o chamado efeito Doppler.

Baseados nessa variação, astrônomos podem calcular a massa e o número de planetas em órbita.

Quanto mais massivos e mais próximos da estrela estiverem os planetas, maior o efeito que causam e mais fácil a sua detecção.

Outra técnica, o método do trânsito, mede a diminuição da luz da estrela quando um planeta passa a sua frente. Aqui, também, quanto maior e mais próximo da estrela estiver o planeta, mais fácil a sua detecção. O satélite Kepler da nasa já detectou possivelmente 1.235 exoplanetas com este método. A nova descoberta utiliza um outro método, chamado de microlentes gravitacionais. Baseado na teoria da relatividade de Einstein, usa a curvatura do espaço causada por grandes concentrações de massa que distorce a luz que passa à sua volta.Quando um planeta passa em frente a uma fonte de luz, ele pode na maioria das vezes aumentá-la.

Foram detectadas dez aumentos desse tipo causados por planetas gigantes sem uma estrela-mãe, o que implica em centenas de bilhões de planetas órfãos.
se existem tantos planetas gigantes livres, é provável que existam muito sem órbitas não tão próximas de suas estrelas. tal como Júpiter, saturno, Urano e netuno, esses gigantes protegem os planetas internos contra possíveis colisões com asteroides e cometas.

A nova descoberta sugere que, talvez, não sejamos os únicos seres a dar graças a vizinhos gigantes.

domingo, 22 de maio de 2011

Sobre a vida após a morte


Do ponto de vista científico, vida após a morte não faz sentido,embora a esperança de que ela exista seja muito compreensível

Já que no domingo passado escrevi sobre o fim do mundo (era para ter sido ontem), é natural continuar nossa discussão refletindo sobre vida após a morte. especialmente nesta semana, quando o famoso físico Stephen Hawking falou do assunto em entrevista ao jornal inglês "The Guardian". "um conto de fadas para pessoas que têm medo do escuro", disse.

Mantendo a discussão ao nível "científico", o que podemos falar sobre experimentos que visam detectar vida após a morte?

Eis o que escrevi sobre o tópico em meu livro "Criação Imperfeita": "quando ingressei no curso de física da PUC do Rio em1979, era a encarnação perfeita do cientista romântico, com barba, cachimbo e tudo.

Lembro-me, com um certo embaraço, do meu experimento para 'investigar a existência da alma'. Se a alma existia, pensei, tem que ter uma natureza ao menos em parte eletromagnética, de modo a poder animar o cérebro. e se eu convencesse um hospital a dar-me acesso a um paciente em coma, já prestes a morrer? Assim, poderia circundá lo com instrumentos capazes de detectar atividade eletromagnética.

Talvez pudesse detectar a cessação do desequilíbrio elétrico que caracteriza a vida [...] Por via das dúvidas, o paciente deveria também estar deitado sobre uma balança bem precisa, caso a alma tivesse peso." Continuo:"Na verdade,minha incursão no terreno da "teologia experimental" era mais brincadeira do que algo que levei a sério. Porem, minha metade vitoriana charlatã, devo dizer, tinha ao menos um predecessor.
em 1907, um certo Dr. Duncan MagDougall de Haverhill, em Massachusetts, conduziu uma série de experimentos para medir o peso da alma.emborasua metodologia fosse altamente duvidosa, seus resultados foram mencionados no prestigioso "New York Times":"Médico crê que alma tem peso", afirmou a manchete. O peso era em torno de 21,3 gramas, embora tenha havido algumas variações entre os poucos pacientes investigados. Como grupo de controle, ele pesou 15 cães, mostrando que eles não sofriam qualquer mudança de peso. O resultado não o surpreendeu, pois suspeitava que só humanos têm almas."

Os experimentos de Mag Dougall inspiraram o filme "21 Gramas", com Sean Penn fazendo o papel de um matemático à beira da morte.

De volta a Hawking, devo dizer que concordo com ele. Tudo o que sabemos sobre como a natureza opera indica que a vida é um fenômeno bioquímico emergente que tem um início e um fim.

Do ponto de vista científico, vida após a morte não faz sentido: existe a vida, um estado complexo da matéria em que um organismo interage ativamente com o ambiente, e existe a morte, um estado em que essas interações tornam-se passivas.

Morte é ausência de vida. (Mesmo o vírus só pode ser considerado0 vivo dentro de uma célula anfitriã.) É perfeitamente compreensível querer mais do que algumas décadas de vida, ter esperança de que existe algo mais.

Porém, nosso foco deve ser no aqui e no agora, e não no além. O que importa é o que fazemos coma vida que temos, curta que seja.Após ela, o que persiste são as memórias naqueles que continuam vivos.

domingo, 15 de maio de 2011

O fim do mundo, de novo


Se existe um risco imediato de destruição, ele não vem do céu, de cometas ou de asteroides assassinos, mas de nossas próprias mãos


PARECE QUE o mundo vai acabar.

De novo. A data definida pelo americano Harold Camping, um fundamentalista cristão de 89 anos, é resultado de cálculos e numerologia obscura, usando eventos bíblicos e catástrofes naturais. Camping previu o Apocalipse antes, em 1994. Mas desta vez está certo, diz ele.

Recentemente, cerca de 50 pessoas juntaram-se a Camping em Washington para espalhar a notícia. Entre eles, um oficial do Departamento de Segurança Interna que tirou férias especialmente para isso."Tenho de voltar no dia 23,mas não será preciso, pois no dia 21 sumirei", disse ao"Washington Post".

Nesse meio-tempo, um ateu está se oferecendo para tomar conta dos animais domésticos que ficarem para trás, já que eles não vão para o céu. Já tem mais de mil clientes.
Ironicamente, os céus estão oferecendo uma série de espetáculos neste mês, com vários alinhamentos planetários visíveis no hemisfério Sul. Como em tempos imemoriais, esses alinhamentos costumam ser interpretados como sinais apocalípticos. Em 11 de maio, Mercúrio, Vênus e Júpiter convergiram numa região com apenas 2,05 graus de diâmetro.

Como referência, a Lua cheia ocupa meio grau. Portanto, os planetas se juntaram no equivalente a quatro luas cheias, uma visão belíssima. No dia 21, o dia da previsão de Camping, Mercúrio, Vênus e Marte estarão numa região com apenas 2,13 graus de diâmetro.

Em 1186, os cinco planetas conhecidos então (até Saturno) alinharam-se nos céus, causando pânico por toda a Europa. Inúmeros outros fenômenos celestes, de eclipses a cometas e chuvas de meteoros, fizeram o mesmo no decorrer da história.

E continuam assustando as pessoas desnecessariamente. Os céus foram sem previstos como sagrados.

Portanto, fenômenos inesperados e misteriosos eram interpretados como mensagens de deuses prontos para punir os pecadores. Conforme discuto em meu livro "O Fim da Terra e do Céu", essa tradição apocalíptica não se reserva apenas a fanáticos religiosos. Cientistas também participam ocasionalmente, se bem que sob a luz de argumentos racionais e testáveis.

De fato, é importante considerarmos o risco de um asteroide ou de um cometa com mais de um quilômetro de diâmetro colidir com a Terra (possível, mas realmente muito improvável), ou de o Sol explodir (isso ocorrerá, em aproximadamente 5 bilhões de anos), ou de o próprio Universo ter um fim (terá, continuando sua expansão indefinidamente, enquanto as estrelas morrerão e se apagarão, se bem que existem outras alternativas).

Começos e fins são parte integral do discurso científico desde o nascimento da ciência moderna no século 17. Newton previu o fim do mundo para 2060. Halley, famoso pelo cometa homônimo, sugeriu que o Dilúvio foi causado pelo impacto de um cometa contra a Terra.

Felizmente, podemos afirmar com confiança absoluta que alinhamentos planetários não trarão o Apocalipse e que o Sol, mesmo que volta e meia lance enormes bólidos de matéria em nossa direção, continuará fundindo hidrogênio em hélio de forma relativamente pacata por muito tempo. Se existe ameaça mais imediata, ela não vem dos céus, mas das nossas próprias mãos.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A escorregadia ‘partícula de Deus’


Volta e meia os boatos que falam de uma descoberta do bóson de Higgs correm o mundo, mas tudo indica que ele ainda nos escapa

OS FÍSICOS de partículas estão mais uma vez em alvoroço. Duas semanas após ter escrito aqui sobre a possibilidade de uma nova força da natureza ter sido encontrada no Fermilab, rumores de que a famosa partícula chamada Higgs foi achada no LHC (Grande Colisor de Hádrons, gigantesco acelerador de partículas localizado nos arredores de Genebra,na Suíça) vêm circulando pela mídia.

Um relatório interno escrito anonimamente por alguém da equipe do detector Atlas, do LHC, menciona um sinal estranho nos dados, relativo a uma massa 115 vezes maior que a de um próton.
A atenção dada ao relatório é exagerada. Um porta-voz do Cern, o laboratório onde fica o LHC, disse a uma agência de notícias que "provavelmente não é nada".

Primeiro, queria contar a história por trás do desafortunado nome "partícula de Deus". Como alguns leitores devem saber, "A Partícula de Deus"é onome de um livro de divulgação científica escrito pelo físico vencedor do Nobel Leon Lederman, que foi diretor do laboratório americano Fermilab durante anos e meu chefe quando eu fazia meu pós-doutorado por lá.

De acordo com Leon, ele queria chamar o livro de "Partícula Maldita"(do inglês "Goddamn Particle"), pois ninguém conseguia achá-la. Mas seu editor sugeriu que "Partícula de Deus" venderia muito mais. Por razões óbvias,o nome vingou.

É claro que a partícula não tem nada de divino.Obóson de Higgs, como é propriamente chamado, é uma partícula hipotética cuja função é dar massa às outras partículas do Modelo Padrão, que reúne tudo o que sabemos sobre a matéria.

Talvez essa função dê ao Higgs certa influência.Mas não lhe confere divindade. Peter Higgs é o físico escocês que, nos anos 1960, desenvolveu várias ideias ligadas ao mecanismo em que uma partícula confere massa a todas as outras.

O bóson de Higgs é a peça que falta No Modelo Padrão. Daí o enorme interesse em achá-lo. Se você procurar no Google por "Higgs found" (Higgs encontrado), verá que volta E meia esses boatos ocorrem. Mas, antes que você acuse os físicos de partículas de serem pouco sérios, é importante entender como funciona essa comunidade.

A World Wide Web (o célèbre "www" da internet) foi inventada no Cern exatamente para facilitar a comunicação rápida entre os físicos.

Experimentos em aceleradores de partículas envolvem milhares de cientistas e engenheiros. Portanto, quando um sinal (esperado ou surpreendente) surge, o entusiasmo cresce rápido: é inevitável evitar que a informação, mesmo prematura, acabe vazando.

Seria um alívio encontrar finalmente o Higgs. Desde que comecei minha carreira, venho editando sua massa nas equações que descrevem a infância do universo. Graças aos esforços dos cientistas do Fermilab e do Cern (que incluem muitos brasileiros), temos uma boa ideia de qual deve será sua massa do Higgs.

Basta encontrá-lo. Ou não. O Modelo Padrão pode estar nos contando apenas parte da história ou, quem sabe, o Higgs pode não existir. Afinal, a natureza pouco liga para as nossas ideias, mesmo quando as achamos belas demais para estarem erradas. Os dados é que vão decidir isso.