domingo, 28 de outubro de 2007

50 anos da era espacial

O mundo hoje depende dos satélites de comunicação, heranças do Sputnik

No dia 4 de outubro de 1957, cientistas soviéticos mudaram a história. Nesse dia, o primeiro satélite artificial -um objeto criado por mãos humanas capaz de girar em órbita da Terra- foi lançado ao espaço. A pequena esfera metálica, pesando em torno de 90 quilos, circundou a Terra 14 vezes por dia, viajando a quase 30 mil km/h a uma altitude de 940 km. O feito causou ondas de choque pelo mundo, especialmente nos EUA.

Em meio à Guerra Fria, a tensão entre os americanos e os soviéticos era explosiva. O fato de os soviéticos terem desenvolvido foguetes capazes de lançar objetos de cem quilos ao espaço significava que poderiam facilmente armá-los com explosivos nucleares.
O lançamento do Sputnik marca não só o início da corrida espacial como, também, o de uma plausível guerra nas estrelas. O mundo todo ouviu os sons de rádio em duas freqüências: "bip, bip". Um som vindo do espaço, criado pelos homens. Para quem não era soviético, aquilo era assustador.

No dia 6 de novembro, os soviéticos ampliaram o feito, lançando o Sputnik-2. Pesando dez vezes mais do que o Sputnik-1, esse satélite levou o primeiro ser vivo da Terra ao espaço, a cadela Laika.

Os americanos tentaram responder à altura. No dia 6 de dezembro do mesmo ano, equipes de jornalismo foram convidadas ao Cabo Canaveral para registrar o lançamento do primeiro satélite americano. Após subir menos de dois metros, o foguete explodiu, causando um vexame nacional e muita gozação dos soviéticos. O feito americano foi logo apelidado de "Flopnik", "Dudnik", "Kaputnik".

No dia 31 de janeiro de 1958, Werner von Braun salvou a situação. Usando um foguete Júpiter C, Von Braun lançou o primeiro satélite norte-americano em órbita, o Explorer-1. Desta vez, a imprensa não foi convidada. O satélite, munido com um contador Geiger, registrou pela primeira vez evidência de que a Terra é cercada por cinturões de partículas carregadas, aprisionadas pelo campo magnético terrestre, os cinturões de Van Allen. O espaço não era apenas palco de ameaças bélicas; era, também, um gigantesco laboratório científico, esperando para ser explorado.

Uma mistura de prestígio e vaidade nacional empurraram os programas espaciais americano e soviético. Mais uma vez, foram os soviéticos que assumiram a liderança: Yuri Gagárin circundou a Terra no dia 12 de abril de 1961. O homem não estava mais preso ao seu planeta-mãe.

Os americanos tinham de fazer algo, e rápido. No dia 25 de maio de 1961, John Kennedy anunciou que o objetivo principal da recém-criada Nasa era "levar um homem à Lua e retorná-lo, são e salvo, à Terra". O sucesso da missão Apollo foi tremendo. Lembro-me de assistir, com meus primos, ao astronauta Neil Armstrong dando seus primeiros passos na Lua, no dia 20 de julho de 1969. A bandeira americana, rígida, foi fincada em solo alienígena.

Passados 50 anos, sondas espaciais exploram mundos nos confins do sistema solar e até além, com as missões Voyager-1 e 2. Mas muitos dos sonhos que tantos tinham ainda não foram realizados: a exploração humana de Marte, colônias espaciais, viagens tripuladas até as estrelas. Após a Lua, faltou a continuação do simbolismo mítico de ir além, de explorar o desconhecido. Os custos são imensos, os riscos e desafios tecnológicos também.

Mas convém lembrar que o mundo hoje depende de modo essencial dos satélites de comunicação, dos aparelhos de GPS, todos heranças do Sputnik. Nossa visão cósmica mudou após o telescópio espacial Hubble. Estamos ainda dando os primeiros passos; a jornada até as estrelas é longa.

domingo, 21 de outubro de 2007

A música das esferas

Para os pitagóricos, a essência da realidade estava na matemática, na dança dos números

Tudo começou na Grécia antiga. Mais precisamente, no sul da Itália, que, na época, era parte da Grécia. Num vilarejo chamado Crotona, em torno de 550 a.C., o filósofo Pitágoras fundou uma espécie de comunidade, na qual pensadores -tanto homens quanto mulheres- vislumbravam os mistérios do cosmo e da existência munidos de uma nova arma: a razão.

Claro, isso não significa que as pessoas antes de 550 a.C. eram estúpidas; ao contrário, é sempre bom lembrar que, mesmo que vivessem no passado distante, eram tão inteligentes e criativas quanto nós. Apenas tinham ao seu dispor tecnologias e métodos diferentes dos nossos. A novidade era que, pela primeira vez, passaram a usar a razão e não a superstição para interpretar o mundo à sua volta.

Existiam outros que, como Pitágoras, tentavam aos poucos deixar os deuses do Olimpo de lado, ao menos como explicação para os fenômenos naturais. Mas os pitagóricos eram diferentes: para eles, a essência da realidade estava na matemática, na dança dos números. Refletir sobre o mundo significava investigar as relações entre os números, como podiam eles ser usados para descrever a natureza. Essa é a essência da ciência.

Do pouco que sabemos da escola pitagórica, algo de certo é o status semilegendário de seu fundador, Pitágoras.

O leitor deve se lembrar do famoso teorema que leva seu nome, envolvendo triângulos. Aparentemente, não foi Pitágoras quem obteve o resultado, mas algum, ou alguns, de seus discípulos. A descoberta que é, em geral, atribuída ao mestre é outra. Foi ele quem descobriu a matemática da música.

Pitágoras percebeu que os sons que chamamos de harmônicos vêm de relações diretas do comprimento da corda de um violão (para citar um instrumento moderno), expressas em termos de números inteiros. Por exemplo, uma oitava acima é obtida ao soarmos a corda na metade de seu comprimento, ou seja, na razão de 1/2.

Uma quinta é obtida soando a corda a 2/3 de seu comprimento; uma quarta, a 3/4. Essa descoberta teve repercussões muito profundas, que estão conosco até hoje. Antes de mais nada, elas representam uma matematização da sensação de harmonia, uma expressão tangível duma propriedade dos nossos cérebros. Por que alguns sons são prazerosos enquanto outros são dissonantes, a ponto de ferir nossos ouvidos? O que isso nos diz sobre o funcionamento do cérebro?

Deixando as ciências cognitivas de lado, Pitágoras generalizou a noção de harmonia para além dos sons da lira. Segundo ele, o cosmo era construído de forma harmônica, seguindo princípios matemáticos que representavam a estética do belo: a função do filósofo era desvendar esses princípios, a harmonia cósmica, a linguagem matemática da Criação. A lenda diz que foi ele que propôs a noção de música das esferas: que o Sol e os planetas, girando nos céus em proporções harmônicas, geram uma melodia que expressa a arquitetura cósmica.

Até que ponto foram mesmo Pitágoras e seus discípulos que criaram todos esses conceitos? Difícil dizer.

Estudos recentes mostram que a maioria das grandes descobertas atribuídas a Pitágoras são falsas, construídas durante a Idade Média e a Renascença a partir do pouco que foi escrito sobre ele na Antigüidade.

Mesmo assim, fica o poder simbólico, arquetípico, da visão pitagórica. Grandes pensadores, como Kepler e mesmo Einstein e Bertand Russell, foram influenciados pelo mito pitagórico. Como muitos outros mitos, modernos e antigos, nos informam, é na crença -e não na sua realidade- que reside sua força.

domingo, 14 de outubro de 2007

Injustiças do Nobel

Otto Hahn foi um grande cientista e merecia o prêmio. Mas não sozinho

Na semana que passou foram anunciados os Prêmios Nobel de Física e Química. Com certeza, alguns cientistas devem ter ficado agoniados, esperançosos de que este seria seu ano. Lembro-me bem, quando fazia meu pós-doutorado no Instituto de Física Teórica da Universidade da Califórnia, de que o físico Frank Wilczek ficava extremamente nervoso nessa época. Wilczek finalmente ganhou seu merecido Nobel em 2004, dividindo-o com David Gross e David Politzer. Os três descobriram uma propriedade importante das partículas chamadas quarks, que compõem os prótons e nêutrons no núcleo atômico.

Imagino que Wilczek durma mais sossegado desde então.O mesmo não pode ser dito de alguns físicos e químicos que não foram homenageados pelo prêmio, especialmente aqueles cujos próprios colegas, trabalhando nas descobertas com que estavam associados, o foram. Talvez o exemplo mais flagrante disso seja o Prêmio Nobel de Química de 1944, dado ao alemão Otto Hahn, "pela descoberta da fissão nuclear". A fissão é o processo no qual núcleos pesados, como os de urânio e plutônio, podem ser divididos quando atingidos por um nêutron ou outra partícula. É a fissão que está por trás do funcionamento dos reatores nucleares e das bombas atômicas, como as detonadas em Hiroshima e Nagasaki no final da 2ª Guerra Mundial.

Hahn foi um grande cientista e merecia o Nobel. Mas não sozinho. Seus resultados foram o fruto de uma colaboração de anos com a física austríaca Lise Meitner, iniciada em 1917. Meitner teve um papel fundamental na história da física nuclear. Forçada a fugir da Alemanha nazista em 1938 com apenas um anel de diamante no bolso, ela encontrou asilo na Suécia. Mesmo assim, continuou a corresponder-se com Hahn, que manteve seus experimentos em Berlim. Em 1939, Hahn publicou seus resultados sobre a fissão do urânio nos elementos bário e criptônio.

No dia seguinte, Meitner e seu sobrinho Otto Frisch publicam um artigo com a teoria por trás dos resultados de Hahn. Mesmo que Hahn tenha, em seu discurso de aceitação do Nobel em 1946, prestigiado a importância de Meitner em suas descobertas, nem ele nem o Comitê da Academia Real da Suécia viram como necessário que dividisse o prêmio com ela e Frisch, ou mesmo com Fritz Strassmann, que trabalhou com Hahn em seu laboratório. Como consolo, Hahn, Meitner e Strassmann dividiram a medalha Fermi em 1966, dada pelo governo americano. Mas a injustiça nunca foi corrigida.

Outro exemplo, mais próximo de nossa casa, é o do físico César Lattes, morto em 2005, um dos grandes nomes da ciência nacional. Em 1947, com apenas 23 anos, Lattes foi para a Universidade de Bristol, na Inglaterra, trabalhar no laboratório de Cecil Powell. Powell havia desenvolvido um método para detectar partículas submicroscópicas conhecido como emulsão nuclear, baseado no uso de placas fotográficas especializadas. Lattes aprimorou o método de Powell, convencendo a Kodak a aumentar a sensibilidade das placas, adicionando maiores quantidades de boro.

Munido das novas placas, Lattes e a equipe de Powell descobriram uma nova partícula da matéria, o méson pi (ou píon), responsável pelas interações entre prótons e nêutrons no núcleo atômico. Em 1947, o grupo escreveu um artigo para a revista "Nature" com a seguinte ordem de autores: C. Lattes, H. Muirhead, G. Occhialini e C. Powell. Ou seja, alfabética, com Lattes como primeiro autor. Em 1950, Powell recebeu o Nobel sozinho. Lattes, que fez muitas outras descobertas, nunca se conformou com a omissão.

domingo, 7 de outubro de 2007

A assinatura da natureza

Einstein montou um mundo estranho, mas verdadeiro

Como os cientistas constroem suas teorias? Tudo começa com uma ou mais hipóteses ou princípios, os arcabouços que sustentam o resto. Se um princípio que serve de base para uma teoria é incorreto, a teoria desaba, como um prédio sem fundação. Einstein era o rei dos princípios. Sua teoria da relatividade especial, de 1905, é baseada em dois: as leis da física são as mesmas para observadores em movimento com velocidade constante; e a velocidade da luz é sempre a mesma, independente do movimento de sua fonte ou do observador.O primeiro princípio não era novidade, conhecido já desde o século 17. O da velocidade da luz, porém, era novo e ousado.

Com ele, Einstein propôs que a luz fosse diferente do que conhecemos. Afinal, se você está num carro a 60 km/h e joga uma bola para a frente a 20 km/h, uma pessoa na calçada vê a bola a 80 km/h (60+20=80), descontando a resistência do ar, naturalmente. Com a luz é diferente: substituindo a bola por uma lanterna, a luz tem a mesma velocidade para você no carro ou alguém na calçada: 300 mil quilômetros por segundo.

Estranho mundo esse que Einstein construiu. Estranho, mas verdadeiro. Porém, algo que ele não abordou é o valor da velocidade da luz. Os 300.000 km/s equivalem, aproximadamente, à velocidade da luz no vácuo. (O valor é ligeiramente menor, mas não importa.) Por que não 230.000 km/s, ou 400.000.000 km/s? O que determina o valor da velocidade da luz? Ninguém sabe. O valor é usado na construção da teoria e tudo depende dele. Ele é uma "constante da natureza", um número medido mas não explicado, com um papel fundamental na descrição dos fenômenos naturais. A velocidade da luz não é a única constante da natureza.

Longe disso. Como ela, existem outras que aparecem em teoria diferentes. Às vezes, várias constantes aparecem na mesma fórmula. Cada uma delas contém informações sobre aspectos diferentes da física do sistema. Por exemplo, a velocidade da luz é importante quando as velocidade são muito altas, mas ela não aparece na descrição dos movimentos de baixa velocidade, os do nosso dia-a-dia. Outra constante importante é a constante gravitacional de Newton, que determina a intensidade da atração gravitacional entre duas massas, sejam elas duas bolas de futebol ou o Sol e a Terra. Como é de esperar, essa constante só é relevante em situações nas quais a força gravitacional atua. Viajando ao mundo dos átomos, moléculas e partículas subatômicas, outras constantes vão aparecendo, determinando a intensidade das interações entre os constituintes fundamentais da matéria. Dois elétrons sofrem uma repulsão controlada pelo valor de sua carga elétrica, outra constante fundamental da natureza.

Ninguém sabe por que o elétron tem a carga que tem, mas seu valor é essencial na descrição dos átomos, estabelecendo as propriedades de vários materiais ou então de reações químicas. As constantes da natureza são como as impressões digitais do Universo onde vivemos. Caso mudem, mudam também as características físicas do mundo: átomos ficam instáveis; estrelas, planetas e pessoas, inviáveis. Algumas teorias sugerem que nosso Universo é muito particular -outros universos existiriam e suas constantes teriam valores que proibiriam a formação de estruturas complexas. Difícil saber. Outras teorias afirmam que todas as constantes são, em princípio, calculáveis a partir de uma só, a "mãe" de todas as constantes. Pode ser. No meio tempo, o desafio permanece. Será que um dia explicaremos por que a velocidade da luz é 300.000 km/s?