domingo, 11 de novembro de 2001

Reflexões reducionistas

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Em 1992, o grande físico norte-americano Steven Weinberg publicou um livro com o título "Sonhos de uma Teoria Final". Weinberg recebeu o Prêmio Nobel de 1979, juntamente com Sheldon Glashow e Abdus Salam, pela elaboração de uma teoria que descreve as interações eletromagnéticas e as interações fracas de forma "unificada". A teoria mostra que, acima de uma determinada energia, as duas interações (ou forças) se comportam de modo semelhante, justificando uma descrição única de sua ação sobre os tijolos fundamentais da matéria, as partículas elementares.

Segundo a física das altas energias, é possível descrever a natureza em seu aspecto mais fundamental como sendo composta por partículas indivisíveis de matéria -os tijolos fundamentais que interagem entre si por meio de quatro forças: a gravidade, o eletromagnetismo e as forças nucleares forte e fraca que, como diz o nome, só atuam dentro do núcleo atômico. A construção de uma teoria "unificada" das interações eletromagnética e fraca pode ser vista como uma grande simplificação do comportamento da matéria em altas energias: nessas energias a natureza é mais simples do que nas energias mais baixas do nosso dia-a-dia, e apenas três forças são suficientes para descrever as interações entre as partículas de matéria.

Weinberg é um dos defensores mais acirrados da aplicação do princípio reducionista à física de altas energias. Ele acredita que, no nível mais fundamental, a natureza é essencialmente simples, comportando apenas uma única interação, que é descrita pela "teoria final". Essa teoria deverá ser construída sobre uma estrutura matemática complexa, onde o princípio mais importante é o da simetria: quanto mais simples um sistema, mais simétrico ele é e menos informação é necessária na sua descrição.

Imagine, por exemplo, uma esfera perfeita e compare-a com outra, cheia de pequenas deformações e rasgos. Qual é o objeto mais simples? Claro que a esfera perfeita: para descrevê-la basta sabermos um número, o seu raio. Já a outra é muito mais complicada e um número muito maior de detalhes é necessário na sua descrição. Segundo a teoria final, a natureza no seu nível mais fundamental é como uma esfera perfeita: simétrica e simples, com um número mínimo de detalhes necessários para sua descrição. Ou seja, o sonho de uma teoria final é na verdade o triunfo final do reducionismo.

É impossível não se deixar seduzir pela elegância do reducionismo. Existe algo profundamente atraente na possibilidade de reduzir a essência da natureza a algo simples, simétrico, elegante, algo que acalme anseios de que, no fundo, as coisas não sejam assim tão complicadas, de que as atribulações da vida sejam só fachada e que o mundo seja, afinal, compreensível e ordenado, não caótico e imprevisível. Na física, essa expectativa só faz sentido se for confirmada por dados experimentais. E a confirmação da teoria da unificação "eletrofraca" no início dos anos 80 certamente pôs lenha no fogo, alimentando as esperanças de que, de fato, o sonho de uma teoria final pudesse se tornar realidade.

Várias teorias foram propostas para unificar a interação forte com a interação eletrofraca em energias ainda mais altas. Aliás, a energia onde a unificação das três forças se manifesta é tão elevada que ela só existiu nos primeiros instantes após o Big Bang, evento que marcou a origem do Universo. Teorias incluindo a força gravitacional também foram propostas, completando assim a unificação das quatro forças da natureza.

Como se viu acima, essas teorias são fundamentadas no conceito de simetria. Segundo elas, por trás do véu que esconde a essência da natureza existem apenas simetria e leis que regem o comportamento da matéria e suas interações. Essa noção é uma herança da filosofia de Platão, onde a essência do mundo é composta por formas geométricas perfeitas que não podemos vislumbrar pelos sentidos, apenas por meio da razão.

Passados 20 anos desde a confirmação da teoria eletrofraca, ainda não há qualquer indicação concreta de que as quatro forças da natureza sejam de fato apenas uma. No entanto, centenas de físicos no mundo inteiro vêm se dedicando ao ideal da unificação final, alimentados por algumas pistas experimentais e uma inspiração platônica. Apenas o tempo dirá se, de fato, a natureza corresponderá às nossas expectativas, ou se teremos de adaptar os nossos sonhos a uma realidade que reside além deles, inelegante, mas nem por isso menos bela.

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