domingo, 8 de abril de 2012

'Jogos Vorazes', evolução e amor



O filme revela uma perspectiva triste da humanidade: moralmente, continuamos nas cavernas

No fim de semana passado assisti ao filme "Jogos Vorazes", baseado na trilogia de Suzanne Collins. Confesso que fui meio a contragosto, se bem que meus dois filhos mais velhos me garantiram que eu iria gostar. E gostei mesmo.

No gênero das distopias futurísticas, essa é uma ficção que traz o que a humanidade tem de melhor e de pior, ancorada nas lições do darwinismo. Mesmo com narrativa um tanto juvenil, o filme tem bela cinematografia e os atores são excelentes, misturando nomes famosos, como Donald Sutherland, com caras novas, como Jennifer Lawrence, que faz a heroína Katniss Everdeen.

Num futuro distante, o poder foi centralizado. Alguns poucos vivem uma vida de extrema decadência e afluência no Capitólio, o coração de Panem, enquanto que a maioria sobrevive miseravelmente em 12 distritos adjacentes, cuja função é prover bens para a classe dominante. A semelhança com o Império Romano não é mera coincidência.

De fato, os tais jogos são uma reinvenção das terríveis batalhas travadas pelos gladiadores no Coliseu. A cada ano, um casal de jovens de cada distrito é selecionado para participar dos jogos. Para o deleite da população de Panem, os 24 batalham até o último sobrevivente, que pode retornar livre para o seu distrito. Embora não tenha lido os livros, soube que são ainda mais violentos do que o filme. Quando perguntei aos meus filhos por que essa história não virou videogame, me informaram que "em videogames é tabu matar criança". Esse tipo de moral jamais restringe a ficção.

Armas de todos os tipos são fornecidas, se bem que chegar até elas pode ser fatal. Os jogos são um exercício de sobrevivência do melhor "adaptado", embora isso não signifique necessariamente ser o mais rápido ou o mais forte. (Uma combinação dos dois sem dúvida é útil, mas não decisiva.)

Com o desenrolar da história, vemos alianças sendo formadas para derrotar um inimigo poderoso. O dilema, claro, é que essas alianças são temporárias, já que no final só um pode sobreviver. Você só pode confiar em si mesmo. A menos que alguém queira se sacrificar por você.

Na teoria da evolução, autossacrifício faz sentido se ele beneficiar a sobrevivência do grupo. Mas qual o seu valor quando não existe um grupo e cada um deve lutar por si? Será esse tipo de sacrifício a maior expressão de amor?

Até o amor pode ser uma boa estratégia, e podemos nos questionar se as poucas relações afetuosas eram genuínas ou apenas convenientes. Um teste só poderia ocorrer após os jogos, o que é impossível, já que apenas um pode sobreviver. A relação de Katniss e seu companheiro de distrito Peeta me pareceu bem unidirecional.

Esse tipo de narrativa revela uma perspectiva triste da humanidade: embora possamos desenvolver tecnologias sofisticadas, moralmente continuamos nas cavernas.

Uma louvável exceção é Steven Pinker, que em seu livro mais recente descreve como nossa espécie vem progredindo moralmente. Talvez, mas falta muito ainda.

Espero que as pessoas que leiam o livro de Pinker ou assistam a "Jogos Vorazes" vejam a lição dessas obras: que só progrediremos moralmente como espécie quando tornarmos a proteção da vida um lema.