domingo, 14 de outubro de 2007

Injustiças do Nobel

Otto Hahn foi um grande cientista e merecia o prêmio. Mas não sozinho

Na semana que passou foram anunciados os Prêmios Nobel de Física e Química. Com certeza, alguns cientistas devem ter ficado agoniados, esperançosos de que este seria seu ano. Lembro-me bem, quando fazia meu pós-doutorado no Instituto de Física Teórica da Universidade da Califórnia, de que o físico Frank Wilczek ficava extremamente nervoso nessa época. Wilczek finalmente ganhou seu merecido Nobel em 2004, dividindo-o com David Gross e David Politzer. Os três descobriram uma propriedade importante das partículas chamadas quarks, que compõem os prótons e nêutrons no núcleo atômico.

Imagino que Wilczek durma mais sossegado desde então.O mesmo não pode ser dito de alguns físicos e químicos que não foram homenageados pelo prêmio, especialmente aqueles cujos próprios colegas, trabalhando nas descobertas com que estavam associados, o foram. Talvez o exemplo mais flagrante disso seja o Prêmio Nobel de Química de 1944, dado ao alemão Otto Hahn, "pela descoberta da fissão nuclear". A fissão é o processo no qual núcleos pesados, como os de urânio e plutônio, podem ser divididos quando atingidos por um nêutron ou outra partícula. É a fissão que está por trás do funcionamento dos reatores nucleares e das bombas atômicas, como as detonadas em Hiroshima e Nagasaki no final da 2ª Guerra Mundial.

Hahn foi um grande cientista e merecia o Nobel. Mas não sozinho. Seus resultados foram o fruto de uma colaboração de anos com a física austríaca Lise Meitner, iniciada em 1917. Meitner teve um papel fundamental na história da física nuclear. Forçada a fugir da Alemanha nazista em 1938 com apenas um anel de diamante no bolso, ela encontrou asilo na Suécia. Mesmo assim, continuou a corresponder-se com Hahn, que manteve seus experimentos em Berlim. Em 1939, Hahn publicou seus resultados sobre a fissão do urânio nos elementos bário e criptônio.

No dia seguinte, Meitner e seu sobrinho Otto Frisch publicam um artigo com a teoria por trás dos resultados de Hahn. Mesmo que Hahn tenha, em seu discurso de aceitação do Nobel em 1946, prestigiado a importância de Meitner em suas descobertas, nem ele nem o Comitê da Academia Real da Suécia viram como necessário que dividisse o prêmio com ela e Frisch, ou mesmo com Fritz Strassmann, que trabalhou com Hahn em seu laboratório. Como consolo, Hahn, Meitner e Strassmann dividiram a medalha Fermi em 1966, dada pelo governo americano. Mas a injustiça nunca foi corrigida.

Outro exemplo, mais próximo de nossa casa, é o do físico César Lattes, morto em 2005, um dos grandes nomes da ciência nacional. Em 1947, com apenas 23 anos, Lattes foi para a Universidade de Bristol, na Inglaterra, trabalhar no laboratório de Cecil Powell. Powell havia desenvolvido um método para detectar partículas submicroscópicas conhecido como emulsão nuclear, baseado no uso de placas fotográficas especializadas. Lattes aprimorou o método de Powell, convencendo a Kodak a aumentar a sensibilidade das placas, adicionando maiores quantidades de boro.

Munido das novas placas, Lattes e a equipe de Powell descobriram uma nova partícula da matéria, o méson pi (ou píon), responsável pelas interações entre prótons e nêutrons no núcleo atômico. Em 1947, o grupo escreveu um artigo para a revista "Nature" com a seguinte ordem de autores: C. Lattes, H. Muirhead, G. Occhialini e C. Powell. Ou seja, alfabética, com Lattes como primeiro autor. Em 1950, Powell recebeu o Nobel sozinho. Lattes, que fez muitas outras descobertas, nunca se conformou com a omissão.

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