domingo, 25 de julho de 2010

Vida em Titã?



Alguma forma de química exótica está acontecendo na superfície do misterioso satélite do planeta Saturno

As manchetes foram bombásticas: "Cientistas da Nasa descobrem evidência de vida extraterrestre em lua de Saturno", disse o diário britânico "Daily Telegraph" . Como essa, saíram outras tantas.

A notícia se baseava em dois artigos publicados usando dados colhidos pela sonda-laboratório Cassini, que vem circundando Saturno e suas luas. Um deles, que veio a público na revista científica "Icarus", descreve como moléculas de hidrogênio são vistas fluindo em direção à superfície de Titã e desaparecendo por lá. No outro, na revista especializada "Geophysical Research", um levantamento das várias moléculas orgânicas que existem na superfície de Titã mostra uma misteriosa ausência de acetileno.

De acordo com o cientista da Nasa Chris McKay, o acetileno é a melhor fonte de energia para formas de vida com metabolismos à base de metano. Portanto, se está faltando acetileno, talvez ele esteja sendo usado como comida. O hidrogênio é ainda mais importante, pois é um ingrediente-chave de metabolismos baseados em metano. Seu sumiço é mesmo estranho.

Infelizmente, argumentos a favor de vida extraterrestre baseados na ausência de duas substâncias químicas não são muito convincentes. A manchete do "Daily Telegraph" foi extremamente sensacionalista.

De qualquer forma, as descobertas demonstram que algum tipo de química exótica está ocorrendo na superfície da misteriosa lua de Saturno, cuja temperatura gira em torno de 178 graus Celsius negativos. Nesse mundo gelado, o metano e o etano -que na Terra são gases- fluem como líquidos, formando lagos não muito diferentes dos que vemos aqui. A realidade é mais criativa do que a fantasia!

A exuberância química de Titã é prova de que ainda teremos muitas surpresas. A previsão de McKay, descrevendo as substâncias que devem faltar devido a uma forma de vida hipotética baseada em metano, é digna de nota. Mesmo que a evidência não tenha a ver com a presença de vida em Titã, o fato de termos hoje máquinas capazes de procurar vida extraterrestre é genial.

Vivemos numa era privilegiada, na qual ETs são objeto de pesquisa, e não apenas personagens de livros e filmes. Resta ver se descobriremos algum tipo de vida extraterrestre nas próximas décadas. Se descobrirmos, muito provavelmente será uma vida simples, possivelmente unicelular.

Isso não é de todo ruim. Qualquer descoberta de vida extraterrestre causará uma profunda transformação na humanidade. Afinal, se existe outro tipo de vida na nossa vizinhança cósmica, a probabilidade é alta de que ela existirá também pela galáxia afora. Nesse caso, teremos de perguntar por que não temos ainda evidência convincente de que existem outros seres inteligentes no cosmo. Infelizmente, os depoimentos atuais, baseados em visões estranhas, luzes que pairam no ar etc. não podem ser usados como prova.

Mesmo que esse assunto mereça outra coluna inteira, a raridade da vida e, mais ainda, a da vida inteligente, deve suscitar muita reflexão.

Carl Sagan escreveu que, num Universo tão grande, a presença única da Terra como planeta com vida seria
um grande desperdício de espaço. Mesmo se não formos os únicos, é inevitável nos perguntar porque somos tão especiais.

domingo, 18 de julho de 2010

O Universo acelerado


Poucos físicos imaginariam uma teoria em que o cosmo é dominado pela energia do espaço vazio


Quando alguém me diz que não existem surpresas em ciência, penso sempre na descoberta da aceleração cósmica. Em 1998, dois grupos de astrônomos pesquisavam supernovas em galáxias distantes. Supernovas, é bom lembrar, são explosões extremamente dramáticas que marcam os momentos finais de estrelas com massas muito altas (as de tipo II) ou as que existem em pares, onde uma absorve a massa da outra (as de tipo I).

As supernovas que interessavam aos astrônomos eram as de tipo I. Essas explosões são todas parecidas, como se fossem o mesmo tipo de fogos de artifício: quando se vê uma se vê todas. Isso permite aos astrônomos determinar distâncias até as estrelas e, portanto, até as galáxias que as abrigam. Supernovas são como marcos cósmicos que podem ser usados para determinar distâncias de milhões de anos-luz.

Ao examinar a luz proveniente das supernovas, ambos os grupos determinaram que as galáxias se afastavam de nós com velocidades bem maiores do que o esperado.

Claro, sabia-se já que o Universo em expansão implica no afastamento das galáxias. Mas até então, este afastamento ocorria com uma velocidade proporcional à distância. O que se observou foi um distanciamento acelerado, bem mais rápido do que o esperado. O Universo, parece, está com pressa de crescer.

Qual poderia ser a causa disso?

Einstein, em 1917, havia mostrado que era possível criar uma aceleração cósmica com a inserção de um termo extra em suas equações que descrevem a geometria do Universo.

Ele não explicou de onde vinha esse termo, que ficou conhecido como "constante cosmológica". Seu efeito, literalmente, é criar uma espécie de repulsão no espaço, que cresce exponencialmente rápido.

Com a física moderna, a origem desse termo ficou mais clara. Segundo a física quântica, que descreve o comportamento de átomos e partículas subatômicas, nada é absolutamente estável: tudo vibra, especialmente as menores partículas de matéria. Dado que o movimento está relacionado com a energia, essa vibração intrínseca implica que não existe uma energia zero: mesmo no espaço vazio existe uma vibração, onde partículas de matéria podem surgir do "nada" e retornar a esse nada como bolhas numa sopa em permanente ebulição. Ou seja, na física moderna, o vácuo não é vazio.

Apesar de ainda não conhecermos a causa da expansão acelerada do Universo, temos um nome para ela: energia escura. Sabemos que ela corresponde à 73% da energia total que preenche o cosmo, sendo portanto sua contribuinte mais importante. Muito mais do que a matéria comum, feita de prótons e elétrons, que contribui em apenas 4%.

Seria realmente fascinante se a energia escura fosse de fato consequência da energia do vácuo: neste caso, o nada determinaria o comportamento do Universo.
Retornando ao tema inicial, antes de 1998 poucos físicos iriam supor que o Universo seria dominado pela energia do vazio ou algo semelhante. A descoberta foi submetida a um escrutínio detalhado, como deve sempre ocorrer em ciência. E tudo indica que a energia escura está aqui para ficar. O que prova que o cosmo é muito mais estranho do que poderíamos imaginar.


domingo, 11 de julho de 2010

Sobre o natural e o sobrenatural


Sem telescópios, microscópios e detectores, nossa visão de mundo seria mais limitada

Semana passada, escrevi sobre a importância do não saber, de como o conhecimento avança apenas quando parte do não saber, isto é, do senso de mistério que existe além do que se sabe.

A questão aqui é de atitude, do que fazer frente ao desconhecido. Existem duas alternativas: ou se acredita na capacidade da razão e da intuição humana (devidamente combinadas) em sobrepujar obstáculos e chegar a um conhecimento novo, ou se acredita que existem mistérios inescrutáveis, criados por forças além das relações de causa e efeito que definem o normal.

Em outras palavras, ou se vive acreditando em causas naturais por trás do que ocorre no mundo, ou se acredita em causas sobrenaturais, além do explicável.

Quando falo sobre isso, com frequência me perguntam se não seria possível uma conciliação entre as duas: parte do mundo sendo natural e parte sobrenatural. Não vejo como isso poderia ser feito.

No meu livro recente "Criação Imperfeita", argumentei que a ciência jamais será capaz de responder a todas as perguntas. Sempre existirão novos desafios, questões que a nossa pesquisa e inventividade não são capazes de antecipar.

Podemos imaginar o conhecido como sendo a região dentro de um círculo e o desconhecido como sendo o que existe fora do círculo. Não há dúvida de que à medida em que a ciência avança, o círculo cresce. Entendemos mais sobre o universo, sobre a vida e sobre a mente. Mas mesmo assim, o lado de fora do círculo continuará sempre lá. A ciência não é capaz de obter conhecimento sobre tudo o que existe no mundo.

E por que isso? Porque, na prática, aprendemos sobre o mundo usando nossa intuição e instrumentos. Sem telescópios, microscópios e detectores de partículas, nossa visão de mundo seria mais limitada.

A tecnologia abre novas janelas para um mundo que, outrossim, permaneceria invisível à nossa limitada percepção da realidade. Porém, tal como nossos olhos, essas máquinas têm limites. Existem outros, ligados à própria estrutura da natureza, como o princípio de incerteza da mecânica quântica. Mas eles podem mudar com o avanço da ciência.

Essa imagem, de que o conhecido existe em um círculo e que muito do mundo permanece obscuro pode gerar confusão. Ou ainda pode ser manipulada por aqueles que querem inculcar nas pessoas um senso de que estamos cercados por forças ocultas que, de algum modo, controlam nossas vidas. É aqui que entram as alternativas que mencionei.

Parafraseando o poeta romano Lucrécio, as pessoas vivem aterrorizadas pelo que não podem explicar. Ser livre é poder refletir sobre as causas dos fenômenos sem aceitar cegamente "explicações inexplicáveis", ou seja, explicações baseadas em causas além do natural.

Essa escolha exige coragem. Implica na aceitação de que certos aspectos do mundo, apesar de inexplicáveis, não são sobrenaturais.

Não é fácil ser coerente quando algo de estranho ocorre, uma incrível coincidência, a morte de um ente querido, uma premonição, algo que foge ao comum. Mas como dizia o grande físico Richard Feynman, "prefiro não saber do que ser enganado". E você?

domingo, 4 de julho de 2010

A importância de não saber




Experimentos sem teoria são prosaicos e teorias sem experimentos são cegas; Einstein concordaria


Vivemos em tempos privilegiados. Ao menos no que diz respeito à cosmologia e à física de partículas. Para um cientista, nada mais empolgante do que ter em mãos novas tecnologias capazes de testar teorias. Às vezes, são décadas antes que máquinas possam investigar realidades distantes do nosso dia a dia. Mas, um dia, as ideias são testadas. E aí, é a glória ou a lata de lixo.

A história da cosmologia nos últimos cem anos ilustra bem isso. Albert Einstein foi o primeiro a propor um modelo para o cosmo, baseado em sua teoria da gravidade, a relatividade geral. Isso se deu em 1917, antes de ele ter qualquer razão para supor um Universo que muda com o tempo. Daí ter proposto o mais simples, um cosmo estático e esférico.

Entre 1917 e 1929, ano em que Edwin Hubble descobriu a expansão cósmica, vários modelos surgiram, com todo o tipo de comportamento. Em 1922, o russo Alexandre Friedmann sugeriu que o cosmo poderia expandir-se para sempre ou chegar a um tamanho máximo e se contrair. Daí, poderia alternar expansão e contração indefinidamente.

Einstein não gostou das ideias de Friedmann. Mas em 1931 acabou se convencendo, após visitar Hubble no Observatório do Monte Wilson, nos EUA. Precisou de dados concretos para mudar de ideia.

O próximo episódio ocorreu no final da década de 1940. Três físicos ingleses, desiludidos com a ideia de que o Universo poderia ter tido um começo e, portanto, uma história, propuseram o "estado padrão", no qual o Universo era eterno. Com isso, queriam se livrar da conexão inevitável com o Gênesis. Para ser compatível com a expansão, sugeriram que matéria era criada para compensar sua diluição, mantendo o cosmo num estado padrão.

No meio tempo, George Gamow, físico russo residindo nos EUA, propôs o modelo do Big Bang, no qual o cosmo surge de uma singularidade no passado. Junto com Ralph Alpher e Robert Hetman, calculou que deveria existir uma radiação por toda parte, um fóssil de quando os primeiros átomos de hidrogênio foram formados. Em 1965, a radiação primordial foi encontrada e o modelo do estado padrão, que não podia explicá-la, foi abandonado.

Hoje, temos duas observações ainda não explicadas. Primeiro, que galáxias são circundadas por um véu de matéria escura, um tipo de matéria que não produz a própria luz e interage apenas gravitacionalmente com a matéria comum. Segundo, que a expansão cósmica está acelerando. O culpado dessa pressa celeste tem um nome, "energia escura". Mas só isso.

Sabemos que a matéria escura representa 23% do material cósmico, enquanto que a energia escura representa cerca de 70%. Mas não sabemos do que são feitas. Imagino que a energia escura esteja relacionada com o vazio. Pois é, é possível que a componente dominante do Universo venha do nada. Devido ao princípio da incerteza da física quântica, não existe o vazio: flutuações de energia vindas do nada podem criar matéria, numa dança perpétua de criação e destruição.

Em ciência, é bom não saber. Precisamos de dados para decidir. Afinal, experimentos sem teoria são prosaicos e teorias sem experimentos são cegas. Acho que Einstein concordaria com isso.