sábado, 26 de novembro de 2011

O vazamento

Toda exploração nos limites do conhecimento envolve riscos enormes. A do pré-sal não será diferente

Aconteceu o primeiro desastre sério da história recente da exploração petrolífera da costa do Rio. Cheguei aqui nesta semana e fiquei horrorizado com as manchetes sobre o vazamento de óleo no campo de Frade, em poço explorado pela Chevron na bacia de Campos, a 370 quilômetros do continente.

O vazamento ocorre a uma profundidade de 1,2 km e, até quarta-feira, havia liberado, segundo a empresa, em torno de 2.500 barris após 15 dias. Existem disparidades entre o que a ANP (Agência Nacional de Petróleo), os observadores da ONG SkyTruth e os porta-vozes da Chevron andam dizendo.

Segundo a SkyTruth, o vazamento foi de cerca de 15 mil barris, muito superior ao declarado pela companhia. Enquanto a Chevron diz ter engajado 18 navios em rodízio para a limpeza da região, a Polícia Federal do Rio diz que havia apenas um. Para piorar, a empresa contratada para perfurar o poço, a Transocean, é a mesma que operava a plataforma Deepwater Horizon, responsável pelo maior vazamento da história americana, no golfo do México, no ano passado.

Consequentemente, a ANP suspendeu as atividades da Chevron no Brasil e negou à companhia a possibilidade de perfurar novo poço para explorar a camada do pré-sal. Com uma reserva estimada em 50 milhões de barris, o pré-sal é uma das maiores descobertas dos últimos 30 anos. Não é coincidência que, quando voo para o Rio hoje, noto que uma fração razoável dos passageiros trabalham para a indústria petrolífera e suas subsidiárias.

Com o aumento da população mundial e, consequentemente, do consumo de petróleo e seus derivados, fica cada vez mais difícil achar reservas de fácil exploração. Mas o pré-sal realmente bate todos os recordes. Com profundidade de 6 a 7 quilômetros da superfície e passando por uma camada de sal com espessura variando de 200 metros a 2 quilômetros, a extração será extremamente difícil, desafiando a tecnologia atual.

Desde que ouvi falar do pré-sal pela primeira vez, tenho tido pesadelos sobre a possibilidade concreta de desastres ecológicos de dimensões catastróficas, capazes de comprometer a costa do Brasil desde o Espirito Santo até Santa Catarina.

Ouvimos muito sobre a euforia da descoberta e sobre como é viável a extração do petróleo sob essas condições complicadas, mas muito pouco sobre medidas tomadas caso vazamentos ocorram, o que me parece inevitável. Toda exploração nos limites do conhecimento envolve riscos enormes. O pré-sal não será uma exceção para esse fato.

Enquanto outras economias debatem como ir além do uso de combustíveis fósseis, o Brasil, com sua vasta rede hidrelétrica e potencial solar e eólico, parece estar querendo ir para trás. Claro que todos querem os royalties que vêm da exploração do petróleo, sempre com a visão do lucro a curto prazo. Mas acidentes como esse, no campo de Frade, mostram os perigos da exploração desenfreada e sem medidas rígidas de controle.

O pré-sal pode vir a ser a galinha dos ovos de ouro do Brasil. Vale lembrar que, na fábula de Esopo, o dono da galinha, ganancioso e impaciente, acaba por matá-la para pegar os ovos que acreditava ter no ventre. E acaba sem nenhum.

domingo, 13 de novembro de 2011

O cérebro determina o que é real?

Estamos cercados de radiação eletromagnética que não vemos. O essencial é invisível aos olhos

Para que eu esteja escrevendo estas palavras, uma coreografia desconhecida organiza a ação coletiva de milhões de neurônios no meu cérebro: ideias emergem e são expressas em palavras, que datilografo no meu laptop graças à coordenação detalhada dos meus olhos e músculos. Algo está no comando, uma entidade que chamamos de "mente".

Segundo a neurociência moderna, nossa percepção do mundo é sintetizada em regiões diferentes do cérebro. O que chamamos corriqueiramente de "realidade" resulta da soma integrada de incontáveis estímulos coletados pelos cinco sentidos, captados no mundo exterior e transportados para nossas cabeças pelo sistema nervoso.

A cognição, a experiência concreta de existirmos aqui e agora, é uma fabricação de incontáveis reações químicas fluindo por bilhões de conexões sinápticas entre neurônios.

Eu sou e você é uma rede eletroquímica autossustentável, que se define através de sua atuação na malha de células biológicas que constituem o nosso corpo. Mas somos muito mais do que isso.

Somos todos diferentes, mesmo se feitos da mesma matéria-prima. A ciência moderna destituiu o velho dualismo cartesiano de matéria e alma em favor de um materialismo estrito. Hoje, afirmamos que o teatro do ser ocorre no cérebro e que o cérebro é uma rede de neurônios que se acendem e apagam como luzes numa árvore de Natal.

Ainda não temos ideia de como essa coreografia neuronal engendra a nossa sensação de existirmos como indivíduos. Vivemos nossas vidas convencidos de que a separação entre nós e o mundo à nossa volta é clara. Precisamos dela para construir uma visão objetiva da realidade que nos cerca.
No entanto, nossa percepção dessa realidade, na qual baseamos nossa sensação de existir como indivíduos, está longe de ser completa. Nossos sentidos capturam apenas uma pequena fração do que realmente ocorre à nossa volta. Trilhões de neutrinos vindos do coração do Sol atravessam nossos corpos a cada segundo.

Estamos cercados por radiação eletromagnética de todos os tipos-ondas de rádio, infravermelha, micro-ondas-sem nos dar conta disso. Sons escapam da nossa audição, grãos microscópicos de poeira e bactérias são invisíveis aos nossos olhos. Como disse a raposa ao Pequeno Príncipe: "O essencial é invisível aos olhos".

Nossos instrumentos em muito ampliam nossa visão, permitindo-nos "ver" o que escapa aos nossos sentidos. Mas a tecnologia tem limites, mesmo que esteja sempre avançando. Portanto, uma grande fração do que ocorre escapa e escapará à nossa detecção. O que sabemos sobre o mundo depende do que podemos medir e detectar.

Quem, então, pode determinar que sua sensação do real é a verdadeira? O indivíduo que percebe a realidade apenas com os sentidos? Ou o que amplifica sua visão com instrumentos diversos?

Obviamente, essas pessoas verão coisas diferentes. Se compararem o que chamam de realidade material, o conjunto das coisas que existem à sua volta, irão discordar completamente. Qual dos dois está certo? Eu proponho que nenhum está. Mas vamos ter de continuar essa conversa na semana que vem.

domingo, 6 de novembro de 2011

O que é o espaço?

O espaço vazio não existe: há um vácuo de flutuações de energia capazes de criar partículas de matéria

DE VEZ em quando é bom parar e refletir sobre coisas que pensamos ser triviais. Com frequência, descobrimos que o que tomamos como simples é bem mais complicado do que parece. Esse é o caso do conceito de espaço na física e na matemática.

Todo mundo tem uma noção intuitiva de espaço: é o que separa as coisas. Sem ele, tudo estaria embolado no mesmo lugar. Portanto, de acordo com essa definição, para entender o que é espaço implicitamente precisamos de outros objetos.

Obviamente, é difícil compreender o que é o espaço vazio, já que nesse caso não existem objetos distantes entre si. Mas conhecemos intuitivamente o seu significado: uma região sem qualquer matéria. Ou seja, para definirmos espaço, vazio ou não, precisamos de matéria.

Na matemática, espaço é uma construção abstrata, uma invenção para definir distâncias entre dois ou mais pontos ou entre dois ou mais objetos. É importante lembrar que espaço é uma invenção e que não tem, a princípio, uma existência física. Espaço não é uma coisa. Ou é?

Na física moderna, a história fica mais complicada e bem mais interessante. Para Newton, o criador das leis da mecânica e da gravidade, o espaço é uma espécie de palco onde se desdobra o drama da natureza. Os fenômenos ocorrem sem afetar o palco, que está lá apenas para permitir que objetos interajam entre si. Por exemplo, o Sol e a Terra ou você e uma cadeira. Com Einstein e a relatividade, tudo muda.

Einstein mostrou que o espaço não é inerte: ele responde à presença de matéria, sendo uma entidade plástica e não rígida como supôs Newton. Quando, no final do século 17, Newton explicou a atração gravitacional entre dois corpos, imaginou o espaço entre eles como sendo irrelevante. O que importava era a massa dos corpos e a distância entre eles. Para Newton, a gravidade age através do espaço, uma influência um tanto misteriosa que atua à distância: o Sol não precisa tocar na Terra para influenciá-la.

Einstein mudou isso, sugerindo que o espaço em torno de objetos é distorcido em proporção à sua massa e densidade. Quanto mais denso um corpo, maior sua atração gravitacional e maior a distorção que causa no espaço à sua volta. Para Einstein, o espaço deixou de ser apenas palco e virou ator também.

Mas mesmo para Einstein o espaço vazio ainda seria o espaço sem qualquer objeto material e, portanto, com geometria plana. Com a física quântica, houve uma nova mudança na compreensão do que seria o "vazio". No mundo dos átomos e das partículas subatômicas, tudo existe num estado de agitação constante: um elétron nunca para no mesmo lugar. Portanto, sempre haverá algum movimento.

Existe uma probabilidade de que mesmo no espaço vazio, uma flutuação de energia possa criar partículas de matéria. A física quântica permite uma violação temporária da conservação de energia.

Partículas podem aparecer do espaço vazio (ou vácuo), contanto que se desintegrem outra vez, numa dança constante de criação e destruição.

Ou seja, de acordo com a física quântica, o espaço vazio não existe. Há um vácuo pleno de flutuações de energia capazes de criar partículas de matéria, mesmo que por apenas alguns instantes. O espaço vira uma coisa que pode criar.