domingo, 25 de fevereiro de 2007

Enxergando o Big Bang

Em um piscar de olhos, a luz dá sete voltas e meia na Terra

Qual é o ponto mais distante que podemos enxergar no cosmo? Quando olhamos para o céu noturno numa noite sem lua e longe das luzes da cidade, podemos ver talvez alguns milhares de estrelas. Com poucas exceções, são todas nossas vizinhas cósmicas, a distâncias de não mais do que dezenas de anos-luz.

É bom lembrar que astrônomos usam o ano-luz, a distância que a luz percorre em um ano no espaço vazio, na velocidade de 300 mil quilômetros por segundo, como unidade de distância. (Em meios materiais, como a água, a luz viaja mais devagar.) Num piscar dos seus olhos, a luz dá sete voltas e meia em torno da Terra. O Sol está a 8 minutos-luz da Terra: a luz que vemos saiu dele 8 minutos antes. São 150 milhões de quilômetros em 8 minutos -nada mau.

Quanto mais distante um objeto, maior a distância que sua luz viaja para chegar até nós. Portanto, a luz que vemos corresponde ao objeto como era no passado e não no presente: olhar para o cosmo é viajar para o passado. Quanto mais distante o objeto mais para o passado olhamos. Por exemplo, a luz de nossa galáxia vizinha, Andrômeda, saiu de lá há 2 milhões de anos, quando o gênero humano começava a despontar na África.

Hoje, astrônomos observam radiação de objetos a 13 bilhões de anos-luz. Como comparação, a Terra foi formada há 4,6 bilhões de anos. Como o Universo tem uma idade de 13,8 bilhões de anos, é natural indagar se podemos ver o seu próprio nascimento. Será possível ver o Big Bang? Infelizmente, não. Ao menos não por meio da captação de radiação eletromagnética, da qual a luz visível faz parte. (Os objetos mais distantes são vistos em ondas de rádio, que têm freqüência bem menor do que a da luz visível.)

A história do Universo pode ser dividida em duas eras, antes e depois dos 400 mil anos. Após essa idade, o cosmo ficou transparente, ou seja, a luz podia propagar-se livremente pelo espaço. É por isso que podemos receber radiação de objetos a 13 bilhões de anos-luz daqui. Mas, antes disso, o cosmo era opaco; a luz interagia intensamente com os elétrons e outras partículas de matéria e não se propagava longe.

Conseqüentemente, é impossível receber informação, por meio de radiação eletromagnética, do que ocorreu durante os primeiros 400 mil anos de existência do cosmo. Mas nem tudo está perdido. Existe um outro tipo de radiação que pode ser detectado e que existiu desde o início da história cósmica, a radiação gravitacional.

O próprio Einstein, que mostrou que a gravidade é produto da curvatura do espaço causada pela presença de massas, supôs que, se essas massas estão em movimento, a curvatura também muda no tempo, causando ondas na própria geometria do espaço. O leitor pode imaginar-se pulando num colchão de molas e observando como a curvatura em torno do seu traseiro muda. Tal como ondas na água, essas ondas podem ser detectadas.

A dificuldade, e a razão pela qual não foram detectadas até hoje, é que são extremamente fracas, quase que imperceptíveis. Os detectores que estão em fase final de construção podem detectar variações de dimensões atômicas. Mesmo assim, nada. A cada vez que algo de dramático ocorreu com a geometria cósmica, ondas gravitacionais foram produzidas.

E a grande vantagem delas é que atravessam todos os obstáculos, inclusive a opacidade que caracterizou os primeiros 400 mil anos que se seguiram ao Big Bang. Portanto, os detalhes da infância cósmica estão registrados nas ondas gravitacionais tal qual uma música está registrada em ondas de rádio. Basta construirmos antenas capazes de detectá-las para "vermos" o Big Bang.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Sonhos alquímicos

É comum, em meio aos transtornos da pesquisa, nos esquecermos de por que fazemos ciência

Quando se menciona a alquimia, logo se pensa em homens místicos, de barbas longas, tentando transformar chumbo em ouro em seus laboratórios escondidos no alto de lúgubres torres medievais. Ou no famoso livro de Paulo Coelho. Não há dúvida de que a alquimia tinha mesmo um aspecto místico, dado que as transformações da matéria por meio de reações químicas eram então cercadas de mistério.

Aquilo que não se compreendia era atribuído a forças ocultas, o que, de certa forma, não era tão errado assim: as forças eram mesmo ocultas -já que nada se conhecia da estrutura das moléculas e dos átomos. Por outro lado, as práticas alquímicas foram fundamentais para o desenvolvimento posterior da química, algo que não deve ser ignorado.Foram os filósofos pré-socráticos que, ao indagarem qual era a composição material do mundo, inauguraram a tradição científica.

Mesmo que os gregos não tenham desenvolvido o método de validação empírica que caracteriza a ciência, ou seja, mesmo que não tenham feito experimentos para comprovar suas hipóteses, foram eles que lançaram as bases racionais para a compreensão do mundo natural. A idéia de Leucipo e Demócrito de que tudo é composto de átomos está conosco até hoje, mesmo que os átomos modernos sejam bem diferentes do ideal grego.

Ainda mais fundamental é a noção de que a natureza está sempre em transformação e que essas transformações ocorrem devido a agentes que podem ser manipulados pelo homem: o fogo, por exemplo, é o agente transformador mais usado na antigüidade, para forjar espadas e escudos ou ferramentas diversas.

Os alquimistas também vão usar os poderes transformadores do fogo na sua busca pela purificação gradual dos metais em direção ao mais puro deles, o ouro. A tradição alquímica na Europa surgiu nos séculos 12 e 13, inspirada pelos textos de alquimistas muçulmanos escritos alguns séculos antes, especialmente os de Jabir Ibn Hayian, ou Geber.

Influenciado por Aristóteles, Geber dizia que as misturas dos quatro elementos (terra, água, ar e fogo) não são permanentes. Isso porque os elementos têm propriedades em comum: a água é fria e úmida, a terra é fria e seca. Tirar umidade da água gera gelo, que é frio e seco e, portanto, tem mais terra. Do mesmo modo, deveria ser possível transformar diferentes materiais entre si.

Para obter ouro, Geber propôs uma combinação inicial de enxofre (seco e quente) e mercúrio (úmido e frio) que, contendo todos os elementos e suas propriedades, poderia em princípio gerar qualquer outro. O ato de transformar metais em ouro, a Obra Magna, necessitava da "pedra filosofal", o catalisador essencial.

O problema era encontrá-la. Existiam também influências astrológicas que determinavam o possível sucesso das operações. O alquimista não era apenas o agente inerte de transformações materiais; ele mesmo se transformava espiritualmente através da sua prática, purificando-se à medida que se aproximava de seu objetivo.

A simbologia alquímica, carregada de misticismo e ocultismo, criava uma linguagem pré-científica que integrava o homem ao cosmos, a purificação dos metais levando à purificação da alma. Existe algo de muito belo nessa imagem em que a prática da ciência tem um significado que vai além do simplesmente material.

É comum, em meio aos desafios e transtornos da pesquisa, nos esquecermos de por que fazemos ciência, das motivações que levam alguém a dedicar a vida à pesquisa e ao ensino. Em momentos difíceis, penso no alquimista em seu laboratório, buscando por uma verdade que parece sempre mais perto, jamais aceitando que ela é inatingível em sua totalidade.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Terra quente

Quem vai pagar o preço daquilo que fizemos são as futuras gerações

Após seis anos de novos estudos, saiu o relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, o IPCC. Como ocorre em questões científicas complexas, e o estudo do clima é certamente extremamente complexo, o conhecimento vai sendo agregado aos poucos, a medida que dados mais abrangentes vão sendo coletados e modelos matemáticos mais sofisticados vão sendo desenvolvidos e testados.

Pela primeira vez, os membros do IPCC, um órgão internacional com centenas de cientistas e técnicos do mundo inteiro, foi bastante claro com relação à questão do aquecimento global. E, como o leitor deve ter ouvido na última semana, as novas sobre o assunto não são boas. Ninguém discute mais que a temperatura global está gradualmente aumentando: a última década foi de longe a mais quente dos últimos 150 anos. A discussão mais recente e urgente concentrava-se nas causas desse aumento.

São elas resultado de fatores naturais, como a ação do Sol ou da emissão de gases do interior terrestre, ou da poluição atmosférica causada pela industrialização da sociedade? No decorrer da sua história, a Terra passou por uma série de eras mais frias e mais quentes. Antes de 1500, os efeitos da civilização no clima eram desprezíveis. Para provar que o aquecimento atual é culpa dos homens e não da natureza, é necessário separar os efeitos dos dois agentes, o que não é nada fácil. Mas foi feito.

A história climática da Terra está registrada no gelo das calotas polares. Como o gelo é depositado ano após ano, é possível medir sua espessura e, analisando sua composição, determinar a concentração dos vários gases presentes na atmosfera ao longo dos anos, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano.

Os dados comparam o número de moléculas dos gases com as moléculas de ar puro numa amostra. O que ficou determinado é que, em 2005, a concentração de CO2 era de 379 ppm (partes por milhão) Ou seja, para cada milhão de moléculas de ar, 379 eram de CO2. Nos últimos 650 mil anos de história, a concentração variou entre 180 ppm e 300 ppm. Fora isso, o crescimento foi mais acelerado nos últimos dez anos do que em qualquer outro período. Esse aumento da concentração é devido ao uso de combustíveis fósseis -como o carvão e a gasolina- e à queima de madeira para clarear florestas e para gerar calor e energia.

A concentração de metano também aumentou principalmente pela ação humana. O parecer do painel é claro: a melhora na compreensão dos dados e dos modelos de variação climática, leva à conclusão de que com confiança estimada em 90% o aquecimento global observado é causado pela ação humana.

Quem gosta de apostar, ou de jogar na bolsa ou no bicho, sabe muito bem que uma aposta com 90% de margem é segura. Portanto, o tal "debate" sobre as causas do aquecimento global também está encerrado. A culpa é nossa mesmo. (Detalhes no endereço www.ipcc.ch/SPM2feb07.pdf)

Quais as conseqüências desse aquecimento? Os efeitos variam dependendo da região. Mas pode-se esperar ondas de calor e tempestades mais violentas e freqüentes; secas mais longas; aumento do nível do mar, que, no século 20, já foi de 17 cm; aumento da temperatura global entre 2 e 4 graus; maior incidência de furacões.

Esse desequilíbrio gerará doenças, emigrações em massa das regiões costeiras, pestes na agricultura etc. Mesmo se os governos resolverem tomar providências sérias, podemos no máximo diminuir os efeitos do aquecimento. É tarde demais para evitá-los. Deixamos já nossa marca no planeta. E o pior é que quem vai pagar o preço são as futuras gerações

domingo, 4 de fevereiro de 2007

A curiosidade das crianças

Pai, por que o céu é azul? O que acontece de dia com as estrelas?

O escritor tcheco Milan Kundera, em seu mais famoso romance, "A Insustentável Leveza do Ser", presta uma homenagem à curiosidade das crianças: "De fato, as únicas questões realmente sérias são aquelas que até uma criança pode formular. Apenas as questões mais inocentes são realmente sérias. Elas são as questões sem resposta.

Uma questão sem resposta é uma barreira intransponível. Em outras palavras, são as questões sem resposta que definem as limitações das possibilidades humanas, que descrevem as fronteiras da existência humana". Que adulto nunca se deparou com uma criança fuzilando perguntas, "Por que isso? Mas por que aquilo?"

Pena que tantos adultos tenham esquecido que, quando eram crianças, também perguntaram, aflitos, sobre os mistérios do mundo, da vida e da morte, e façam tão pouco esforço para responder às perguntas dos filhos, sobrinhos ou netos: "Pai, por que o céu é azul? O que acontece de dia com as estrelas? O que faz elas brilharem? Será que existe vida em outros planetas? Como a vida surgiu aqui? E as estrelas, como nasceram? O que aconteceu com a vovó depois que ela morreu? Quando você vai morrer?" "Ah, sei lá filho! Pô, pára de ficar fazendo perguntas. Vai jogar bola, vai!" Essa semana dei uma palestra na escola do meu filho de 13 anos.

Na realidade, não consegui dar a palestra. Um dia antes, o professor sugeriu que cada um dos alunos me desse uma pergunta por escrito, algo que quisessem saber sobre astronomia ou física. Resultado: recebi umas cem perguntas, todas relevantes, sobre assuntos de ponta em astrofísica. (Bem, quase todas; uma mocinha pediu-me que convencesse seus pais a deixá-la pôr um brilhante no nariz. Mas ela fez perguntas pertinentes também.) Quando cheguei na escola, resolvi falar apenas sobre as perguntas enviadas e deixei minha apresentação com "Datashow" de lado. Foi uma das melhores experiências da minha carreira como professor.

Primeiro, pelo privilégio de poder falar para 50 crianças e jovens, com idades entre dez e 14 anos. Segundo, pelo entusiasmo contagiante que emanava deles. Era possível sentir a eletricidade no ar, o interesse pelos assuntos, a curiosidade enorme de entender os mistérios do Universo, a tentativa de dar sentido à vida, de pô-la em contexto dentro da visão de mundo científica que tanto define os caminhos da sociedade moderna.

Foram várias perguntas sobre buracos negros, esses estranhos restos mortais de estrelas que esgotaram seu combustível nuclear, cuja gravidade é tão poderosa que pode sugar tudo, inclusive a luz: "O que acontece se cairmos dentro dum buraco negro? Como nasce um buraco negro? Será que a Terra cairá num deles? Será que eles desaparecem? Se nem luz sai deles, como são detectados?" Outras sobre a expansão do Universo: "Por que o Universo está em expansão? Quão rápida é ela? Será que pára um dia? O que existia antes do Big Bang?

Como a gente sabe que o Universo tem 14 bilhões de anos?" E, claro, sobre vida extra-terrestre: "O senhor já viu um extra-terrestre? O senhor acha que existe vida em Marte? E em outros planetas? Quantos planetas extrasolares já foram descobertos?" Será que essas dúvidas são tão diferentes das que a maioria dos adultos? Como disse o físico I. I. Rabi, os cientistas são os "Peter Pans" da sociedade; querem permanecer crianças, curiosos, perguntando-se sempre sobre os mistérios do mundo. De minha parte, decidi que a cada vez que sentir a chama falhar e precisar de um pouco de pó de pirlipimpim, visitarei uma escola e conversarei com as crianças.