domingo, 24 de junho de 2012

No coração de um buraco negro

É incrível que buracos negros tenham sido inventados antes de ser descobertos pelo homem


O que acontece com quem cai num buraco negro? Imagino que muitos
de vocês perderam muitas horas de sono com isso. Especialmente

agora, quando sabemos que existe um buraco negro gigante no centro da maioria das galáxias, inclusive na nossa, um monstro de 4 milhões de massas solares. No dia 13 de Junho, a sonda espacial NuSTAR -equipada com um telescópio que detecta raios X- foi lançada para examinar em detalhe o que ocorre no nosso gigantesco ralo cósmico.

Segundo a teoria da relatividade geral de Einstein, a gravidade pode ser explicada como resultado da curvatura do espaço em torno de um objeto com massa: quando maior a massa do objeto, mais curvo o espaço à sua volta, e maior sua atração sobre corpos vizinhos. Quanto mais curvo o espaço, mais difícil é escapar da sua gravidade.

O buraco negro é o caso no qual o espaço é tão curvo que nada escapa de sua atração, nem mesmo a luz. Para "ver" um buraco negro é preciso olhar para o entorno dele.

Para Einstein e a maioria dos físicos, os buracos negros são um grande desafio. A maioria deles são restos de estrelas que, ao morrer, implodem como balões furados. O problema é que, durante a implosão, a gravidade vai ficando cada vez mais forte. E a implosão não para. No centro da estrela em colapso se forma uma "singularidade", um ponto onde a gravidade é infinitamente forte e as leis da física deixam de fazer sentido.

A singularidade é circundada pelo "horizonte", a esfera que separa a estranheza do buraco negro do mundo exterior. Se você ultrapassar o horizonte, nunca mais escapa: seu destino é continuar até a singularidade, onde será triturado por completo. Mas não há nada a temer, pois bem antes disso seu corpo será esticado feito espaguete e rasgado.

Einstein nunca gostou de teorias que deixam de fazer sentido. Em 1935, escreveu um artigo com Nathan Rosen no qual sugeriu que o centro de um buraco negro é uma ponte para outro local no Universo (ou mesmo para outro universo), e que do outro lado existe um "buraco branco", o oposto do buraco negro, um ponto de onde surge matéria, como uma cornucópia cósmica.

Esses "buracos de minhoca", como ficaram conhecidas as pontes de Einstein-Rosen, vêm inspirando incontáveis histórias e filmes de ficção científica, pois, em princípio, permitem viagens a velocidades maiores do que a da luz. Infelizmente, fora a total falta de evidência de buracos brancos, para manter as duas bocas do buraco de minhoca abertas é necessário um tipo de matéria que tem energia "negativa", até hoje nunca vista.

A coisa piora se a teoria de Stephen Hawking, que prevê que buracos negros evaporam lentamente, estiver correta. Afinal, se evaporarem, tudo o que resta é a singularidade nua, o ponto absurdo. Horrorizados, físicos propuseram que algo protege essa nudez, a Conjectura de Censura Cósmica.

Qualquer que seja o destino da singularidade, é incrível que buracos negros tenham sido inventados antes de ser descobertos, um casamento quase mágico da imaginação com o Cosmo. É como se a natureza nos dissesse: arrisquem mesmo, sonhem alto. E estejam sempre abertos para o inesperado, pois ele está sempre à espreita.

domingo, 10 de junho de 2012

Breve meditação sobre o Nada


Na física moderna, o espaço vazio, o 'Nada', pode abrigar flutuações capazes de dar origem a todo um universo

Recentemente, envolvi-me num debate com o físico Lawrence Krauss, que publicou um livro no qual afirma que a física hoje explica como o Universo surgiu do nada. Ou seja, a velha questão da Criação sob roupagem científica, e mais um exemplo de arrogância intelectual.

É bom começar com Aristóteles, que decidiu que a "natureza detesta o vácuo", declarando que o "nada" não existe, ao menos como vazio absoluto. Para ele, o espaço era pleno de éter, a substância dos planetas e demais objetos celestes.

No século 17, Descartes também propôs que a natureza era plena. Os planetas eram carregados em torno do Sol por redemoinhos celestes, criados pela circulação duma substância que enchia o espaço.

Newton mostrou que Descartes estava errado, argumentando que a fricção causaria a queda da Lua sobre a Terra. Para ele, a gravidade podia ser explicada por uma força à distância, agindo no vazio.

Esse pingue-pongue continuou até o século 19, quando James Maxwell mostrou que a luz é uma onda eletromagnética. Como toda onda, precisava dum meio para se propagar. Maxwell e outros sugeriram o éter, diferente do dos gregos, mas que preenchia o espaço sem provocar fricção nas órbitas celestes.

Em 1905, Einstein mostrou que o éter era desnecessário: as ondas de luz podem se propagar no espaço vazio. Mais uma vez, o éter some.

Em torno da mesma época veio a mecânica quântica, para explicar a física dos átomos. Foi então que tudo mudou: as regras no mundo dos átomos são diferentes das do nosso mundo. Mais precisamente, seus efeitos existem no nosso mundo, mas são imperceptíveis.

No mundo atômico, nada para. A matéria vibra incessantemente, feito gelatina sacudida. Se você tenta localizar um elétron num ponto do espaço, ele escapa feito uma gota de mercúrio. Esse é o princípio da incerteza de Heisenberg, que impõe um limite absoluto na informação que podemos obter do mundo.

Como movimento tem energia, o princípio também diz que a energia nunca é zero. Na física moderna, representamos uma partícula como excitação de um campo. O espaço é permeado por campos que, de vez em quando, criam partículas.

Os campos vibram incessantemente e, com isso, podem criar partículas com energias variadas: quanto maior a energia, menos tempo essas partículas duram, retornando ao "nada" de onde vieram, o campo vazio (ou vácuo). Se incluirmos a gravidade nesse esquema, e entendendo que é interpretada como a curvatura do espaço causada pela matéria, flutuações quânticas no campo gravitacional levam à flutuações na curvatura do espaço.

Temos, então, o espaço vazio, o "Nada", onde uma flutuação pode levar a uma bolha de espaço, um cosmoide que pode crescer e se transformar num universo inteiro.

É assim que a cosmologia descreve a criação do Universo a partir do nada. Esse tipo de explicação pressupõe toda uma estrutura conceitual, e não faz sentido sem ela. Já não basta celebrar a inventividade humana, capaz de criar teorias desse tipo, sem ter de elevá-la a um nível divino? Parece-me óbvio que a mente humana não pode criar num vácuo: o "nada" absoluto é importante como instrumento metafísico, mas sem importância no mundo real.

domingo, 3 de junho de 2012

Será que devemos ir ao espaço?


Impedir a exploração humana do espaço é ir contra a história; somos exploradores por natureza

Já que na semana passada escrevi sobre como alienígenas ultra-avançados seriam indistinguíveis de deuses, hoje queria ir na direção oposta e explorar o nosso papel como exploradores cósmicos. O assunto foi inspirado pela missão sensacional do módulo Dragon, da empresa SpaceX, o grupo privado que na semana passada acoplou pela primeira vez uma cápsula à Estação Espacial Internacional, inaugurando uma nova era na corrida espacial.

Existem duas escolas de pensamento no que tange a nosso papel na exploração espacial. Membros da primeira argumentam que, do ponto de vista de custos e rapidez de resultados, missões robóticas são de longe melhores. Os sucessos até aqui são mesmo notáveis: por exemplo, a exploração dos planetas gigantes do Sistema Solar (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) pelas missões Voyager 1 e 2 e, mais recentemente, as missões Galileu e Cassini; os veículos de exploração de Marte, guiados por controle remoto daqui da Terra, e a nova missão que deve chegar lá no dia 6 de agosto, com um veículo de exploração bem maior do que seus antecessores. Exemplos não faltam, provando que podemos aprender enviando máquinas ao espaço. É bem mais barato do que enviar humanos e ninguém corre risco de morte.

A segunda escola defende que humanos precisam ir ao espaço. É nossa prerrogativa enquanto espécie inteligente, nosso mandato cósmico. As crianças adoram a ideia de explorar o espaço e muitos se interessam por ciência por causa disso.

Na prática, ter humanos in situ é muito eficiente, pois não só improvisamos como não somos bloqueados por pedras ou sofremos dano em painéis solares e antenas. (Se bem que nosso equipamento pode sofrer esses e outros danos.)

Existem muitas razões para enviar humanos ao espaço, algumas científicas e outras mais românticas. Devemos agora adicionar "dinheiro" entre elas, já que se pode ganhar muito com a exploração privada do espaço -mineração, pesquisa, projetos governamentais, turismo e outros. O grupo SpaceX, por exemplo, tem um contrato de US$ 1,6 bilhão com a Nasa para entregar equipamentos à Estação Espacial Internacional.

Idealmente, a resposta deveria combinar as duas posições: robôs são necessários, pois podem ir aonde não podemos, realizar tarefas para nós impossíveis e nos poupar de riscos desnecessários. Por outro lado, impedir a exploração humana do espaço é ir contra a história da nossa espécie. Somos exploradores por natureza, muitas vezes sem nos importar com os riscos.

Tenho certeza que, se um programa desenvolvesse uma viagem apenas de ida a Marte, não faltariam voluntários dispostos a chegar lá para serem imortalizados pela história da humanidade e para manter nosso expansionismo vivo.

Difícil imaginar que nosso futuro não será no espaço e que, dentro de alguns milhões de anos, não seremos nós os colonizadores de boa parte da galáxia. Pode até ser que encontremos "outros" pelo caminho -se bem que seu silêncio até aqui parece indicar sua raridade ou sua ausência (ou falta de interesse na nossa espécie). Já que, com tecnologias atuais, a viagem até a estrela mais próxima demora uns 100 mil anos, é bom começarmos logo.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI