domingo, 24 de fevereiro de 2008

Origem comum



A visão moderna do cosmo aproxima as pessoas

Lendo os jornais, assistindo aos noticiários na TV, ou simplesmente prestando atenção ao que se passa à nossa volta, não há nada mais óbvio do que as diferenças da sociedade; conflitos políticos, raciais, domésticos, disparidades financeiras, preconceitos arraigados, enfim: um quadro que mostra o quanto somos diferentes uns dos outros e o quanto ainda temos que lutar para que essas diferenças sejam diminuídas.


Nessas horas, imagino que ninguém pense muito no que as ciências físicas e biológicas têm a dizer. Ninguém imagina que a visão moderna do cosmo nos aproxima uns dos outros de modo profundo, essencial. Talvez essa visão não ofereça consolo ao vermos uma criança pedindo esmola na rua, ou baleada no tráfico de drogas. Mas, se interpretada de forma correta, deveria oferecer um novo modo de pensar sobre o mundo e sobre nosso lugar nele. Seria ao menos um começo.

A pressão pela sobrevivência é e sempre foi a mola que propulsiona a vida, com todas as coisas boas e ruins que ela traz. A diferença humana é que adicionamos ao que é necessário quantitativamente -comida, abrigo, reprodução- aquilo que é qualitativamente aprazível. Não queremos apenas comer, queremos comer bem; não queremos apenas procriar, queremos ... bem, você me entende. Mas me pergunto se não está na hora de repensarmos nossa dependência das leis que regem a evolução, se não podemos, tal como tentamos fazer com as doenças, repensar a doente condição humana, combatê-la com nossa arma mais poderosa, nossa capacidade de reflexão.

Talvez precisemos começar do começo para que as coisas mudem, do começo não só da civilização, mas do começo de tudo. Somos todos, ricos e pobres, reis e camponeses, grilos, baleias e samambaias, produtos do cosmo, das mesmas leis que regem a natureza, compostos dos mesmos elementos químicos, forjados há bilhões de anos nas mesmas estrelas.

Nossa história, a minha, a sua, a de todo mundo nesse planeta, começou ao mesmo tempo, cerca de 14 bilhões de anos atrás, quando nosso universo começou sua expansão. Foi então que essa massa de energia começou a moldar as partículas que formam tudo o que existe, os primeiros elétrons, os prótons e nêutrons, os primeiros núcleo atômicos. Passados 400 mil anos, com o Universo ainda na sua infância, surgiram os primeiros átomos, os tijolos fundamentais da matéria.

Conglomerados de átomos, atraídos pela gravidade, formaram nuvens de matéria que, girando de forma instável, contraíram-se para formar as primeiras estrelas. Essas viveram pouco, vítimas de sua enorme massa. Ao morrer, entraram em colapso, forjando em suas entranhas os elementos químicos mais pesados -carbono, oxigênio, ferro- lançados ao espaço em seus últimos estertores. Esses átomos espalharam as sementes da vida pelo espaço. Outras estrelas nasceram e outras morreram cosmo afora.

Passados quase 10 bilhões de anos, nasceram o Sol, os planetas, a Terra e a Lua, todos com infâncias violentas: cometas e asteróides bombardeando suas superfícies, radiação solar letal e poucas chances de a vida surgir. Mas em um deles, por não estar nem muito longe nem muito perto do Sol, a água pôde manter-se líquida; por ter a massa certa, criou uma camada protetora à sua volta, a atmosfera. Aos poucos, os elementos químicos foram se combinando, formando moléculas complexas. Delas, surgiu a vida. E dela, surgimos nós. Nossa história, se contada assim, do começo, é a mesma.

Precisamos de 10 mil anos de civilização para aprendermos isso. Espero que não sejam necessários outros 10 mil para usarmos esse conhecimento com sabedoria.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

O jovem Einstein

O físico de vinte e poucos anos vestia-se bem e era boa pinta


Talvez uma das fotos mais conhecidas do século 20 seja aquela de Albert Einstein (1879-1955) com a língua de fora. No seu aniversário de 72 anos, dia 14 de março de 1951, Einstein estava cansado dos jornalistas que não o deixavam em paz. Quando deparou-se com o exército de fotógrafos que o esperava, Einstein pôs a língua de fora, na esperança que os fotógrafos desistissem dele e fossem realmente embora.

Grande engano! A imagem tornou-se um ícone do gênio, excêntrico e brincalhão. Incontáveis filmes, desenhos animados e peças teatrais exploram o mito do cientista meio louco meio gênio, cabelos despenteados, sotaque carregado, roupas amarrotadas e sapatos desamarrados. Poucos sabem que esse Einstein tem muito pouco a ver com o outro Einstein, o jovem que criou teorias mirabolantes sobre o espaço, o tempo e a matéria, teorias que revolucionaram toda a visão que se tinha sobre o cosmo na época.

O jovem Einstein era um rapaz problemático, ao menos segundo os olhos de seus professores. Não que fosse um mau aluno: em 1896, graduou-se no então científico com as melhores notas da turma, mesmo que um ano mais novo. Seu problema maior era o autoritarismo do sistema educacional europeu. Os professores achavam-se literalmente intocáveis, incapazes de errar e muito menos de serem criticados por estudantes metidos.

Pois Einstein era justamente um desses estudantes que vivia questionando seus professores, tentando encontrar erros em seus argumentos, sem medo de se expor ou de criar controvérsia. Em 1898, quando cursava o Instituto Politécnico de Zurique, Weber, um dos maiores físicos da Europa e seu professor, afirmou: "Você é muito inteligente, mas jamais aceita a opinião dos outros". Einstein estava irritado com Weber, que limitava-se a ensinar a física pré 1850. Matava aulas e usava as notas de seu amigo Marcel Grossmann. Weber acabou opondo-se à sua carreira e Einstein não conseguiu emprego como seu assistente e também ficou de fora de uma universidade.

Acabou encontrando um emprego no escritório de patentes em Berna, na Suíça, graças à influência do pai de Grossmann. Nessa altura, Einstein tinha um círculo de amigos que se reunia sempre nos cafés da cidade para discutir filosofia e física, a chamada Academia Olímpia.

Enquanto lia os textos dos grandes filósofos e físicos, Einstein escrevia também seus próprios artigos. Era clara a sua liberdade e coragem intelectual. Esse Einstein, de vinte e poucos anos, vestia-se bem, era boa pinta e engraçado. Em 1904, seu melhor amigo, Michele Besso, juntou-se a ele no escritório de patentes.

Einstein diria dele: "Não poderia ter encontrado pessoa melhor para discutir minhas idéias em toda a Europa". Em 1905, Einstein publicou quatro artigos que mudaram a ciência. A teoria da relatividade especial foi apenas um deles. Qualquer dos outros trariam fama imortal ao seu autor. Tinha apenas 26 anos.

Na relatividade, Einstein vai contra 300 anos de física, demonstrando contra tudo e todos que o problema do éter, o meio que supostamente dava suporte à propagação da luz, não era um problema: o éter simplesmente não existia.

Anos de reflexão levaram a uma conclusão fantástica: "O tempo não pode ser absolutamente definido". O jovem rebelde traz a noção de perspectiva à ciência, ressaltando o papel do observador nas medidas de tempo e de espaço.

Se a elegância foi-se com a idade, ficou ao menos a rebeldia, se não tanto nas idéias ao menos na língua.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A primeira célula

Para entender a vida, temos de buscar a origem de sua unidade

A prendemos em biologia, numa das primeiras lições: a célula é a unidade fundamental de um organismo, consistindo de uma membrana circundando um núcleo que flutua em citoplasma.
Sabemos que células podem sobreviver por conta própria. Muitos organismos microscópicos, como a ameba ou o paramécio, consistem em apenas uma célula. Um vírus é uma entidade ainda mais simples, mas que não é propriamente viva: consistindo de uma cápsula feita de proteína e um interior com material genético, só consegue se replicar quando está dentro de uma célula viva.

Portanto, podemos dizer que a célula é a unidade fundamental da vida. Se quisermos entender a origem da vida, temos que entender como surgiram as primeiras células.

Alguns cientistas estão tentando fazer exatamente isso. Em seus laboratórios, procuram sintetizar uma célula primitiva, capaz de se reproduzir e sobreviver por si mesma. Em ciência, a mesma questão pode ser abordada de várias formas diferentes. No caso da origem da primeira célula, existem três caminhos.

No primeiro, investigado no Instituto J. Craig Venter, cientistas procuram uma célula mais básica: usando o micróbio parasita Mycoplasma genitalium, responsável por infecções urinárias, partem do mais complicado para o mais simples. O parasita tem apenas 528 genes no seu DNA, dos quais muitos são supérfluos. A questão é quais são eles e qual é o número mínimo de genes numa célula capaz de sobreviver. O processo é lento: combinações de genes são extraídas metodicamente e a célula resultante é testada.

Um dia os pesquisadores esperam chegar ao conjunto mínimo de genes capaz de manter a célula viva. Uma vez que estes sejam encontrados (se forem encontrados), o plano é recriar o DNA sinteticamente. A tarefa é complexa: ninguém conseguiu criar um DNA com centenas de milhares de unidades. Mesmo se o projeto falhar, as técnicas que estão sendo desenvolvidas permitirão o reparo e a reconstrução de material genético. Por exemplo, seria possível criar uma célula capaz de converter detritos orgânicos em hidrogênio combustível.

Críticos afirmam que esse procedimento não leva de fato à resolução do enigma da primeira célula. Afinal, esse parasita evoluiu durante centenas de milhões de anos para chegar ao seu estado atual. Outro grupo publicou uma receita para a construção de uma célula usando partes avulsas, como num kit de montagem de aeromodelo. Nessa receita, o maquinário molecular responsável pela vida seria baseado num genoma sintético com 151 genes e mais algumas proteínas. Uma vez encontrado, esse material é circundado por uma membrana de gordura (lipídios). Ao menos a membrana foi construída com sucesso. E proteínas foram sintetizadas em seu interior, o começo de algo semelhante à vida.

Mesmo esse processo usa moléculas modernas, produtos de bilhões de anos de evolução. O desafio é começar do começo, criando vida a partir do que não vive, como ocorreu na Terra há aproximadamente 3,8 bilhões de anos. Um terceiro grupo, da Universidade Harvard, vem tentando fazer isso: uma célula consistindo de uma membrana e uma única molécula de RNA capaz de se auto-replicar.

O desafio aqui é encontrar essa molécula. Estamos em desvantagem: a vida teve centenas de milhões de anos para realizar seus experimentos até encontrar a combinação certa. Por outro lado, temos nossa curiosidade e o conhecimento acumulado de centenas de anos de ciência. Com paciência e persistência, não se surpreenda se, em algumas décadas, gerar vida no laboratório virar rotina.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

A infernal estrela-d'alva


Estudar o horrendo efeito estufa em Vênus poderá ser útil

Nada mais poético do que a visão da estrela-d'alva, brilhando ao pôr-do-sol feito um diamante nos céus. Quantos poemas e canções já não foram inspirados por esse emblema de beleza e pureza? É irônico que a nossa deusa da beleza, a Vênus celeste, seja, na realidade, um planeta verdadeiramente infernal.

O segundo planeta a partir do Sol - também o mais próximo da Terra- tem uma atmosfera composta principalmente de gás carbônico (96,5%) e nitrogênio, com praticamente nada de oxigênio. Nuvens de ácido sulfúrico flutuam a grandes altitudes. O planeta já foi comparado a uma panela de pressão: a temperatura na superfície é, em média, de 500 C; a atmosfera é tão densa que é impossível visualizar sua superfície de longe, como fazemos com a Lua ou Mercúrio. O único jeito é ir até lá, o que não é fácil.

Um dos mistérios com relação a Vênus é a ausência de água. Claro, com temperaturas de 500 C qualquer água na superfície teria evaporado.

Mas deveria ser encontrada ainda na atmosfera, em forma de vapor. Talvez, no passado, Vênus tenha sido um planeta diferente. Afinal, possui várias características muito semelhantes à Terra: o tamanho e a massa, por exemplo, indicando que sua composição rochosa não é muito diferente.
Carl Sagan, há muitos anos, propôs que Vênus foi vítima de um efeito estufa acelerado. Não que os incas venusianos (quem via "National Kid" quando era criança nos anos 60 e 70, coisa saudosa da minha geração, sabe do que estou falando) tenham poluído o planeta. O acúmulo de gás carbônico é que teria criado um cobertor permanente sobre o planeta, que a radiação solar e as erupções vulcânicas (Vênus talvez ainda tenha vulcões ativos) torraram ainda mais quente a atmosfera.

Os russos foram os pioneiros da exploração de Vênus. Em meados dos anos 70, duas sondas, Venera 9 e Venera 10, conseguiram enviar fotos durante uma hora, antes de seus circuitos virarem sopa metálica. Não encontraram os incas, mas encontraram rochas com pouco sinal de erosão.

Vênus é um planeta estranho: enquanto Mercúrio, Terra e Marte giram em torno de seus eixos no mesmo sentido do seu movimento em torno do Sol, Vênus gira ao contrário. Na verdade, quase não gira: seu "dia" é de 177 dias terrestres, mais da metade de seu ano, de 244 dias. A razão para essa anomalia não é conhecida; mas a conjectura é que Vênus tenha sofrido uma gigantesca colisão na infância, que alterou completamente sua rotação. Algo semelhante ao que ocorreu com a Terra e deu nascimento à Lua.

Recentemente, outra missão, desta vez da ESA (Agência Espacial Européia), aventurou-se sob as espessas nuvens de ácido de Vênus. Seu objetivo era resolver o mistério da água venusiana: se o planeta é tão parecido com a Terra, onde foi parar sua água?

A sonda encontrou evidência de que o planeta teve mais água no passado, o suficiente para cobrir sua superfície inteira com uma profundidade de 4,5 metros. (A Terra, como comparação, seria coberta por 2,8 km de água). Se essa água evaporou rapidamente, ela pode ter contribuído para o horrendo efeito estufa que domina Vênus.

Estudar o que ocorreu lá nos ajuda a evitar que algo semelhante ocorra aqui. O aquecimento de um planeta depende de vários fatores: a temperatura na superfície e suas variações, a composição de sua atmosfera, a emissão de gases e vapores de seu interior.
No mínimo, Vênus demonstra que o inferno existe, não no centro da Terra, mas nos céus.