domingo, 26 de fevereiro de 2012

Consciência cósmica

Quanto mais percebemos a complexificação da matéria, mais entendemos que somos criaturas raras

Desde 1998, o agente literário, empresário e intelectual americano John Brockman vem compilando opiniões de alguns dos cientistas mais conceituados do mundo, publicadas em livros. Cada ano tem um tema diferente. Em 2010 foi discutido "Como a internet está mudando nosso modo de pensar". Neste ano, a pergunta foi "Qual o conceito ou a ideia científica que pode nos aprimorar?" As 151 respostas, vindas de especialistas como Freeman Dyson, Daniel Kahneman e Steven Pinker, acabam de ser publicadas nos EUA em "This Will Make You Smarter"("Isto vai deixar você mais esperto"), livro que já avança na lista dos mais vendidos do país.

Brockman acredita que os cientistas (naturais e sociais) são os que ponderam as questões mais essenciais do nosso tempo. E não falamos apenas de aquecimento global ou do destino do Universo. Questões de natureza pessoal, ou mesmo corporativas, fazem parte da discussão: como viver melhor, o que é moralidade, como lidar com ideias contrárias às suas, como crescer trabalhando em grupos etc.

Inspirado no famoso ensaio "As Duas Culturas e a Revolução Científica", de 1959, do físico e escritor inglês Charles Percy Snow, Brockman propõe uma "Terceira Cultura", em que cientistas-humanistas são os principais criadores de cultura e de revoluções culturais.

Segundo ele, a fertilização plural de ideias vindas de áreas diferentes levará não só a soluções para os principais problemas que afligem a humanidade, da energia à fome, como também definirá nosso futuro.

Neste ano, dentre as muitas ideias provocadoras e instigantes, um tema fala mais alto do que os outros. Mesmo que tenhamos muito o que celebrar com relação aos nossos avanços científicos e intelectuais, temos razões de sobra para permanecermos humildes, especialmente ao confrontarmos a vastidão do que não sabemos sobre o Universo e sobre nós mesmos.

Como escreveu o neurocientista David Eagleman, da Faculdade Baylor de Medicina: "Considere as inúmeras decisões políticas, as asserções dogmáticas e as declarações factuais que ouvimos todos os dias e imagine se todas tivessem um mínimo de humildade intelectual".

Na minha contribuição, abordo um tema que explorei em meu livro "Criação Imperfeita" (Ed. Record, 2010): como o progresso na astrobiologia e na cosmologia estão nos fazendo repensar a lição central do copernicanismo, a de que, quanto mais aprendemos sobre o Universo, menos importantes ficamos.

Ao contrário, quanto mais percebemos que a complexificação gradual da matéria ao longo da história cósmica -das partículas elementares à matéria viva- é produto de imperfeições, acidentes e assimetrias sem qualquer grande plano por trás dela, mais entendemos que somos um fenômeno único no Cosmos, criaturas raras, capazes de se questionar sobre o futuro.

Mesmo que outra inteligência exista em algum canto da galáxia, as distâncias interestelares agem como uma barreira que, ao menos pelas próximas gerações, é intransponível. A conscientização de nossa solidão cósmica e da raridade de nossa casa planetária nos leva (ou deveria levar) a uma nova relação com a vida. Está na hora de começarmos a celebrar nossa existência.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Um mundo alienígena na Terra


É possível haver vida nas profundezas do lago Vostok, na Rússia. Que criaturas seriam essas?

O espaço sideral não é a única fronteira. Existem outras aqui na Terra, em locais inóspitos e ainda inexplorados. São cada vez mais escassos, ao menos os que são acessíveis a pé, de barco ou por máquinas voadoras. Mas, felizmente, sobram os mundos subterrâneos, nas profundezas dos oceanos, em cavernas ainda não descobertas ou soterrados sob quilômetros de gelo. As possibilidades são enormes e prometem desafiar nossa imaginação.

Na semana passada, um time de cientistas russos anunciou ter chegado até a superfície do lago Vostok, na Antártida. O incrível é que esse lago de água puríssima, com aproximadamente 250 km de extensão e 50 km de largura, está a quase 4 km de profundidade, enterrado sob espessa camada de gelo.

Em 1983, nesse mesmo local, foi registrada a temperatura mais baixa na Terra, -89 graus Celsius. Realmente, um local bem diferente das nossas terras tropicais.

Foram quase três décadas de trabalho para as brocas dos russos chegarem até o lago. Eles só se aventuravam até o local no verão, o que limitava o tempo em que podiam perfurar o gelo. Usando 60 toneladas de querosene e outros fluidos, conseguiram finalmente alcançar seu objetivo (embora tenham provocado sérias dúvidas quanto ao impacto de seus métodos na qualidade da água do lago). Mesmo que tenha havido algum vazamento -os russos garantem que não-, o volume dos poluentes é pequeno se comparado ao volume do lago. E a enorme diferença de pressão, 360 vezes maior do que a pressão atmosférica (por isso que a água do lago permanece líquida, mesmo a -3 graus Celsius), fará com que a água suba imediatamente e congele novamente, selando a cavidade feita pela broca.

Existem outros 145 lagos submersos sob o gelo da Antártida, mas nenhum com as dimensões do Vostok.

Calcula-se que ele tenha ficado isolado durante 20 milhões de anos, criando um ambiente único: sem luz, sempre frio, supersaturado com oxigênio e outros gases. Trata-se de um mundo alienígena com o qual nunca tivemos contato.

É possível que existam formas de vida nesse ambiente inóspito. Nesse caso, elas poderiam fazer parte de um ecossistema diferente de qualquer outro, adaptadas a águas frias e escuras por milhões de anos.

Que criaturas seriam essas? Se alguma forma de vida existir por lá, ela se alimenta de fontes de energia alternativas. Isso porque poucos nutrientes estão disponíveis.

Porém, sabemos da incrível resiliência da vida na Terra. Há extremófilos nas profundezas de oceanos próximos a fumarolas vulcânicas e mesmo nas piscinas radioativas de reatores nucleares. Não me surpreenderia nada se algo fosse encontrado nas águas do lago Vostok (embora muito cuidado tenha que ser exercido para evitar a contaminação por bactérias vindas da superfície ou que existem no gelo).

O lago Vostok é o que temos de mais próximo na Terra dos oceanos subglaciais de Europa, um dos satélites de Júpiter. Lá, uma camada de gelo de quilômetros de espessura cobre um vasto oceano com volume ao menos duas vezes maior do que todos os oceanos da Terra.

Se houver algum tipo de vida no lago Vostok, é muito possível que exista vida em outros mundos da nossa vizinhança celeste.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O medo do fim e o sentido da vida





Será que o medo do fim do mundo reflete um temor de termos desperdiçado a vida apenas em trivialidades?

Para um cientista que gosta do seu trabalho, a busca pelo conhecimento sobre o mundo natural é uma fonte constante de inspiração (e de transpiração!). Os cálculos, o equipamento nos laboratórios e nos observatórios e os computadores são as ferramentas que dão estrutura ao conteúdo do seu trabalho, da mesma forma que a tela, as tintas e o pincel dão estrutura à arte do pintor. Escrevo isso porque recentemente li um artigo em um blog da "Revista de Negócios de Harvard" ("Harvard Business Review") em que o autor, Umair Haque, pergunta o que traz sentido à vida.

No mesmo dia em que li o artigo de Haque, ouvi uma palestra de Anthony Aveni, uma autoridade mundial em arqueoastronomia, especialista nos maias. O tema tratava da famosa "previsão" de que no dia 21 de dezembro de 2012 o calendário Maia acaba e, com ele, o mundo.

Aveni demonstrou a falácia dessa história examinando a "evidência": uma simbologia que deve ser interpretada do mesmo modo que outros fins de calendário dos maias e de outras culturas.

Em termos de causas cósmicas, não há qualquer motivo para alarme. Alinhamentos planetários como o previsto para o fim do ano são irrelevantes e já ocorreram diversas vezes. Só como exemplo, as marés são causadas principalmente pela Lua e pelo Sol. O efeito de Vênus, o planeta mais próximo da Terra, sobre as marés é menor do que um milésimo de centímetro!

Mais interessante é a origem do medo apocalíptico e o modo como ele ocorre em diversas culturas. Isso já examinei no livro "O Fim da Terra e do Céu" (Cia das Letras, 2001). Aqui, voltamos ao ponto levantado por Haque. Será que o medo do fim reflete um temor de ter desperdiçado a vida? De que ao chegarmos ao fim da linha não teremos nada que nos fará olhar para trás com um senso de realização?

Haque foca seu artigo na busca por algo que dê sentido e valor à vida. Afirma que perdemos tempo demais com trivialidades e que, por isso, julgamos levar uma existência vazia. Deveríamos, sugere, investir mais em criar algo que sobreviva ao "teste do tempo". Para ele, o sentido da vida está no seu legado.

Somos criaturas limitadas pelo tempo, com um início e um fim. O medo do fim, ao menos em parte, vem da falta de controle sobre a passagem do tempo. Não sabemos quando o nosso fim pessoal chegará. Então tentamos manter nossa presença mesmo após não estarmos mais presentes fisicamente. Isso porque só deixaremos de existir quando formos esquecidos. (O que você sabe do seu tataravô ou de outro parente do passado distante?)

Não há nada de elitista nesse legado. Não precisa ser um Nobel, uma sinfonia ou um poema imortal. Ser devoto à família, criar uma receita que passa de geração em geração, melhorar a vida de alguém, inspirar estudantes, tudo dá sentido à vida. A dificuldade dessa discussão está na questão do valor. O que tem valor para mim pode não ter para você e vice-versa.

O que importa é o que se faz com a vida que se tem e não com a vida que um dia não vai existir mais. Se temos saúde, a coisa mais importante é a liberdade. Ser livre é poder escolher ao que se prender. Com apocalipse ou não, uma vida bem vivida será sempre curta demais.