domingo, 26 de maio de 2013

Universo consciente?

 Para o físico John Wheeler, a existência da partícula depende de sua interação com a consciência humana

 Entre os vários mistérios da física contemporânea, poucos se comparam à existência de não localidade na física quântica. Não localidade significa que interações entre entidades separadas podem ocorrer instantaneamente.

É como se o espaço e o tempo não existissem! Quando uma bola vai ao gol ou uma gota de chuva cai, existe um efeito local por trás: o chute, a nuvem carregada. No mundo quântico, dos elétrons e fótons --as partículas de luz--, efeitos podem ocorrer sem causa local, algo de que tratei na coluna do dia 28 de abril.

 Imagine gêmeos, um em São Paulo e outro em Manaus. Entram num bar, um em cada cidade. Se o de São Paulo pede pinga, o de Manaus pede chope. Se o de São Paulo pede chope, o de Manaus pede pinga. Isso ao mesmo tempo, como se soubessem o que o outro pediu. Como é possível, dado que estão longe e não podem se comunicar?

 Essa sincronicidade, se não com gêmeos, foi verificada entre pares de partículas em experimentos à distância que comprovam que a correlação é mais rápida do que a velocidade da luz. Imagino que muitos leitores estejam pensando na premonição, na sincronicidade junguiana etc.

 Lembro que o cérebro humano e os pares de fótons são "sistemas" bem diferentes. Mas cientistas sérios, como o vencedor do Nobel Eugene Wigner e seu colega de Princeton John Wheeler, se questionaram sobre o papel da mente na física.

 Quando medimos algo usamos um detector. Não temos contato direto com um elétron. Sua existência é registrada quando interage com o detector e ouvimos um clique ou vemos um ponteiro mexer. Na interpretação "ortodoxa" da física quântica, é essa interação que determina a existência da partícula: antes da medida, não podemos nem dizer que a partícula existe.

 Wigner e Wheeler acham que, sem um observador, essa medida não faz sentido; foi o observador que montou o detector. A existência da partícula depende de interação com a consciência humana: mais dramaticamente, a consciência determina a realidade em que vivemos.

 Wheeler imaginou um experimento no qual uma partícula passa por um anteparo com dois orifícios e vai de encontro a uma tela móvel. Atrás dela, há dois detectores alinhados com os orifícios. Se a tela é retirada, os detectores acusam por qual orifício a partícula passou.

 Porém, no mundo quântico, partículas podem agir como ondas. Ondas passando por dois orifícios criam padrões de interferência, estrias claras e escuras. Portanto, duas opções: com tela vemos interferência, sem tela vemos detecção de uma partícula. Wheeler sugeriu que a tela fosse retirada após a partícula ter passado pelo anteparo.

Por meio da sua escolha, o observador cria a propriedade física da partícula agindo retroativamente no tempo! O incrível é que a previsão de Wheeler foi confirmada. Observador e observado formam uma entidade única que existe fora do tempo.

 Wheeler extrapolou: "Não somos observadores no Universo, somos participadores. Sem consciência, o mundo não existe! O Universo gera a consciência e a consciência dá significado ao Universo".

Essa visão traz o dilema: será que o Universo só faz sentido porque existimos?

domingo, 19 de maio de 2013

Pergunta inevitável?


A passagem do tempo e o fato de que temos consciência dela compõem, talvez, a condição que mais nos define

Nesta semana estive no Brasil dando uma palestra em um evento corporativo. Havia umas 200 pessoas, de várias regiões do Brasil, executivos e administradores.

Minha missão era iniciar uma reflexão macro, tirando as pessoas de sua área de conforto, colocando questões que, na correria da vida, tendemos a deixar de lado.

Como pediram para que eu falasse sobre o homem, o tempo e o espaço, embarquei numa discussão de como a ciência moderna vê a questão da existência humana: suas origens, seu significado, sua incumbência enquanto espécie, seu destino. Nada mais estimulante do que dividir minhas reflexões sobre esses temas tão fundamentais.

Comecei falando de como somos criaturas limitadas pelo tempo, com uma história que começa e acaba; mostrei que, tal como nós, assim são também as estrelas e o próprio Universo, cada qual com a sua história.

A passagem do tempo e o fato de que nós, como espécie, temos consciência dela são, talvez, a condição que mais nos define: a consciência que temos da nossa existência e da sua finitude.

Argumentei que muito do esforço criativo humano, nossos poemas e nossas sinfonias, a literatura, as ciências e a filosofia, enfim, a soma total da produção cultural da nossa história coletiva podem ser vistos como uma resposta a esses anseios, como uma tentativa de compreender a razão de nossas vidas.

Amor, reprodução, poder e relacionamentos, são manifestações de quem somos e de como escolhemos viver nossas vidas.

Passei para a questão das origens: do Cosmo, das estrelas, da vida, mostrando que todas as culturas de que temos registro oferecem uma narrativa da criação, um esforço de explicar de onde veio tudo.

Olhar para o céu e ver milhares de estrelas nos remete, inevitavelmente, à questão da existência de outros mundos, da possibilidade de que não estamos sós no Universo. Mais ainda quando aprendemos que apenas em nossa galáxia, a Via Láctea, existem em torno de 200 bilhões de estrelas, o Sol sendo apenas uma delas.

Mostrei imagens belíssimas tiradas por sondas espaciais, como o telescópio espacial Hubble, explicando como essas máquinas maravilhosas são um depoimento da criatividade humana: esses pequenos robôs atravessam milhões de quilômetros pelo espaço sideral, visitando outros mundos controlados aqui da Terra por pessoas como nós.

Sugeri que devemos celebrar esses feitos tecnológicos como celebramos outras grandes obras da humanidade, das pirâmides às catedrais medievais, da arquitetura de Brasília à Mona Lisa e às sinfonias de Beethoven.

Mostrei que, diferentemente do que a maioria pensa, e como explico no livro "Criação Imperfeita", quanto mais aprendemos sobre o Cosmo, mais relevantes ficamos: aglomerados moleculares de poeira estelar capazes de refletir sobre quem somos, de construir máquinas que nos permitem ver além da nossa percepção tão limitada do real.

Tentei, com palavras e imagens, celebrar a condição humana e a beleza austera do Cosmo.

E, ao fim de tudo isso, tão inexorável quanto a passagem do tempo, veio a pergunta inevitável: "O senhor acredita em Deus?"

domingo, 12 de maio de 2013

Cientistas devem visitar escolas


Muito se fala sobre reformar o ensino, mas uma medida simples como essa faria uma enorme diferença

Muitas vezes me perguntam como comecei a me interessar por ciência, se era coisa de criança ou se foi na adolescência.

Gostaria de responder que tive mentores desde cedo, que um físico ou um biólogo visitou minha escola quando eu estava na 3ª série e fiquei encantado com o mundo da ciência. Mas não foi isso o que ocorreu comigo e não é, ainda, o que ocorre com a maioria das crianças.

Cientistas e engenheiros raramente visitam escolas, públicas ou privadas, para falar às crianças sobre o que fazem e por que o fazem. Nem mesmo as escolas de seus próprios filhos. Isso não faz o menor sentido.

A verdade é que meu interesse por ciência foi um acidente, algo que veio de dentro, uma urgência para entender como o mundo funciona e como podemos nos relacionar de forma profunda com a natureza.

Tive a sorte de passar meus verões na casa de meus avós em Teresópolis, na serra dos Órgãos, a cerca de duas horas do Rio.

Lá, colecionei insetos e pedras, cacei morcegos, pesquei, subi e desci morro, corri de cobras, aprendi quais aranhas eram as mais peçonhentas, trepei em árvore e explorei matagais. Minha exposição à natureza foi direta, parte da infância.

Apenas mais tarde, quando comecei a ter aulas de física, química e biologia na escola, entendi que existia um método para estudar o mundo e as suas criaturas, um método que poderia se tornar uma carreira, uma escolha de vida.

Aos 13 anos, sabia que faria algo relacionado a ciências ou engenharia. Isso sem nunca ter visto um cientista ou conversado com um! Minha fonte de informação eram os livros, a TV e a minha família. (Que, aliás, até hoje não tem outro cientista.)

Toda escola deveria ter um programa que leva cientistas, matemáticos e engenheiros ao menos uma ou duas vezes ao ano para falar sobre suas pesquisas e suas vidas.

Não precisam ser pesquisadores famosos; alunos de doutorado também deveriam participar, da astronomia à zoologia. Pense na diferença enorme que um contato desses pode fazer na vida de um jovem.

Imagine a classe de 30 alunos sentados em suas mesas assistindo a uma apresentação cheia de imagens incríveis sobre o mundo das partículas, sobre a importância da química em nossas vidas, sobre os avanços da medicina, sobre como construir pontes e represas ou microchips e sondas espaciais, sobre buracos negros e outros planetas, sobre a revolução genética, sobre como a ciência define o mundo em que vivemos, mesmo que poucos parem para pensar sobre isso. Se cinco se interessarem, ótimo.

Faço isso com frequência no Brasil e nos EUA. E vejo os olhos da meninada brilhando -até os adolescentes param de mandar torpedos-, a curiosidade aguçada, a possibilidade de um futuro que, antes, nem sabiam ser viável.

Falamos muito em transformar o ensino em nosso país, em reformas curriculares, formação de professores etc. Tudo muito importante.

Mas um primeiro passo simples e eficaz é que cientistas, engenheiros e matemáticos tomem a iniciativa, contatem escolas em sua vizinhança, começando com as de seus filhos, e façam uma ou duas apresentações por ano. São duas horas de seu tempo que podem transformar o futuro de milhares de jovens.

domingo, 5 de maio de 2013

Um sábio conselho


'Péssima ideia', me disse John Bell quando eu, ainda jovem, quis estudar as bizarras 'ações à distância'

Quando estava começando meu curso de doutorado na Inglaterra, tive a oportunidade de conhecer o famoso físico John Bell.

No meu segundo ano, após passado o temido exame de qualificação, tinha que escolher minha área de pesquisa. Meu orientador, John G. Taylor, estava interessado em teorias de unificação usando a supersimetria, a última moda no início dos anos 80, graças aos resultados dos físicos John Schwartz e Michael Green em teorias de supercordas.

A ideia era explorar modelos descrevendo as forças fundamentais da matéria em nove ou dez dimensões espaciais, eventualmente reduzindo tudo a uma teoria efetiva nas três dimensões que conhecemos.
O tópico era bem técnico --mais matemática do que física-- e não me interessei muito.

John Bell era um dos palestrantes em uma conferência em Oxford e resolvi pegar um trem e me apresentar a ele. Bell trabalhava no Cern, o mesmo laboratório onde, ano passado, descobriram o bóson de Higgs.

Mas ele era famoso por outro resultado, um teorema que revolucionou nossa compreensão do mundo quântico. Desde que era aluno de graduação na PUC-Rio, me interessava pela interpretação da mecânica quântica, no que dizia a teoria mais efetiva e mais misteriosa da física. (Leitores das minhas duas últimas colunas sabem do que falo.)

A apresentação de Bell era sobre seu teorema de 1964 e sobre recentes verificações experimentais. (Experimentos de John Clauser e Alain Aspect.) A física quântica, que trata dos átomos e das partículas subatômicas, produz efeitos muito bizarros. Entre eles, a possibilidade de que dois objetos separados por grande distância exerçam "influência" mútua mais rápida do que a velocidade da luz.

Isso vai contra toda a física anterior e a nossa intuição de que um efeito tem uma causa que, mesmo se rápida, é mais lenta do que a luz.

A mecânica quântica não explica isso, simplesmente aceitando que a coisa é assim. Extensões da teoria tentam justificar o que ocorre usando as chamadas "variáveis escondidas" de David Bohm. O teorema de Bell oferece um teste para ver se a teoria quântica é completa ou se extensões são viáveis.

Objetos quânticos devidamente "emaranhados", ou em interação, se comportam como uma unidade mesmo se separados. Por exemplo, imagine dois elétrons saindo de uma fonte em direções opostas. Imagine que estejam também girando em sentidos diferentes --elétrons não são piões, mas vamos lá.

Se o giro de um é invertido, o do outro também se inverte sem ninguém tocá-lo. O mais incrível é que isso ocorre mais rápido do que a velocidade da luz, talvez até instantaneamente, se bem que nunca poderemos confirmar se algo ocorre instantaneamente, pois nossos instrumentos não têm precisão absoluta.

Bell e os experimentos demonstraram que extensões da mecânica quântica com ação local não funcionam; a natureza é não local, isto é, sujeita às bizarras "ações à distância". Empolgado, perguntei a Bell se me orientaria. "Péssima ideia um jovem trabalhar nisso", disse. "Espere até você ter uma reputação sólida. Caso contrário, ninguém o levará a sério." Não sei se chegou a hora, mas o "fantasma quântico" vem me assombrando nesses dias.