domingo, 23 de dezembro de 2001

Chuvas extraterrestres

.
Em algumas culturas indígenas, como na Polinésia, acredita-se que uma substância mágica, chamada "mana", possa emanar e penetrar certos indivíduos e objetos, sendo capaz de causar grandes benefícios ou males. Em me lembro, quando garoto, do meu pai me instruindo a "ver" a mana caindo do céu. "Basta você se concentrar e abrir bem os olhos e você verá certas partículas de luz, faiscando aqui e ali, aparecendo e desaparecendo caoticamente." Segundo meu pai, essas partículas de luz eram o que os nativos da Polinésia chamam de mana.

Não sendo um especialista em oftalmologia, imagino que esses pontos de luz sejam alguma aberração que ocorre quando o cérebro processa a informação sensorial captada pelo olho e transmitida pelo nervo óptico. Mas o que importa para a discussão de hoje é apenas a crença, que não é só limitada aos nativos da Polinésia, de que existem coisas que caem dos céus ou emanam de pessoas e objetos e que são capazes de transportar energia. Pois o fato é que existem mesmo, embora sua influência nos afazeres humanos seja bem mais modesta do que se acredita nessas culturas.

Em 1912, o físico alemão Victor Hess detectou os primeiros raios cósmicos, chuvas de partículas originadas fora do Sistema Solar, compostas aproximadamente de 90% de prótons, 9% de núcleos atômicos do elemento químico hélio e de outros mais pesados e cerca de 1% de elétrons. Hess preparou um balão com hidrogênio e um detector de ionização, que mede quando um elétron é roubado do hidrogênio devido à colisão com outra partícula. Ele observou que a ionização aumentava com a altitude e ocorria de dia e à noite, sendo portanto independente do Sol.

A física brasileira, principalmente através do trabalho pioneiro de Cesar Lattes, tem uma longa participação no estudo dos raios cósmicos. Hoje, a pesquisa continua sendo tópico de grande interesse da comunidade científica. Ela está passando por uma renascença, com novos detectores sendo projetados. Inclusive um na Argentina, o Projeto Auger, parte de uma vasta colaboração internacional.

O enorme interesse atual se deve a duas questões básicas. A primeira é: de onde vêm os raios cósmicos? Eles são a única matéria que chega até a Terra cuja origem é externa ao Sistema Solar. Ou seja, os raios cósmicos são a única ligação material que temos com o resto de nossa galáxia. E, possivelmente, com outras galáxias também, visto que uma fração do que chega aqui é de origem extragaláctica, pequenos mensageiros cósmicos provenientes de distâncias de milhões de anos-luz. O único outro contato que temos com objetos tão distantes é feito por meio de observações astronômicas, usando as várias frequências do espectro eletromagnético, das ondas de rádio aos raios gama, incluindo, claro, a luz visível.

A segunda questão, que está relacionada com a primeira, é: quais os mecanismos astrofísicos responsáveis pela geração dos raios cósmicos? O mais interessante aqui é a incrível energia dessas partículas. Todas têm velocidades próximas da velocidade da luz, e algumas têm energias milhões de vezes maiores do que a atingida com aceleradores de partículas aqui na Terra. Mais ainda, as partículas parecem chegar igualmente de todas as direções, sem uma determinada preferência apontando para uma fonte específica. Trata-se de uma chuva que cai de todos os lados.

Existem três candidatos principais para explicar a geração dos raios cósmicos: eventos extremamente violentos que ocorrem no centro de nossa galáxia (e de outras), as explosões que marcam o fim da vida de estrelas bem maciças (mais do que oito vezes o Sol), conhecidas como supernovas, e eventos na vizinhança de objetos exóticos capazes de criar campos gravitacionais enormes, como os buracos negros e as estrelas de nêutrons, concentrações de matéria do tamanho de uma montanha, mas com uma massa semelhante à do Sol.

Muito possivelmente, a resposta virá de uma combinação desses candidatos e, talvez, de alguns outros, ainda mais exóticos. Os raios cósmicos mais energéticos necessitam de um mecanismo de geração que ainda não foi descoberto. Alguns especulam que eles sejam relíquias dos primeiros instantes de existência do Universo, ou seja, que eles surgiram logo após o Big Bang. Seja como for, o mana cósmico alimentará, por muito tempo, a imaginação dos astrofísicos.

domingo, 16 de dezembro de 2001

O misterioso spin e as limitações da linguagem

.
Em inglês, a palavra "spin" significa, entre outras coisas, movimento rotatório. Em física, usamos a palavra para designar a rotação intrínseca de partículas subatômicas, como o elétron, o próton etc. Essa representação do spin como uma rotação intrínseca de uma partícula é extremamente problemática, pois ela pressupõe que a partícula gira em torno de um eixo, como um pião ou um planeta. "E qual o problema com isso?", perguntaria o leitor. "Afinal, não podemos imaginar as partículas como sendo planetas minúsculos, girando em torno de um eixo?" Infelizmente, não.

Eis duas razões: primeiro, algumas partículas, ao menos dentro das distâncias com que podemos estudá-las hoje (em torno de um milésimo de trilionésimo de centímetro), não têm uma estrutura espacial, aparecendo como um ponto. O elétron, que gira em torno do núcleo, é um exemplo. Como visualizar o movimento giratório de um ponto, que não tem volume espacial? Segundo, todas as partículas respeitam o que na mecânica quântica, a parte da física que estuda as propriedades dos átomos e das partículas subatômicas, é conhecido como a dualidade onda-partícula. De acordo com essa dualidade, não podemos dizer a priori se uma entidade subatômica, seja ela um elétron, um próton ou um fóton (partículas que compõem a radiação eletromagnética, como a luz visível), é uma partícula localizada em um ponto ou uma pequena região do espaço ou uma onda, espalhada pelo espaço. E como podemos visualizar a rotação intrínseca de uma onda, o seu spin? Essas questões fazem com que o spin seja uma das propriedades mais misteriosas da física quântica.

Na verdade, o problema desaparece ao usarmos a matemática para descrever as propriedades dos átomos e das partículas subatômicas. O mundo do muito pequeno pertence a uma realidade física muito distinta da que presenciamos em nosso cotidiano, tornando delicado o uso de certas analogias tiradas de objetos usuais, como piões e planetas. O espanto causado pelas descobertas da mecânica quântica não foi nada menor para os seus próprios inventores, durante as três primeiras décadas do século 20.

O desenvolvimento da teoria foi quase que forçado goela abaixo por descobertas que ocorreram em laboratório e que não podiam ser explicadas através da consagrada física clássica, baseada nas idéias de Newton e outros. Físicos como Albert Einstein, Niels Bohr, Max Planck, Werner Heisenberg, Erwin Schrodinger, Wolfgang Pauli e muitos outros criaram uma nova linguagem matemática, baseada em princípios físicos extremamente exóticos, para poder explicar o que se estava vendo em laboratório. E uma das coisas que se via era a existência das chamadas linhas espectrais, a radiação (às vezes visível) emitida por elementos químicos quando aquecidos. O interessante era a individualidade desses espectros, um para cada elemento, como se eles fossem impressões digitais. O hidrogênio tem o seu espectro, o hélio também, o ouro outro, e assim por diante.

Em 1913, Bohr mostrou que o espectro do hidrogênio podia ser entendido se seu átomo tivesse um próton no núcleo e um elétron girando em torno dele em órbitas separadas, como degraus de uma escada. Cada órbita tem uma energia fixa. Quando o elétron "pula" de uma órbita mais alta para uma mais baixa, ele emite radiação (fótons) revelando o seu espectro. E átomos maiores, como o hélio, com dois prótons e dois elétrons, ou o urânio, com 92 prótons? Para entender o espectro desses átomos, ficou claro que no máximo dois elétrons podiam ocupar cada órbita, tendo a mesma energia. O elétron é bastante anti-social e não gosta de companhia: dois é bom e três já é demais. Esse princípio é conhecido como princípio de exclusão de Pauli. A razão para que apenas dois elétrons ocupem a mesma órbita é atribuída ao spin, que só pode ter dois valores, positivo e negativo, como um pião, que só pode rodar nos sentidos horário e anti-horário.

Portanto, cada órbita atômica pode conter no máximo dois elétrons com spins opostos. Eis a imagem clássica dos piões de volta. A grande diferença é que um pião pode rodar com qualquer velocidade e em qualquer ângulo de inclinação com a vertical. Já a rotação do elétron é limitada a duas opções, isto é, é quantizada nos dois valores do seu spin. Temos de imaginar um "pião quântico".

A origem do spin permanece misteriosa. E o fato de ele ser "quantizado" também. Esse exemplo mostra que a ciência não precisa ter todas as respostas para ser eficiente. Ao propor a existência do spin, os físicos explicaram os resultados experimentais com grande sucesso. Possivelmente, um dia será a vez do spin.

domingo, 9 de dezembro de 2001

Definindo o ser humano

.
No dia 25 de novembro, um grupo de médicos e cientistas norte-americanos anunciou haver conseguido, pela primeira vez na história, clonar um embrião humano a partir da fusão de uma única célula adulta com um óvulo. Após algumas horas, o clone chegou a conter seis células, antes de cessar o seu desenvolvimento. Digo "cessar o seu desenvolvimento" porque não me é claro como expressar o fato de que o conjunto de seis células parou de se reproduzir. Será que devo dizer que o embrião morreu?

Esse assunto é extremamente controverso e difícil de ser tratado. Não é óbvio para a maioria dos cientistas que uma massa de seis células deva ser chamada de "embrião" ou que essa massa "morra" ao cessar a sua reprodução. O que ficou claro é que vários grupos privados estão tentando clonar seres humanos, ignorando o debate sobre as consequências éticas de suas experiências.

Imediatamente após a Advanced Cell Technology (ACT, ou "Tecnologia Celular Avançada") anunciar sua descoberta, várias outras companhias afirmaram também já ter obtido "embriões". Por exemplo, cientistas da companhia Clonaid, da Califórnia, que, entre outras coisas, defende a existência de Ovnis, afirmam ter conseguido chegar a clones com oito células, duas a mais do que os cientistas da ACT. Segundo a porta-voz da Clonaid, assim que a patente de seus métodos for autenticada, a companhia divulgará os resultados publicamente.
O italiano Severino Antinori afirmou ter clonado um bebê que nascerá até o Natal. O simbolismo de ter o primeiro bebê clonado nascendo no Natal não poderia ser mais irresponsável.

À parte toda a controvérsia ética sobre a clonagem de seres humanos, existe também a controvérsia científica: os resultados da ACT mostram o quanto é difícil clonar embriões humanos. Dos 19 experimentos, apenas 3 se desenvolveram além de uma célula, e nenhum passou de seis. O objetivo dos cientistas da ACT, como o da maioria dos cientistas que trabalham nessa área, não é a clonagem de um ser humano, mas o desenvolvimento de embriões até o estágio em que possam fornecer as células-tronco, capazes de se transformar nos vários órgãos do corpo humano. Para tal, basta que o conjunto de células chegue a formar um blastocisto, embrião com algumas centenas de células. Apesar de os resultados da ACT estarem longe de atingir seu objetivo, estimularam um debate ético e político sério.

As linhas divisórias do conflito são bastante claras; líderes religiosos e políticos conservadores condenam qualquer clonagem envolvendo células humanas, alegando que extrair células-tronco de um blastocisto é equivalente a assassinar um ser humano. Ou seja, que um conjunto de 150 células tem os mesmos direitos legais à vida de um feto de três meses ou de um ser adulto.
Os mais liberais alegam que os benefícios médicos do uso dos órgãos criados a partir das células-tronco justificam a clonagem de embriões humanos. Isso não significa que esses grupos sejam a favor da clonagem de seres humanos: os blastocistos são destruídos no processo de extração das células-tronco. A questão é se eles têm ou não direito à vida.

A ciência nos força a repensar nossos valores morais e éticos. A pílula foi e é vista com desdém pela Igreja Católica, assim como o aborto, mas as pessoas usam a pílula e praticam abortos. Apesar da resistência contra o uso da energia atômica e contra a proliferação de armas nucleares, centenas de usinas operam hoje em dezenas de países, enquanto o estoque de bombas é suficiente para aniquilar a vida sobre a Terra diversas vezes.

Meu ponto é que a censura de certos grupos, sejam liberais ou conservadores, jamais vai conter o desenvolvimento da ciência, especialmente quando atende a interesses políticos ou comerciais. A clonagem de embriões humanos, ao menos para a extração de células-tronco, é uma questão de tempo. Os tecidos e órgãos obtidos dessas células vão salvar ou melhorar a vida de milhões de pessoas que sofrem de mal de Parkinson, Alzheimer e outras doenças sem cura.

Já a clonagem de um ser humano completo é muito mais complexa, clinicamente inútil, e não parece óbvio que possa ser atingida a curto prazo. Certamente, não antes do Natal. Cabe aos cientistas e à sociedade criar um diálogo aberto para que desenvolvimentos nessa área não ocorram em segredo. Porque me parece que eles são inevitáveis.

domingo, 2 de dezembro de 2001

Água, suor e vapor

Como verificamos a cada vez que nos aventuramos na cozinha, a maioria das substâncias existe em três fases distintas: sólida, líquida, e gasosa. Nada melhor do que a água para ilustrar o fato de que uma substância em uma determinada fase pode se transformar em uma das outras quando submetida a uma mudança externa, de temperatura ou pressão, por exemplo.
Essa mudanças entre as diferentes fases são conhecidas como transições de fase, ocorrendo a temperaturas e pressões características de cada substância. Ao nível do mar, a água ferve a 100C. Mas, a uma altitude de 3.000 metros, a água ferve a apenas 90C.

Esse fato é bem conhecido daqueles que acampam em montanhas e tentam ferver água para fazer um chá ou um ovo duro. A altitudes elevadas, o chá nunca vai ser muito quente e o ovo duro vai demorar bem mais do que três minutos para cozinhar. Essa mudança na temperatura de ebulição da água se deve à queda da pressão atmosférica a altas altitudes. No nível molecular, as três fases são caracterizadas pela competição entre a tendência das moléculas a se atrair quimicamente e a sua energia de agitação térmica, que tende a destruir as ligações químicas existentes entre elas.

Na fase gasosa, as altas temperaturas impedem que as moléculas se liguem, de modo que elas se movimentam livremente, colidindo ocasionalmente entre si. Na fase líquida, a queda de temperatura permite que as moléculas se liguem umas às outras, mas ainda mantendo uma certa liberdade, sem criar um padrão espacial fixo. Já na fase sólida, as moléculas atraem-se fortemente, formando estruturas espaciais rígidas, que muitas vezes exibem uma belíssima simetria cristalina.

Imagine a superfície de um líquido. Moléculas do líquido atraem-se quimicamente, mas também são agitadas devido à sua energia térmica. De vez em quando, uma molécula recebe empurrões de suas vizinhas, que são fortes o suficiente para expeli-la da superfície do líquido. Quanto mais alta a temperatura, maior a agitação térmica das moléculas e mais fácil é que uma molécula escape.

Quando isso acontece, a molécula leva consigo parte da energia térmica e o líquido resfria. Aliás, é esse o mecanismo usado pelo corpo humano quando a sua temperatura aumenta: o suor que evapora da pele leva consigo parte do calor, causando uma queda de temperatura. Portanto, para ferver um líquido é preciso adicionar uma boa quantidade de calor, de modo a aumentar a sua temperatura mesmo que algumas de suas moléculas consigam escapar. O líquido começa a ferver quando a pressão causada por essas moléculas que escapam se iguala à pressão atmosférica, que as força de volta ao líquido.

Mais especificamente, um líquido ferve quando bolhas de vapor aparecem em seu interior e conseguem escapar de sua superfície. Uma bolha surge quando várias moléculas do líquido conseguem escapar de suas vizinhas, criando uma cavidade com as moléculas livres típicas da fase gasosa.

Como o vapor é menos denso que o líquido, a bolha irá subir até a superfície do líquido e tentar escapar, muitas vezes crescendo devido à adesão de mais moléculas de vapor. Se a pressão do vapor for maior do que a pressão atmosférica, a bolha conseguirá escapar e o líquido entrará em ebulição. Caso contrário, a bolha de vapor será comprimida até desaparecer. Voltando à montanha, a altas altitudes a atmosfera é mais rarefeita, exercendo uma pressão menor sobre a superfície do líquido. Com isso, fica mais fácil para as bolhas de vapor escaparem, explicando por que o líquido ferve a temperaturas mais baixas.

Mas ficou faltando um detalhe nessa descrição da ebulição: as moléculas não só escapam da superfície do líquido como podem também retornar a ela. Existe uma troca constante de moléculas entre as fases líquida e gasosa, como se a superfície do líquido fosse um aeroporto com aviões pousando e decolando o tempo todo: se um número maior de moléculas deixar a superfície, o líquido está evaporando; caso contrário, é o vapor que está se condensando.

O que determina se mais moléculas condensam ou evaporam é a umidade relativa, velha conhecida dos boletins meteorológicos. Se a umidade relativa for 100%, existe um equilíbrio entre líquido e vapor. Se for menor, a evaporação ganha. E, se for maior, ganha a condensação. É por isso que quando a umidade relativa do ar é alta, o suor "gruda" no corpo. Poucas moléculas evaporam. O jeito é ligar o ventilador, forçando as moléculas a abandonar a superfície do corpo e levando o calor com elas.

domingo, 25 de novembro de 2001

Toda singularidade nua será castigada

.
Quando Einstein terminou a formulação de sua teoria da relatividade geral, em 1916, ele mal podia imaginar que os buracos negros levariam as suas idéias a ter consequências que ele mesmo não iria gostar. Segundo Einstein, a presença de uma massa (ou de energia, já que matéria e energia podem ser entendidas conjuntamente) curva o espaço à sua volta e afeta também a passagem do tempo. Ou seja, o que seria uma linha reta a uma grande distância da massa vira uma linha curva perto dela. Já um relógio bate mais devagar na vizinhança de uma massa, quando visto por um observador longe dela.

Esses efeitos espaço-temporais são extremamente pequenos para massas comuns, como uma pessoa ou mesmo uma montanha. Mas quando lidamos com objetos astronômicos, como o Sol, eles se tornam mais importantes. De fato, os efeitos previstos por Einstein dependem da "densidade" do objeto, da quantidade de matéria que existe em seu volume. Por exemplo, uma pessoa com 70 quilos não tem uma densidade muito grande, mas se encolhermos essa pessoa mantendo a sua massa fixa até o tamanho de uma bola de gude, sua densidade fica muito maior. O que controla a importância dos efeitos previstos por Einstein é, em um corpo esférico, a razão da massa do corpo (M) pelo seu raio (R), M/R.

Como a gravidade é atrativa, se ela atuasse sozinha, todos os objetos tenderiam a encolher até um ponto com densidade infinita. Como nós não somos pontos com densidade infinita, sabemos que existem outras forças na natureza contrabalançando a atração gravitacional, dando estabilidade aos objetos do mundo. Por exemplo, uma estrela existe por causa do equilíbrio entre a atração gravitacional, que tende a fazer com que a estrela encolha, e a produção de radiação em seu interior através da fusão nuclear de hidrogênio em hélio. Essa fusão do elemento químico mais leve (hidrogênio) no segundo elemento mais leve é que produz a energia capaz de balancear a estrela. No caso do Sol, a fusão continua sem problemas durante 10 bilhões de anos (estamos na metade do ciclo). Depois disso, a gravidade fará com que o Sol encolha até ele encontrar um novo estado de equilíbrio em forma de "anã branca", uma estrela tão densa que uma bola de gude feita de seu material teria o mesmo peso que a Torre Eiffel.

Mas o Sol é uma estrela pequena. Estrelas bem maiores não têm a mesma sorte e continuam a encolher devido à sua própria gravidade, sem encontrar um novo estado de equilíbrio. Nesse caso, como a sua massa permanece aproximadamente constante e o seu raio diminui cada vez mais, como um balão sendo comprimido, os efeitos gravitacionais (M/R) crescem cada vez e as correções previstas por Einstein eventualmente passam a ser importantes. O trágico é que, como nada pode deter esse colapso, a gravidade da estrela vai encurvando o espaço cada vez mais até que ele efetivamente se fecha sobre si mesmo: não podemos ver o que está ocorrendo dentro dele, já que nenhuma informação pode escapar de dentro para fora, nem mesmo a luz. Assim nasce um buraco negro, uma espécie de véu separando o nosso mundo do mundo encurvado sobre si mesmo circundando os restos da estrela.

Das inúmeras questões que surgem com relação aos buracos negros, uma das mais interessantes é o que acontece no seu centro. Segundo as leis da relatividade geral, no centro existe uma "singularidade" espaço-temporal, um ponto onde a gravidade é infinita. Em física, essas singularidades apontam para os limites de uma teoria; a relatividade de Einstein não pode descrever o que ocorre no centro de um buraco negro. A distâncias muito pequenas precisamos também usar a mecânica quântica, que estuda a física atômica e subatômica. O problema é que não sabemos como casar as duas teorias, a gravidade e a mecânica quântica. E o mais chocante é que a mecânica quântica prevê que o buraco negro evapora aos poucos, ficando cada vez menor, até que apenas o seu centro absurdo nos seja revelado! Essa possibilidade causa pesadelos aos físicos, que conjecturam que essa "singularidade nua" não pode ser revelada. O termo "censura cósmica" foi criado, supondo que algo ocorrerá antes de vermos a singularidade nua, mantendo a moralidade cósmica. As leis da física não se quebram, apenas o nosso conhecimento. É possível que a singularidade não exista e que os buracos negros tenham um fim bem mais discreto do que nos revelar a sua nudez. Talvez tudo se resolva quando casarmos as duas teorias. Mas esse casamento está muito difícil de ser arranjado.

domingo, 18 de novembro de 2001

A física do arco-íris

.
Quem jamais correu atrás de um arco-íris, procurando pelo legendário pote de ouro e, quem sabe, até pelo duende que supostamente existe em seus arredores? Eu confesso que, juntamente com meus primos, montei várias expedições à procura do começo do arco-íris, sem dar muita bola para as "superstições" (assim pensava então) de que era impossível passar por baixo de um. Após várias tentativas frustradas, que meus pais chamavam de teimosia e eu de persistência, acabei por me convencer, empiricamente, de que realmente não dava para achar a base ou passar por baixo de um arco-íris.

Tudo começa com a descrição da luz do Sol em termos de ondas. Apesar de a luz do Sol ser branca, ela é, na verdade, formada por uma superposição de todos os tons do que chamamos de espectro da luz visível, que vai do violeta ao vermelho, conforme vemos em um arco-íris.

Esse não é todo o espectro da luz solar, pois ela também contém frequências que são invisíveis para nós, como o infravermelho e o ultravioleta. Mas, como o nosso assunto é o arco-íris, vamos nos concentrar na luz visível. Toda onda pode ser descrita pelo seu comprimento, que é a distância entre duas cristas consecutivas. Por exemplo, você pode fabricar ondas na sua banheira fazendo o seu dedo tocar a superfície da água regularmente. Quanto menor é o intervalo entre os toques, menor o comprimento das ondas.

Para entendermos a física do arco-íris, precisamos de três efeitos ópticos: a reflexão, a dispersão e a refração. O arco-íris ocorre quando a luz do Sol, que está situado atrás do observador, encontra gotas d'água em suspensão na atmosfera. As gotas d'água refletem, dispersam e refratam a luz do Sol. Que a luz do Sol é refletida ao passar de um meio a outro (do ar para a água no caso do arco-íris) não é nenhum mistério. Dependendo do meio, ela pode ser mais ou menos refletida. Por exemplo, um espelho reflete a luz muito bem, mas mesmo um vidro qualquer reflete a nossa imagem ao menos parcialmente. O mesmo com a água.

Ocorre que a luz muda de velocidade quando ela viaja através de meios diferentes. Isso porque a luz é, na verdade, composta por ondas eletromagnéticas, que interagem com as moléculas do meio que ela atravessa. Como a luz é formada por ondas de comprimentos diferentes, cada um deles vai interagir de modo distinto com as moléculas do meio, como numa corrida de obstáculos.

Ondas com comprimento muito maior do que as moléculas (os obstáculos) atravessam sem vê-las, enquanto ondas de tamanhos semelhantes vão sentir a presença delas e sofrer atrasos em sua propagação. Ou seja, cores diferentes propagam-se com velocidades diferentes através de um meio material. No caso da água, a luz violeta sofre os maiores atrasos, enquanto a luz vermelha sofre os menores. Daí que a gota d'água funciona com uma espécie de filtro, separando a luz nos seus vários tons. Esse fenômeno é chamado de dispersão.

Imagine então uma onda de luz colidindo com uma gota d'água esférica como uma bola. A parte inferior da onda colide primeiro com a gota e diminui a sua velocidade antes da parte superior. Esse desequilíbrio faz com que a onda encurve para baixo sua direção de propagação através da gota. Essa mudança na direção de propagação da luz ao mudar de um meio a outro é a refração.

Quando a luz do Sol encontra a gota d'água ela se refrata, mudando a direção de sua propagação. Uma vez dentro da gota, será dispersada, com os tons de azul sofrendo maiores atrasos do que os tons de vermelho. Quanto maior a dispersão, maior a refração, ou seja, os tons de azul sofrem maiores desvios do que os tons de vermelho. Com isso, as várias cores vão se chocar com o fundo da gota em pontos diferentes, as de tom azul mais abaixo do que as de vermelho. Ao chegar no fundo da gota, as ondas são mais uma vez parcialmente refletidas de volta e, ao sair para o ar, refratadas, antes de viajar de volta em nossa direção.

A luz que volta até nós vem separada pelas gotas d'água, de modo que as gotas inferiores refletem em nossa direção preferencialmente os tons de violeta, enquanto as superiores refletem os tons de vermelho. Apenas a luz refletida pelas gotas situadas em um arco atinge os nossos olhos, o resto sendo perdido em outras direções. Se existe ouro em um arco-íris, ele é dado pela sua beleza e pelo fato de que podemos compreendê-la.

domingo, 11 de novembro de 2001

Reflexões reducionistas

.
Em 1992, o grande físico norte-americano Steven Weinberg publicou um livro com o título "Sonhos de uma Teoria Final". Weinberg recebeu o Prêmio Nobel de 1979, juntamente com Sheldon Glashow e Abdus Salam, pela elaboração de uma teoria que descreve as interações eletromagnéticas e as interações fracas de forma "unificada". A teoria mostra que, acima de uma determinada energia, as duas interações (ou forças) se comportam de modo semelhante, justificando uma descrição única de sua ação sobre os tijolos fundamentais da matéria, as partículas elementares.

Segundo a física das altas energias, é possível descrever a natureza em seu aspecto mais fundamental como sendo composta por partículas indivisíveis de matéria -os tijolos fundamentais que interagem entre si por meio de quatro forças: a gravidade, o eletromagnetismo e as forças nucleares forte e fraca que, como diz o nome, só atuam dentro do núcleo atômico. A construção de uma teoria "unificada" das interações eletromagnética e fraca pode ser vista como uma grande simplificação do comportamento da matéria em altas energias: nessas energias a natureza é mais simples do que nas energias mais baixas do nosso dia-a-dia, e apenas três forças são suficientes para descrever as interações entre as partículas de matéria.

Weinberg é um dos defensores mais acirrados da aplicação do princípio reducionista à física de altas energias. Ele acredita que, no nível mais fundamental, a natureza é essencialmente simples, comportando apenas uma única interação, que é descrita pela "teoria final". Essa teoria deverá ser construída sobre uma estrutura matemática complexa, onde o princípio mais importante é o da simetria: quanto mais simples um sistema, mais simétrico ele é e menos informação é necessária na sua descrição.

Imagine, por exemplo, uma esfera perfeita e compare-a com outra, cheia de pequenas deformações e rasgos. Qual é o objeto mais simples? Claro que a esfera perfeita: para descrevê-la basta sabermos um número, o seu raio. Já a outra é muito mais complicada e um número muito maior de detalhes é necessário na sua descrição. Segundo a teoria final, a natureza no seu nível mais fundamental é como uma esfera perfeita: simétrica e simples, com um número mínimo de detalhes necessários para sua descrição. Ou seja, o sonho de uma teoria final é na verdade o triunfo final do reducionismo.

É impossível não se deixar seduzir pela elegância do reducionismo. Existe algo profundamente atraente na possibilidade de reduzir a essência da natureza a algo simples, simétrico, elegante, algo que acalme anseios de que, no fundo, as coisas não sejam assim tão complicadas, de que as atribulações da vida sejam só fachada e que o mundo seja, afinal, compreensível e ordenado, não caótico e imprevisível. Na física, essa expectativa só faz sentido se for confirmada por dados experimentais. E a confirmação da teoria da unificação "eletrofraca" no início dos anos 80 certamente pôs lenha no fogo, alimentando as esperanças de que, de fato, o sonho de uma teoria final pudesse se tornar realidade.

Várias teorias foram propostas para unificar a interação forte com a interação eletrofraca em energias ainda mais altas. Aliás, a energia onde a unificação das três forças se manifesta é tão elevada que ela só existiu nos primeiros instantes após o Big Bang, evento que marcou a origem do Universo. Teorias incluindo a força gravitacional também foram propostas, completando assim a unificação das quatro forças da natureza.

Como se viu acima, essas teorias são fundamentadas no conceito de simetria. Segundo elas, por trás do véu que esconde a essência da natureza existem apenas simetria e leis que regem o comportamento da matéria e suas interações. Essa noção é uma herança da filosofia de Platão, onde a essência do mundo é composta por formas geométricas perfeitas que não podemos vislumbrar pelos sentidos, apenas por meio da razão.

Passados 20 anos desde a confirmação da teoria eletrofraca, ainda não há qualquer indicação concreta de que as quatro forças da natureza sejam de fato apenas uma. No entanto, centenas de físicos no mundo inteiro vêm se dedicando ao ideal da unificação final, alimentados por algumas pistas experimentais e uma inspiração platônica. Apenas o tempo dirá se, de fato, a natureza corresponderá às nossas expectativas, ou se teremos de adaptar os nossos sonhos a uma realidade que reside além deles, inelegante, mas nem por isso menos bela.

domingo, 4 de novembro de 2001

As cores do céu

.
Nossa espécie, como todas as outras, evoluiu de modo a adaptar-se o melhor possível ao mundo. Porém, ao que sabemos, os humanos são os únicos que podem também apreciar a beleza desse mundo, consequência de um aprimorado senso estético que, sem dúvida, também exerce uma função evolutiva. É verdade que a plumagem e o canto dos pássaros machos funcionam como instrumentos de sedução de suas parceiras. Mas não imagino que um pássaro ou um cachorro ou uma formiga olhem para o céu e exclamem à sua maneira "Que lindo dia! Veja só como o céu está azul!"

Nossa visão é sensível a uma janela bastante limitada do espectro eletromagnético, que cobre todas as frequências da radiação produzida pelo movimento acelerado das cargas elétricas. O que chamamos de "luz visível" inclui frequências que variam aproximadamente entre 400 e 800 trilhões de Hertz, ou ciclos por segundo. Essa radiação eletromagnética se propaga pelo espaço vazio com a velocidade da luz, de 300 mil quilômetros por segundo, na forma de ondas.

Podemos caracterizá-las pelo seu comprimento de onda, a distância entre duas cristas sucessivas. (O leitor pode fabricar ondas de comprimento diferente do seguinte modo: encha uma banheira com água e toque a sua superfície regularmente. A cada "experimento", varie o intervalo de tempo entre os toques, ora aumentando-o, ora diminuindo-o. Os ciclos mais lentos, de menor frequência, geram ondas de comprimento maior.)

A luz do Sol que chega até nós é produzida em uma região chamada "fotosfera", cuja temperatura é de 5.800C. A essa temperatura, os átomos vibram tão rapidamente que geram radiação concentrada no visível, com um pouco de infravermelho (que, apesar de invisível, sentimos como calor) e ultravioleta (que também é invisível, mas causa o bronzeado na pele). Nossos olhos evoluíram para que pudéssemos ver o mundo através da radiação que vem do Sol.
Por que o céu é azul? A velocidade da luz diminui quando ela passa do espaço vazio para um meio material, como a atmosfera. Diferentes meios materiais causam variações na velocidade da luz. Para entendermos por que, devemos estudar a anatomia das ondas luminosas.

Vamos voltar ao experimento na banheira. Imagine que o seu dedo seja uma carga elétrica cuja vibração provoca a propagação de ondas. Essas ondas transmitem informação. No caso do dedo, elas transmitem a informação de que você está depositando regularmente energia na água. As ondas luminosas transmitem informação sobre como as cargas elétricas que a geraram estão se movendo. Quando essa onda encontra outras cargas, ela vai passar (ou tentar passar) essa informação para elas. Com isso, a passagem de uma onda luminosa pode, em certas circunstâncias, fazer outras cargas vibrarem.

O que determina essas circunstâncias é a compatibilidade entre o tamanho da onda luminosa, seu comprimento de onda, e o tamanho de seus alvos, a distribuição de cargas que ela encontra. Se as ondas forem muito maiores do que os seus alvos, nada acontecerá. Mas, quando os alvos tiverem dimensões comparáveis ao comprimento de onda da luz incidente, parte da energia da onda será absorvida, fazendo suas cargas vibrarem e reemitirem a radiação, efetivamente espalhando-a em todas as direções. Esse processo de absorção e reemissão de radiação "atrasa" a passagem da onda luminosa, diminuindo sua velocidade de propagação através do meio material.

A maior parte da luz solar atravessa a atmosfera e é vista por nós como o disco do Sol. Porém, a luz nos vários tons de azul tem os menores comprimentos de onda do espectro visível. Ela é a única que pode ser absorvida e reemitida pelas minúsculas partículas de ar na atmosfera, sendo assim espalhada em todas as direções. Daí o céu inteiro ser azul.

E o pôr-do-sol? Note que ele é mais avermelhado na vizinhança do Sol. Durante o pôr-do-sol, a luz solar deve atravessar a atmosfera por uma distância maior. Com isso, a luz azul é espalhada tão eficientemente que nem chegamos a vê-la, sobrando apenas as porções mais avermelhadas do espectro visível, as menos espalhadas. Aliás, quanto mais poluída a atmosfera, mais vermelho o crepúsculo, já que as partículas em suspensão espalham ainda mais eficientemente a luz azul. Basta comparar o pôr-do-sol na Grande São Paulo com um no campo.

segunda-feira, 29 de outubro de 2001

Fisica para todos

Em seu último livro, O fim da Terra e do céu, Marcelo Gleiser comprova seu talento para aproximar a física de todos. A paixão pela ciência e o dom para contar histórias são seus trunfos para tornar compreensível qualquer teoria, pesquisa ou descoberta. Ele consegue até provar que as visões da ciência e da religião sobre o fim do mundo estão mais próximas do que se pensa.


Marcelo Gleiser é o professor de Física que todo mundo gostaria de ter. No lugar de frases pomposas como "considere uma partícula" ou "despreze a resistência do ar", ele conta episódios deliciosos da história da ciência e da vida dos cientistas. Em vez de passar a aula inteira expondo fórmulas no quadro-negro, apresenta os fundamentos da física no laboratório, com demonstrações e experiências. "A ciência é ensinada de uma maneira tão chata que é um milagre as pessoas desejarem ser cientistas", queixa-se.

A tática é infalível. A disciplina Física para Poetas, que ministra no Dartmouth College, é a mais popular da universidade. É disputada até por alunos cujos cursos nada têm a ver com as leis de Newton ou da Termodinâmica. Para explicar a proeza, usa um expediente comum às suas aulas: as metáforas. "Do mesmo modo que você vai ao teatro assistir a uma ópera sem saber ler uma partitura ou tocar um instrumento, não precisa saber matemática para apreciar a beleza das idéias científicas."

É esse o seu jeito de tornar fáceis as mais intricadas teorias da Astrofísica ou Física Quântica. "Eu explico como é um buraco negro usando analogias, metáforas do dia-a-dia, histórias de que as pessoas possam fazer parte". Durante sua vinda ao país para lançar seu último livro, O fim da Terra e do céu, ele conversou com o Educacional por mais de uma hora. O papo foi longo e, como suas aulas, cativante. Para ele, a ciência "explica a natureza e cria novos mundos que não percebemos com nossos sentidos".

A seguir, ele fala das visões científicas e religiosas sobre o Apocalipse, dos avanços e limitações da ciência, de divulgação e ficção científica e mostra como melhorar as aulas de Física. Ele conta que sua queda pela física vem desde os tempos da escola, quando chegou a ter um grupo de estudos com os colegas, mas precisou enfrentar a pressão da família que preferia vê-lo engenheiro químico.

Nos seus livros, em que momento ciência e religião se encontram?
O meu primeiro livro, Dança do Universo, que saiu em 97 no Brasil, tratava sobre a origem de tudo. Não só sobre o big bang, mas também como várias religiões trataram a questão da origem do mundo. Eu achei que podia continuar essa reflexão — de como a ciência e a religião são interdependentes —, tratando também do fim do mundo. Resolvi mostrar como a ciência usou idéias da religião e, de certa forma, deu uma explicação racional ao que antes era só profecia.
Em todos os relatos do fim dos tempos, do juízo final, ele vem anunciado pelo caos celeste. Você tem essa associação, por exemplo, no livro do Apocalipse, de João, em que se descreve o caos cósmico: as estrelas caem do céu, o Sol fica negro, etc. Percebi que os astrônomos que deram início à física moderna também falaram dessas coisas. Você lê os textos de Newton, Haley e Laplace e eles falam que é mesmo possível que um asteróide — no caso, era mais um cometa — se chocasse com a Terra e causasse o Apocalipse.
O que eu faço é explorar essa complementaridade da ciência e da religião, mostrando que ambas respondem às mesmas perguntas de maneira diferente.

O ponto de encontro são as perguntas...
Se você quiser ter um ponto de encontro, vai encontrá-lo nas perguntas, nas idéias sobre a origem do Universo. Ciência e religião são complementares, são modos diferentes de expressar nossas dúvidas. Os grandes anseios que antes eram perguntas só da religião, hoje são perguntas também da ciência.

Como o senhor vê o fato de as grandes dúvidas — sobre a origem e o fim do mundo — interessarem hoje à ciência? Para cientistas como Fritjof Capra, isso é sinal de que separar e classificar os conhecimentos é uma tendência em crise, que é preciso entender os fenômenos em sua totalidade, se aproximar da religião...
Eu discordo de uma tendência infeliz que existe, em que se misturam ciência e esoterismo e se pensa que a física moderna está repetindo os ensinamentos dos grandes taoístas e zen-budistas do passado. Eu acho que não é por aí.

Então, o senhor acha que, para a ciência avançar na busca da resposta às grandes dúvidas, não é preciso que ela incorpore outros tipos de conhecimento, religiosos inclusive?
Isso é extremamente subjetivo, depende muito de cada um. Eu tendo a ver as coisas de maneira mais universal, mais multidisciplinar. Não é à toa que, quando escrevo livros, misturo tanta coisa: religião, ciência, filosofia, artes. Grandes pulos da ciência são dados justamente quando há uma junção de disciplinas, uma mistura mesmo. Cada vez mais, isso se torna verdade. Por exemplo: existem ciências emergentes, como a exobiologia — a biologia da vida extraterrestre —, em que se misturam biologia, astronomia, geologia, geofísica e química. Você está pulando barreiras. Então, pode pensar nas implicações éticas e religiosas de descobrir vida fora da Terra.
Acho que as grandes questões sempre são multidisciplinares por definição. Elas nunca vão ter uma resposta específica. Vão ter várias respostas que se complementam. Questões como a origem e o fim do mundo, envolvem tantas variáveis que são multidisciplinares e têm de ser respondidas de maneira geral.

É por isso que nem todo avanço científico e tecnológico tem sido capaz de diminuir o número de pessoas que se voltam para o esoterismo?
Eu acho que isso não é uma coisa tão nova. Mas talvez só agora a gente perceba melhor essa atração pelo sobrenatural, pelo esotérico. Eu acho que isso aí é um grande barômetro social. A maioria não tem acesso aos processos de tomada de decisão, só sofre as conseqüências... Quanto pior está a situação social, econômica, espiritual e quanto maiores forem os anseios, mais você tende a se apegar ao esoterismo.

O sucesso dos livros de auto-ajuda também é reflexo disso?
Por que eles são chamados de livros de auto-ajuda? Você fala com um astrólogo e ele diz que você tem uma participação individual na conjunção dos astros, do cosmos. É uma coisa que faz você se sentir importante. Outro exemplo é essa euforia em torno de fadas, duendes, gnomos e anjos ou ainda essa explosão do evangelismo no Brasil. Em 20 anos, mais de 20% da população virou evangélica... O que está acontecendo é que as pessoas estão precisando de novas respostas e, como a ciência não é tão popular quanto deveria ser — essa é uma de minhas cruzadas —, estão se apegando às coisas mais óbvias e acessíveis, que são a auto-ajuda e o esoterismo.

Mas isso não quer dizer que a ciência tenha essas novas respostas a que o senhor se refere, uma explicação científica para tudo... Ou o senhor acha que ela tem?
É claro que não, sem a menor dúvida. A ciência é incompleta, é criação nossa e nós somos seres incompletos. Se bem que alguns acham que não são (risos). Eu acho que somos. Fica claro quando você estuda a história da ciência que, cada vez que você descobre respostas para certas perguntas, muitas outras surgem. Não existe um fim, existe uma busca e, para mim, o fundamental é você participar dela e não tentar se focar somente na resposta, no objetivo final. O que nos transforma e nos torna pessoas melhores é participar dessa busca.

Nessa busca, uma pergunta é inevitável: para onde vamos? E essa pergunta remete ao tema do livro: a morte, o fim do mundo. O senhor acha que a ciência mudou a maneira com que o homem encara a morte?
Imagine você no século catorze, no meio da epidemia de peste, quando as pessoas morriam na rua. Aliás, a morte na rua já foi uma maneira muito clara de você aterrorizar a população. Você pendurava os mortos na rua, como o que aconteceu com Tiradentes. Hoje, você ver uma pessoa ser atropelada é um choque, uma coisa horrenda. Acho que os avanços da ciência tornaram a morte uma coisa mais distante, mas certamente não menos assustadora ou aterrorizante. Ninguém aceita a idéia da morte de maneira pacífica. Todo mundo se questiona sobre a origem de tudo e sobre o fim. Por quê? Porque nós somos uma espécie que tem a bênção e a maldição de perceber a passagem do tempo e ser consciente da própria morte. Eu falo que isso é uma maldição porque causa muita dor, muito sofrimento, mas, por outro lado, acho que dá vazão a muito da criatividade humana. Eu acho que muito da poesia, da pintura, das artes foi criado justamente por causa desse anseio nosso de preservar, de alguma forma, a nossa permanência aqui no nosso planeta.

O senhor mencionou rapidamente seu trabalho de divulgação científica. Como professores podem tornar a ciência mais popular?
Eu sempre digo que, infelizmente, a ciência é ensinada de uma maneira tão chata que é um milagre as pessoas desejarem ser cientistas. Por quê? Porque a ciência é ensinada como um formulário. Quando você fala de movimento retilíneo uniforme, parece até missa: "eme, erre, u". Essas coisas são totalmente desligadas da história da ciência, que é extremamente interessante, cheia de aventuras e desventuras. Você não sabe quem é Newton ou Galileu. Você não aprende quem são essas pessoas, só as fórmulas que elas inventaram. Falta inserir a ciência no contexto da história das idéias, mostrar que ela é parte da cultura da humanidade, do processo cultural em que é criada, não só um conjunto de fórmulas. E faltam demonstrações em sala de aula. Infelizmente, na escola, a ciência é ensinada no quadro-negro. E ciência é "ver para crer", sabe? Você não pode falar sobre a queda dos objetos, o crescimento das células ou sobre reações químicas sem mostrar as coisas acontecendo.
Por exemplo: nos Estados Unidos e na Europa, é fundamental que se use o laboratório nas aulas de ciências. Ao fazerem experimentos, as crianças aprendem e, mais ainda, se maravilham com aquilo, porque participar do processo de descoberta é muito mais interessante que ver fórmulas no quadro-negro.
É essa a idéia do curso Física para Poetas que o senhor criou, resgatar a história da ciência e levar demonstrações e simulações para a sala de aula?
Esse é um curso que eu acho que toda universidade no Brasil deveria ter. Ele consiste basicamente em dar um curso de física e astronomia para pessoas que não vão ser cientistas. A pessoa vai fazer Letras, Cinema, Medicina e vai fazer esse curso também! Por quê? Porque o curso mostra como a ciência funciona, como ela foi criada, dentro do contexto histórico. Hoje, é o curso mais popular da universidade. Acabei de dá-lo no semestre passado e a turma tinha 182 alunos, que é muita coisa para qualquer universidade. Eu fazia as demonstrações no ato. Por exemplo: aquela afirmação do Galileu de que todos os corpos caem com a mesma aceleração, independente da massa. Você joga um elefante e uma pena da mesma altura, e os dois vão cair no chão ao mesmo tempo. É uma coisa totalmente contra-intuitiva: a pena vai caindo em curvas e o elefante cai direto. Como é possível? Você tem que tirar o ar, a resistência do ar. Temos um tubo de vidro com uma moeda e uma pena. Esse vidro é acoplado a uma bomba de vácuo que suga o ar de dentro. Você faz isso, e a pena e a moeda caem exatamente ao mesmo tempo.
Se eu falar "despreze a resistência do ar que um elefante e uma pena caem ao mesmo tempo", ninguém vai acreditar. Você pode aplicar a fórmula, mas só se vir aquilo acontecendo é que vai dizer: "É verdade mesmo". Tem um filmezinho dessa experiência que os cosmonautas fizeram na Lua, com um martelo caindo.
Você percebe duas coisas fundamentais: primeiro, o fenômeno em si acontecendo e, segundo, que a ciência explica a natureza e cria novos mundos que não percebemos com nossos sentidos. É tudo muito pequeno — coisas microscópicas ou menores ainda, partículas elementares — ou muito grande, como astros e estrelas. São mundos completamente invisíveis para nós, mas que são revelados pela ciência.

E a questão da linguagem com que a ciência é ensinada. Isso também precisa mudar?
Depende. Se você está ensinando ciência na escola, tem que usar a linguagem dela, que é a matemática. Mas você pode fazer isso de uma forma mais humana, mais multidisciplinar do que é feito normalmente. Não se deve apenas jogar uma fórmula no quadro-negro, mas mostrar o que ela significou quando foi criada no século XVII ou XVIII ou outro qualquer.

Talvez os professores que passam fórmulas no quadro-negro achem que física é apenas matemática...
Isso é uma coisa extremamente complexa. Você tem os matemáticos puros, que não têm o menor interesse em descrever fenômenos do mundo real. Eles se fazem perguntas do tipo: qual é o maior número primo? Ou estudam geometrias em dimensões maiores que três ou quatro... Mas, por incrível que pareça, aí é que está o paradoxo: essas matemáticas mais esdrúxulas e que, aparentemente, não têm nada a ver com a realidade, acabam, muitas vezes, encontrando aplicações na física. Alguns cientistas do século XIX, Riemann, Lobatchevski e Gauss, que estudaram essas geometrias, não tinham a menor idéia de que elas iam ser o pão de cada dia da física de supercordas. Essas coisas não são muito previsíveis.
Eu não sou esse tipo de matemático abstrato. Sou muito mais intuitivo que dedutivo. Para mim, a matemática sempre veio depois da física. Primeiro, vejo e depois escrevo as equações.

Isso me faz lembrar um comentário seu sobre a relação entre física e matemática. O senhor dizia que a física descreve os fenômenos da realidade por meio de um instrumento — a matemática — que é fruto da imaginação, da criatividade do homem...
Existe um debate sobre isso: será que a matemática é uma linguagem universal ou humana? Quer dizer, se você tiver outros seres inteligentes no Universo, será que eles vão descobrir os mesmos teoremas? Ou será que a matemática é uma coisa humana, que saiu da nossa cabeça?

E como o senhor se posiciona nesse debate?
Eu acho que a matemática é uma coisa humana, e não universal. É uma criação do nosso cérebro, do nosso córtex, e tem a ver com a maneira como nós evoluímos aqui na Terra. Em contrapartida, acho que as leis da física são universais.

O senhor poderia dar um exemplo?
A física é baseada em leis de conservação, de movimento, leis universais. Eu acho que, se houver uma inteligência extraterrestre tecnologicamente desenvolvida, ela vai desenvolver seus próprios conceitos, sua própria matemática, para dizer que a energia é conservada em certos sistemas e encontrar outras expressões para essas leis universais. A matemática vai ser outra, a simbologia vai ser outra. Eles não vão falar em elétron. Elétron foi uma coisa que nós inventamos. Um sujeito lá de Alfa Centauro não vai falar de elétron, mas de outras coisas que vão representar exatamente o que nós chamamos de elétron. Aliás, esse é um tema que eu discuto no livro: a representação da realidade através da matemática.

Queria fazer uma pergunta dupla: o senhor comentou sobre o caráter universal da física, mas até que ponto ela é democrática no sentido de estar acessível a todos? Pode um estudante, uma criança, compreender a tecnologia de ponta? E, por outro lado, até que ponto a tecnologia é uma barreira que impede o desenvolvimento dos países pobres? É possível que surja um novo Galileu que, pela observação e com poucos recursos, revolucione a ciência?
Infelizmente, não existem tantos cientistas fazendo um trabalho de divulgação da ciência, mas acho que está melhorando. Os jornais e a própria televisão estão criando muito mais espaço para a ciência. Eu sempre falo que, do mesmo modo que você vai a um teatro assistir a uma ópera ou uma sinfonia sem saber ler uma partitura ou tocar um instrumento e consegue gostar, acho que você consegue se divertir com a ciência sem ser um cientista. Não precisa saber matemática para apreciar a beleza e a importância das idéias científicas. É esse o trabalho da divulgação científica, que até pouco tempo usava o termo "vulgarização", que é um horror, pois demonstra logo um preconceito. Você não está vulgarizando a ciência! Está divulgando, levando a ciência para as pessoas de uma forma cada vez mais acessível. E dá para fazer isso com todas as idades.

E a segunda parte da pergunta?
Sem dúvida, um dos grandes problemas da ciência em países emergentes como o Brasil é que, em vez de criarem tecnologia, eles importam. Nós exportamos produtos agropecuários e importamos tecnologia. Seria fundamental que nós começássemos a reverter essa situação e a criar mais autonomia tecnológica. Porque aqui não faltam físicos, químicos, matemáticos de excelente nível e conhecidos em todo o mundo. Faltam recursos e os instrumentos, que custam caro. Falta a iniciativa privada começar a financiar mais pesquisa básica, como nos Estados Unidos, de forma que um aluno que se forme em física ou química não tenha de ficar na universidade, mas possa trabalhar em indústrias fazendo pesquisa. Faltam essas coisas, mas eu espero que, com o exemplo da Embraer, dos aviões que estão sendo exportados... Esse é um exemplo perfeito. Os Estados Unidos mandam os últimos F-16, mas sem os últimos radares, sem os últimos mísseis, para manter o controle da hegemonia tecnológica e isso é um crime. Seria ótimo fazer isso aqui também, até trazer a tecnologia para aprendermos como se faz e vendê-la para outros países.

No caso do projeto Genoma Humano, existe uma oposição à hegemonia tecnológica de certos países. Há defensores do financiamento público para que as descobertas pertençam a toda a humanidade. O senhor acha que isso pode acontecer em outras áreas da ciência?
Vai ser muito difícil porque as empresas financiam as pesquisas com o lucro em mente. E divulgar esses dados seria como entregar o ouro ao bandido. Eu acho pouco provável que empresas privadas tenham interesse em financiar pesquisas para depois ter que revelar os dados para a concorrência. Mas acho que pode existir um acordo, ou uma legislação mesmo, para que haja uma revelação porcentual dos resultados das pesquisas. O que eu acho que deve haver é uma competição entre o setor público e o privado, que é exatamente o que está acontecendo com o projeto Genoma. Aliás, esse projeto mostra a eficiência do setor privado que, com muito menos gente e muito menos dinheiro, conseguiu os resultados ao mesmo tempo que o setor público.

Voltando ao livro, qual a diferença entre ele e um livro tradicional de física?
Ele é um livro de divulgação científica. Os meus livros não são livros-texto de ciência, não servem para formar cientistas, mas para informar as pessoas sobre ciência. É uma diferença muito grande.

Então, ele é um livro que traz mais respostas que perguntas?
Certamente, o livro traz várias respostas. Quem quiser saber o que é um buraco negro, o que está acontecendo na cosmologia moderna, se existe ou não a possibilidade de um asteróide se chocar com a terra, vai encontrar essas respostas no livro. Mas eu espero que ele também provoque uma reflexão sobre esses temas que vá além daquilo que está no livro e ajude as pessoas a fazer novas perguntas. Ele é uma espécie de semente: você planta a semente na cabeça das pessoas e, aos poucos, o questionamento vai regando-a para que ela continue a crescer.

O aluno que mantém o interesse pela ciência não vai sentir dificuldade para compreender as novas descobertas e a tecnologia de ponta que se lê nos jornais? Como explicá-las aos estudantes?
Sem o menor problema, da mesma maneira que eu explico como brilha uma estrela, como é um buraco negro. Você explica isso usando analogias, metáforas do dia-a-dia, histórias em que as pessoas possam entrar e fazer parte delas. Então, por exemplo, no meu último livro, O fim da Terra e do Céu, falo um pouco sobre a física dos buracos negros e, depois, exemplifico as coisas mais exóticas da ciência a esse respeito.
O que eu faço? Escrevi um conto de ficção científica em que um sujeito, no futuro, viaja por um buraco negro, atravessa-o e sai do outro lado, em um buraco branco, coisa que hoje em dia é hipotética, mas possível. Eu conto uma história e ela está cheia de informação científica.
Assim, todo mundo lê e, pelo retorno que recebo das pessoas, essa é a parte preferida do livro. Quando você está contando uma história para explicar ciência, está usando recursos ficcionais para trazer a ciência para as pessoas.

O senhor narra uma viagem a um buraco negro. O senhor já leu Contato, do Carl Sagan?
Eu nunca li o livro, mas o Carl Sagan usa a idéia do buraco para transportar a heroína até as inteligências [intergalácticas]... No meu livro, há uma viagem através do buraco negro a la Jorge Luis Borges, que é uma grande influência minha.

Quais são os autores de ficção científica de que o senhor mais gosta?
Você sabe quem foi o primeiro escritor de ficção científica de que temos registro?

Julio Verne...
Muito antes! Foi o Kepler, que viveu em cerca de 1600. Ele escreveu um livro chamado Somnio, sobre um indivíduo que viaja à Lua em sonho. Essa idéia de sonhar, de ver as coisas de uma forma ficcional, é importantíssima e realmente ajuda no desenvolvimento da ciência. Quem inventou os satélites artificiais foi Arthur C. Clarke, que escreveu 2001 [2001, uma odisséia no espaço]. Já que precisamos de antenas para mandar sinais, por que não pomos antenas no espaço, onde a cobertura é muito maior? E Clarke não era cientista. Ele até tinha formação técnica, mas não era cientista. Agora, para ser sincero, nunca gostei muito de ficção científica porque, para mim, os autores principais — Arthur C. Clarke, Isaac Asimov, Ray Bradbury, um pouco menos — fazem uma literatura muito mais sobre idéias futurísticas do que sobre pessoas, sobre grandes dilemas humanos, vamos dizer assim. E, para mim, a literatura é uma espécie de arena onde podemos ensaiar todos esses conflitos humanos, mais do que as idéias sobre o futuro. Na ficção científica, há muita descrição do futuro e personagens pouco desenvolvidos. A literatura que me influenciou está mais relacionada à fantasia do que à ficção científica. Eu sempre adorei o Edgar Allan Poe, por exemplo.

Então, o senhor concorda com a famosa frase do Einstein: a imaginação é mais importante que o conhecimento?
Eu concordo, sem a menor dúvida. Todo mundo precisa ter ferramentas. Você não pode ser pintor se não souber misturar cores ou não conhecer as técnicas mais apuradas. Mas, sem imaginação, o seu quadro, por mais técnico que seja, nunca vai ser especial. Acho que, primeiro, vem a imaginação e, depois, a técnica.

E o senhor não tem vontade de escrever um livro de ficção científica?
Estou pensando seriamente no assunto. Mas, por enquanto, é segredo.

Além da história da ciência e da ficção científica, cuja importância o senhor já comentou, no seu livro há muita pesquisa sobre história das religiões, mitos, civilizações antigas. Esses assuntos o interessam há muito tempo?
Eu sempre me interessei por isso. Antes de ser cientista, eu era um garoto meio místico. Quando tinha uns doze anos, estudei o taoísmo, o zen e uma porção de outras coisas menos conhecidas. Quando tinha 14 anos, percebi que as grandes questões filosóficas — a origem de tudo, qual é a nossa relação com o mundo, o que significa a mente, o consciente — também são abordadas pela ciência. Se você pergunta sobre a origem do mundo para um muçulmano, um hindu ou um índio maori, da Nova Zelândia, cada um vai contar uma história diferente e acreditar piamente nisso porque são coisas reveladas pela fé. Eu percebi que a ciência tratava dessas questões de forma universal. Essa foi a minha revelação: descobrir que a ciência é uma linguagem universal e indiferente a religiões, classes sociais, países. Não interessa de onde você veio e qual é a sua religião... Quando você descreve como funciona uma estrela, uma pessoa que é de outro país, de outra religião, vai entender. É uma coisa profundamente democrática e bela da ciência.

Como o senhor era nos seus tempos de escola?
Eu era bem CDF, mas era normal também (risos). Tocava violão, jogava vôlei, fui até campeão brasileiro de vôlei, quando eu estava no segundo ano do colegial. Aliás, o Bernardinho era meu levantador na seleção carioca. O Bebeto de Freitas era o técnico. Por outro lado, eu estudava muito e, desde o primeiro científico, lá pelos 15 anos, já tinha um grupo de estudos de física. Falávamos de movimento retilíneo uniforme, essas coisas todas, mas o nosso negócio era, toda semana, ler e discutir os artigos da Scientific American e livros de divulgação científica um pouco mais técnicos. Lemos juntos um livro do próprio Einstein chamado Princípios da relatividade.

E havia a orientação de alguém?
Não, fazíamos tudo sozinhos mesmo. Não tínhamos um guru. Mas, em geral, eu imagino que os professores do Ensino Médio possam ajudar grupos de estudo indicando leituras. Quisera eu que, na minha época de aluno, houvesse os livros de divulgação científica que existem hoje! Para mim, foi uma certa batalha tomar a decisão sobre que caminho seguir. Eu acabei fazendo Engenharia Química por dois anos e só depois me transferi para o curso de Física. Se eu tivesse lido esses livros quando era criança, aos 15 anos não teria a menor dúvida de que era isso mesmo que queria fazer.

Além da falta de livros, o senhor teve de enfrentar a pressão da família quando optou por seguir carreira numa área de ciência pura?
Não quero causar uma revolução nas famílias, mas acho que ciência no Brasil não é nenhum bicho-papão. Se você for bom, tiver aptidão e realmente for uma pessoa séria, ou seja, alguém que quer realmente estudar, que tem paciência para fazer uma lista de exercícios ou se reúna com os amigos como eu fiz, não vejo por que não pode ter uma carreira de cientista no Brasil. Existem várias pessoas nas universidades para provar que essa é uma carreira possível, o que não significa que seja fácil. As pessoas têm uma certa ilusão de que nos Estados Unidos tudo é a maior maravilha. Só para dar um exemplo, na minha época, havia 357 candidatos para uma vaga na universidade! O mercado lá também é difícil. O que existe lá e que, infelizmente, ainda não existe aqui — mas acho que isso vai mudar — é a absorção de cientistas pelo mercado de trabalho, e não somente pelas universidades e escolas. Muitas empresas, consultorias, financiadoras e empresas do mercado financeiro estão contratando físicos e matemáticos. Eu tenho vários amigos em Wall Street hoje em dia. Por quê? Porque eles fazem modelagem de sistemas.
Se você tem aptidão e é dedicado — porque física não é ficar olhando estrela, há uma certa ilusão poética com a ciência, porque é preciso trabalhar muito para ser cientista —, meu conselho é que você vá em frente e faça o que gosta.
Com meu pai mesmo, tive um certo atrito quando saí do curso de Engenharia para o de Física. Ele não gostou dessa idéia nem um pouco. Eu falei que ia sair da Universidade Federal do Rio de Janeiro para fazer o curso de Física da PUC-RJ, que era o melhor na época. Ele respondeu que não ia pagar, eu que me virasse. Eu fui e me virei. Pena que ele não esteja aqui para ver o que aconteceu com o filho rebelde (risos).

domingo, 28 de outubro de 2001

Lentes gravitacionais

.
Em 1919, expedições astronômicas à África e ao nordeste do Brasil comprovaram uma das previsões mais estranhas da teoria da relatividade geral proposta por Einstein apenas três anos antes: a de que uma concentração de massa distorce a geometria do espaço à sua volta de modo a encurvar raios luminosos que passem por perto. As expedições observaram (com sucesso relativo) a luz de uma estrela distante durante um eclipse total do Sol. Com isso, era possível medir como a presença do Sol distorcia a trajetória dos raios de luz provenientes da estrela e comparar o desvio com a previsão de Einstein. A confirmação da teoria transformou Einstein em celebridade mundial quase que da noite para o dia: afinal, a teoria de Newton, aceita desde o final do século 17, havia sido suplantada.

Esse efeito da matéria sobre a luz abriu um número enorme de possibilidades para o estudo do Universo. Já que a matéria pode distorcer raios luminosos (e outras formas de radiação eletromagnética, mesmo se invisíveis aos nossos olhos, como ondas de rádio), ela pode agir exatamente como lentes agem sobre a luz, ora focando-a, ora distorcendo imagens. Imagino que o leitor saiba que uma lente de aumento pode focar raios de luz provenientes do Sol, de modo a aumentar a sua intensidade em um determinado ponto.

Imagino também que ao menos alguns dos leitores já tenham usado esse efeito para queimar papel ou formigas. Vamos então supor que em nossa galáxia existam inúmeros objetos maciços que não produzem luz, como planetas, ou têm baixa luminosidade, como estrelas de baixa massa, chamadas de anãs brancas ou anãs marrons. Se um desses objetos escuros passar em frente a uma estrela que estejamos observando, a luz dessa estrela sofrerá um desvio que tenderá a focalizá-la, aumentando a sua intensidade. Ou seja, o objeto intermediário age como se fosse uma lente, focando a luz de um objeto mais distante.

Esse método tem sido usado para estimar a quantidade de objetos maciços invisíveis em nossa galáxia. Isso é importante devido à presença da misteriosa "matéria escura", matéria que não emite sua própria luz, mas que exerce atração gravitacional tal como a matéria comum. Estima-se que em galáxias normais exista em torno de dez vezes mais matéria escura do que matéria luminosa. Usando o efeito de intensificação da luminosidade, astrônomos mostraram que ao menos 10% da matéria escura da galáxia existe na forma de objetos pequenos e maciços, como as anãs brancas.

Mas o efeito mais dramático das lentes gravitacionais aparece a distâncias bem maiores, quando os objetos estão localizados a bilhões de anos-luz da Terra. Quasares são fontes de radiação extremamente potentes e distantes. Caso sua radiação passe perto de uma galáxia ou um grupo de galáxias mais próximo, sua luminosidade pode ser amplificada, como no caso das estrelas em nossa própria galáxia. Esse efeito é semelhante ao de um amplificador de som. Podemos ver (ouvir) algo que seria invisível (inaudível) sem a amplificação.

Outra possibilidade é que, dependendo da distribuição de matéria, a imagem original do quasar possa ser duplicada ou multiplicada diversas vezes: em vez de vermos um quasar, vemos dois ou mais. Como a luz traça trajetórias diferentes para cada uma dessas imagens, elas não chegarão até nós ao mesmo tempo. Essa diferença no tempo de chegada pode ser usada para medir a distância até o quasar. Por exemplo, se o quasar sofrer uma grande flutuação na sua luminosidade, ela aparecerá em uma imagem antes de aparecer em outras. Medindo a diferença no tempo de chegada podemos estimar a distância.

Um outro efeito das lentes gravitacionais é o da distorção de imagens de objetos longínquos. O leitor pode fazer a seguinte experiência: pegue uma taça de vinho e coloque-a sobre o texto desta coluna. Movendo a taça você observará uma distorção da imagem do texto, que é maior perto da haste da taça, onde o vidro é mais curvo. O mesmo ocorre com imagens de quasares ou galáxias distantes: ao passar perto de galáxias mais próximas a imagem desses objetos longínquos é distorcida. Muitas vezes observam-se arcos luminosos, a imagem do objeto alongada e encurvada como pode-se ver com a taça de vinho. Com isso, é possível reconstruir a distribuição de massa da "lente", inclusive a quantidade de matéria escura presente. As lentes gravitacionais são uma nova janela para o Universo, que nos permite ver a matéria que é invisível aos nossos olhos.

domingo, 21 de outubro de 2001

O nascimento das galáxias

.
Ao acompanharmos a evolução do pensamento astronômico, percebemos que, quanto mais aprendemos sobre o Universo, mais insignificante parece ser nossa posição nele. Se, na Antiguidade, a Terra era o centro do cosmos, a revolução copernicana dos séculos 16 e 17 mostrou que o Sol era o centro. No início do século 20, acreditava-se que a nossa galáxia, a Via Láctea, fosse o centro do cosmos, o Sol sendo apenas uma entre bilhões de estrelas. Em 1924, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble mostrou que a Via Láctea era apenas uma entre bilhões de outras galáxias e que ela certamente não era o centro do Universo.

Em 400 anos, passamos do centro ao subúrbio do cosmos. Com o desenvolvimento da cosmologia moderna, ficou claro que o próprio conceito de "centro do Universo" não faz sentido: o Universo, tal como a superfície de uma bola ou uma mesa que se estende ao infinito em todas as direções, não tem um centro.

Nos anos 80, a humilhação continuou. Descobriu-se que nem mesmo a matéria que compõe as estrelas, os planetas e os seres vivos, feita de átomos com prótons e nêutrons no núcleo e elétrons à sua volta, é importante dentro do quadro cósmico. O Universo contém em torno de dez vezes mais "matéria escura" do que matéria convencional.

Ainda não se sabe ao certo o que é essa matéria escura. Como ela não produz radiação (daí ser chamada de "escura"), sabemos de sua presença apenas por sua interação gravitacional com a matéria comum, isto é, ao medirmos o efeito de sua massa em aglomerados de matéria comum, como as galáxias com suas estrelas e nuvens de gás.
Galáxias existem dentro de nuvens relativamente esféricas de matéria escura, que se estendem por distâncias muito maiores do que o diâmetro da galáxia. Aliás, ainda não está claro exatamente onde terminam esses "halos" de matéria escura. Alguns pesquisadores sugerem que possam estender-se até tocar os halos de galáxias vizinhas, como se fossem imensas teias de matéria invisível permeando o cosmos.

Essa parceria entre a matéria escura e a matéria comum não é acidental, mas, na realidade, é uma consequência do processo de formação das galáxias, que ocorreu principalmente durante os primeiros bilhões de anos após o Big Bang, o evento que marcou o início da expansão do nosso Universo.

Existem ao menos três ingredientes básicos para criar uma galáxia: matéria ordinária, na proporção inicial de três átomos de hidrogênio para um de hélio; uma quantidade em torno de dez vezes maior de matéria escura; e pequenas flutuações de energia, que induzam o processo de aglomeração gravitacional da matéria escura.
A origem dessas flutuações é assunto para outra coluna. Vamos apenas supor que elas existem e que foram criadas durante a infância mais tenra do Universo. Sua função é aumentar, por meio da força gravitacional, a concentração de matéria escura em certas regiões do espaço.

E por que apenas a matéria escura se concentra sob a ação gravitacional dessas flutuações de energia? A matéria normal também sofre essa ação. Mas, para que partículas de matéria ordinária ou escura possam se concentrar em um volume menor, elas têm de perder energia. (Imagine um grupo de camundongos em um saco: quanto mais agitados os camundongos, maior o volume do saco.)
Durante os primeiros 300 mil anos de existência do Universo, porém, as partículas de matéria ordinária interagiam tão furiosamente com as partículas de radiação eletromagnética, os fótons, que era impossível que elas perdessem energia suficiente para "cair" nos poços gravitacionais criados pelas flutuações de energia. Aliás, nem mesmo átomos podiam existir sob essas condições.

Como as partículas de matéria escura por definição não interagem com a radiação, elas puderam se aglomerar mais cedo, criando poços gravitacionais ainda maiores. Passados cerca de 300 mil anos, a expansão cósmica resfriou a radiação a ponto de permitir que os átomos de hidrogênio e hélio fossem formados. Com isso, eles começaram a sentir a presença dos aglomerados de matéria escura, que "caíam" em seu interior como água numa cachoeira.

Essas nuvens de gás se contraíram cada vez mais, devido à sua própria gravidade, até que, em pequenas regiões, o aumento da temperatura propiciou a formação das primeiras estrelas, que viveram apenas dezenas ou centenas de milhões de anos. Nosso Sol pertence a uma geração de estrelas bem posterior a essas. Sua existência (e a nossa) se deve a essa conspiração gravitacional entre a matéria ordinária e a matéria escura.

domingo, 14 de outubro de 2001

Energia, transformação e poesia

.
Poucos conceitos na ciência, ou talvez nenhum, são tão importantes e tão pouco compreendidos quanto o conceito de energia. Afinal, nos referimos a energia a todo momento: "Ai, subir essa escada vai gastar toda a minha energia", ou "Olha a conta de luz do mês! Temos de parar de gastar tanta energia", ou "Essa crise de energia ainda vai piorar" e assim por diante. Afinal, o que é energia?

Energia não é uma substância, não é visível ou invisível. A definição que eu considero mais adequada é que energia é uma medida de transformação, que pode ser aplicada ao movimento, à luz, ao som, ao magnetismo, às reações químicas (como a digestão de alimentos ou a queima de gasolina), enfim, a qualquer processo natural que envolva alguma mudança ou a possibilidade de uma mudança. O leitor deve estar se perguntando: "Como assim, possibilidade de mudança? Você não acabou de dizer que energia é uma medida de transformação?". Pois é, de transformação ou da possibilidade de transformação. Como exemplo, imagine que você esteja segurando uma pedra a uma certa altura do chão. Se você largar a pedra ela cairá, até chocar-se com o chão.

Em física, essa "potencialidade" de a pedra cair é atribuída à sua energia potencial gravitacional, que aumenta com a altura: quanto mais no alto está a pedra, maior a sua energia potencial gravitacional. A transformação aqui é de energia potencial gravitacional em energia cinética, a energia de movimento. Portanto, quanto mais alta a pedra estiver, maior será a sua velocidade ao se chocar com o solo, já que uma quantidade maior de energia potencial foi transformada em energia cinética.

Durante o século 19, ficou claro que a energia tem uma propriedade fundamental: a sua conservação. Energia não pode ser criada ou destruída, apenas transformada. Em qualquer processo natural a quantidade total de energia é a mesma antes e depois, mesmo que ela tenha se transformado completamente. Voltando ao exemplo da pedra. Para que você pudesse alçar a pedra você teve de gastar energia. Essa energia vem da transformação da energia química dos alimentos que você ingeriu na energia de movimento de seus músculos. Alguma energia também é gasta devido à fricção do ar quando você movimenta a pedra e o ar em torno dela fica ligeiramente mais quente, pois a pedra força o movimento das moléculas de ar à sua volta. Aqui, há uma outra forma de energia se manifestando, o calor, medido por meio do movimento das moléculas de ar. Quanto maior sua velocidade, maior sua energia térmica, maior sua temperatura.

Portanto, o simples alçar de uma pedra envolve a transformação de energia química proveniente de alimentos em energia térmica e potencial gravitacional. Essa visão de perpétua transformação na natureza é, a meu ver, profundamente bela. Tudo o que observamos e mesmo o que é invisível aos nossos olhos e sentidos reflete, de alguma forma, uma transformação de energia. A luz e o calor que vêm do Sol são provenientes da transformação de matéria em energia devido a reações nucleares que ocorrem em seu interior. O nosso cérebro funciona devido à constante transformação de energia química em impulsos nervosos que transcorrem entre neurônios e sinapses. Terremotos ocorrem devido à liberação da tensão acumulada em pontos de contato de placas tectônicas. Na energia temos um método quantitativo para medir as transformações que ocorrem na natureza com enorme precisão, traduzindo o seu dinamismo em uma linguagem que somos capazes de entender e admirar.

Existem aqueles que acham que, ao quantificar a natureza em suas fórmulas e experimentos, os cientistas tiram tudo o que ela tem de belo. Esse tipo de atitude me lembra a postura dos poetas românticos do início do século 19, como o inglês Wordsworth, que respondiam com frustração aos avanços da ciência quantitativa.

Erraram os poetas e os cientistas. Os poetas por não entender a poesia que existe na descrição quantitativa do mundo natural e os cientistas por perderem de vista essa poesia, de tão imersos que estavam em suas fórmulas e números. Essa rixa aumentou o golfo entre as duas culturas, afastando-as cada vez mais, conforme argumentou em 1959 o escritor e físico inglês C.P. Snow. Talvez, ao reconhecermos a beleza da descrição científica do mundo, possamos reaproximar essas duas culturas, sem ter de gastar muita energia.

domingo, 7 de outubro de 2001

Os fantasmagóricos neutrinos

.
Durante a década de 1930, ficou claro qual é o mecanismo responsável pela produção de energia do Sol e de outras estrelas: reações de fusão nuclear, em que núcleos mais leves são "transmutados" em outros mais pesados. Embora existam várias reações nucleares ocorrendo no interior do Sol, a mais importante é a fusão de átomos de hidrogênio, formando hélio. Um quilo de hidrogênio, quando fundido em hélio, produz energia para alimentar uma lâmpada de 100 watts por 1 milhão de anos. O Sol funde 300 milhões de toneladas de hidrogênio em hélio por segundo.

Um dos subprodutos do processo de fusão no Sol é uma partícula muito peculiar conhecida como neutrino. Tal como o nêutron, companheiro do próton no núcleo atômico, o neutrino não tem carga elétrica. Em contrapartida, enquanto o nêutron tem massa equivalente a 2.000 elétrons, o neutrino não tem massa. Pelo menos, assim dizia a teoria que descreve as partículas elementares da matéria e suas interações, o Modelo Padrão.

A combinação das ausências de carga e de massa faz com que o neutrino interaja apenas raramente com outras partículas, sendo capaz de atravessar paredes de chumbo de quilômetros de espessura sem uma única colisão. Daí o nome "partícula fantasma". No entanto, de uns anos para cá, várias descobertas vêm demolindo a visão simplista dos neutrinos.

Para começar, não existe apenas uma espécie de neutrino, mas três. Cada um está associado a uma partícula da família dos léptons, que inclui o elétron, o múon e o tau. Dizemos, então, que existem seis léptons fundamentais, que incluem o elétron-neutrino, o múon-neutrino e o tau-neutrino. Segundo o Modelo Padrão, nenhum dos três tipos tem massa.

O problema é que, caso isso seja verdade, nossas teorias sobre como brilha o Sol estão profundamente equivocadas. Desde os anos 60, experimentos vêm detectando o número de neutrinos provenientes do interior do Sol que viajam até a Terra. E o número de neutrinos detectados aqui é bem menor do que aquele previsto pela teoria. Portanto, das duas uma: ou nossas teorias sobre a fusão nuclear no Sol estão erradas, ou devemos modificar nossas idéias sobre neutrinos.

Uma das explicações propostas para justificar o déficit de neutrinos supõe que, durante sua longa viagem até aqui (150 milhões de quilômetros), eles possam transmutar-se uns nos outros: um elétron-neutrino poderia se transformar em um múon-neutrino, ou em um tau-neutrino etc. Até 1999, ficava difícil testar o efeito diretamente através dos neutrinos solares, embora já houvesse evidência sugerindo que o efeito é verdadeiro.

A situação mudou com a construção do Observatório de Neutrinos de Sudbury (SNO), situado a 2.000 metros de profundidade numa mina de níquel ainda ativa em Ontário, no Canadá. É interessante que o nome dessa instalação seja "observatório", mesmo sendo subterrânea. Mas esse é o único modo de isolar as colisões causadas por neutrinos que atravessam a Terra sem problemas de outras partículas que poderiam mascarar o seu sinal. E não devemos esquecer que as partículas estão vindo do Sol.

Os resultados das observações realizadas em Sudbury oferecem a primeira confirmação direta do fenômeno da oscilação dos neutrinos provenientes do Sol. Os resultados foram obtidos comparando dois experimentos, um sensível apenas ao elétron-neutrino e o outro sensível a todos os tipos de neutrino. Mostrou-se que o número de elétron-neutrinos detectados em um intervalo de tempo fixo é menor do que o número incluindo todos os tipos.

A conclusão é que as oscilações estão mesmo ocorrendo entre o Sol e a Terra, diminuindo o número de elétron-neutrinos detectados. O interessante é que a oscilação só é possível se os neutrinos tiverem massa. Caso os resultados sejam confirmados (o que é muito provável), teremos de rever o Modelo Padrão e o seu tratamento dos três neutrinos.

Esse resultado é um excelente exemplo de como funciona a ciência. Teorias são construídas com base em certas suposições que devem ser passíveis de confirmação ou refutação experimental. São os experimentos que têm a última palavra, não as teorias, por mais elegantes que elas sejam. Ao cientista cabe a humildade de aceitar a limitação de suas teorias e hipóteses, perante a criatividade da natureza. E o orgulho de poder decifrá-la, mesmo que através de caminhos tortuosos.

domingo, 30 de setembro de 2001

A revolução nanotecnológica

.
Em sua tese de doutorado, Albert Einstein estimou a dimensão de uma molécula de açúcar. Usando dados experimentais sobre a difusão do açúcar em água, ele mostrou que cada molécula tem o diâmetro aproximado de um nanômetro, ou seja, um bilionésimo de metro. Essa escala de comprimento define, a grosso modo, uma fronteira fundamental na estrutura da matéria: estruturas maiores são essencialmente clássicas, isto é, descritas pelas leis da física clássica. Já estruturas menores são descritas pela mecânica quântica, desenvolvida durante as primeiras décadas do século 20 para descrever o comportamento de moléculas, átomos e partículas subatômicas.

Existem diferenças fundamentais e ainda misteriosas entre o comportamento de estruturas clássicas e quânticas. Por exemplo, é impossível determinarmos conjuntamente a posição e a velocidade de um elétron orbitando um núcleo atômico com grande precisão. Ou seja, quanto maior for a precisão da medida de sua posição, menor será a precisão da medida de sua velocidade. Esse fato, conhecido como Princípio de Incerteza, vem da íntima relação entre o ato de observar e o observado. No caso do elétron, para que possamos vê-lo, devemos interagir com ele, por exemplo, através de uma onda eletromagnética. Essa interação acaba dando um "empurrão" no elétron, alterando a sua posição.

De certa forma, o limite quântico é também um limite tecnológico. Podemos imaginar, como o fez o grande físico americano Richard Feynman em 1959, que seja possível construirmos máquinas com dimensões moleculares, ou nanomáquinas. Mas nada menor do que isso. Essa especulação de Feynman inspirou toda uma geração de físicos e engenheiros, que vem trabalhando ferozmente para transformá-la em realidade. A julgar pela quantidade de fundos dirigidos para a pesquisa em nanotecnologia, US$ 422 milhões nos EUA e US$ 835 milhões no resto do mundo só este ano, a revolução nanotecnológica está de vento em popa. Várias descobertas sensacionais vêm promovendo o entusiasmo cada vez maior dos cientistas e das agências financiadoras de pesquisa. Cientistas da IBM e de vários outros laboratórios de pesquisa conseguiram manipular átomos individualmente, rearranjando-os em padrões pré-determinados. Um dos caminhos a serem traçados é a substituição dos circuitos à base de silício por nanoestruturas. Outro é a utilização da nanotecnologia em biologia -materiais semicondutores de apenas alguns nanômetros já estão sendo usados para monitorar a atividade eletroquímica no interior de células. E as promessas para o futuro são ainda mais impressionantes.

Podemos imaginar que no futuro não muito distante será possível criar nanorrobôs capazes de efetuar obras de engenharia em escala atômica. Tudo o que preciso é suprir os robôs com os átomos necessários, uma fonte de energia e uma sequência de instruções.

Imagine que cada nanorrobô consista de 1 bilhão de átomos arranjados em uma estrutura extremamente complexa. Como ele atua em escalas muito pequenas, é possível que ele manipule outro bilhão de átomos por segundo, construindo uma nanomáquina qualquer -e por que não uma cópia exata de si mesmo? Ou seja, podemos imaginar nanorrobôs que possam se auto-replicar em apenas um segundo. Passados 60 segundos, um exército de em torno de um bilhão de bilhões de nanorrobôs teria sido criado. Ele poderia ser instruído para produzir CDs ou construir aviões, um grande avanço para a humanidade. Mas como eles seriam controlados? E se algo desse errado e alguém construísse nanorrobôs malignos, capazes de nos atacar, como parasitas? Em uma visão bem negra, o planeta inteiro terminaria coberto por essas máquinas, como por um enxame de abelhas.

Felizmente, problemas fundamentais podem impedir que nanorrobôs auto-replicáveis venham a existir, um deles sendo a própria escala em que eles operam. Como promover ligações entre dois átomos requer tremendo controle não só dos dois átomos, mas, também, de outros vizinhos, fica difícil criarmos um nanorrobô com braços suficientes para manter a ordem local. Afinal, os braços também são feitos de átomos e simplesmente não cabem no espaço disponível. Se a revolução nanotecnológica acontecer, provavelmente não será devido a esses nanorrobôs, mas talvez a outros, consideravelmente mais benignos.