domingo, 17 de dezembro de 2006

Sombra global

Se a temperatura está aumentando, algo deve ser feito logo

O debate sobre o aquecimento global vem, com o perdão do trocadilho, esquentando. Em questão estão as causas do aumento da temperatura terrestre, este sim, fora de discussão. As geleiras do Ártico e da Antártida estão derretendo; as neves do Kilimanjaro estão sumindo. Exemplos não faltam. Sabe-se que a última década foi a mais quente dos últimos 150 anos e que a tendência da temperatura média global é aumentar. Até recentemente, havia praticamente um consenso entre os cientistas de que o aquecimento global, o chamado efeito estufa, é causado pelo acúmulo de gases poluentes na atmosfera, em particular o gás carbônico ou CO2. Esse consenso está sendo posto em dúvida por alguns.

A idéia por trás do aquecimento global é simples: radiação vinda do Sol aquece a superfície terrestre. Devido à atmosfera, nem todo esse calor volta para o espaço. Essa retenção é extremamente importante para a nossa sobrevivência; sem ela, morreríamos de frio -ou, mais realisticamente, nem sequer haveria vida na Terra. Porém, tudo em excesso é ruim; a concentração de gases na atmosfera impede o escape eficiente de calor para o espaço, como quando nos cobrimos com cobertores pesados demais e começamos a suar. O manto de CO2 é como um cobertor retendo o calor aqui. A questão é o que vem causando o aumento de CO2 na atmosfera e o que pode ser feito para controlá-lo.

Alguns grupos dizem que flutuações na quantidade de radiação emitida pelo Sol podem ser responsáveis pelo aumento de temperatura nos oceanos. Esse aumento, por sua vez, causa a emissão de CO2 nos oceanos, aumentando ainda mais a temperatura. Cientistas que acreditam ser essa a causa principal do aquecimento global argumentam que, no último milênio, existiram períodos de aquecimento e resfriamento da Terra, como a mini-idade do gelo no final do século 18, causada possivelmente por instabilidades no Sol. Entretanto, existem várias dúvidas com relação à duração dessa mini-idade do gelo, que parece ter provocado uma queda de um 1C na temperatura média da Inglaterra.

Os que defendem que o aquecimento atual é provocado pelo passo acelerado da industrialização falam de uma correlação entre o aumento de temperatura e a emissão de gases poluentes; os da oposição apontam outras possíveis causas, como o Sol, vulcanismo, ou atividade tectônica. Muito possivelmente, a solução não será que o aquecimento é causado exclusivamente por causas naturais ou por causas humanas, mas por uma combinação de ambos. Transformar o debate sobre o clima, um problema científico, numa questão exclusivamente política é uma atitude injusta com as futuras gerações. Se a temperatura global está aumentando e se existem conseqüências sérias para o planeta, algo deve ser feito o quanto antes. Se as causas são múltiplas, as soluções também devem ser. Limites na emissão de gases poluentes devem ser impostos segundo as decisões do Protocolo de Kyoto. O que mais pode ser feito? Roger Angel, um astrônomo, sugeriu uma frota de um trilhão de miniguarda-chuvas, cada um com massa de um grama, em órbita entre a Terra e o Sol para bloquear parte da radiação. Outros sugerem soluções mais baratas (e não muito atraentes), como pintar parte da superfície terrestre de branco para refletir a luz solar. O importante é agir. Caso contrário, a Terra será um outro planeta daqui a 50 anos.

domingo, 10 de dezembro de 2006

O Erro (?) de Einstein



A força que se contrapõe à gravidade deve mesmo existir


Quem acredita que a ciência progride sempre a passos firmes vai achar a história que conto hoje interessante. Sendo uma criação humana, a ciência retrata as dúvidas, erros e preconceitos de seus criadores. O que a distingue das demais atividades que envolvem a criatividade, como a arte e a literatura, é que a ciência tem a preocupação de descrever quantitativamente a realidade em que vivemos. No máximo, o que podemos fazer é tentar construir uma visão de mundo que se aproxime, de maneira imperfeita, dos mecanismos da natureza.

Em 1915, Einstein concluiu sua teoria da relatividade geral, onde descrevia a gravidade como uma distorção na curvatura do espaço devido à presença de uma massa; quanto maior a massa, maior a distorção. Portanto, um corpo qualquer que passe perto de uma grande concentração de massa, como o Sol, será acelerado em sua direção devido à essa curvatura, tal como uma criança que cai escorregador abaixo. Quando a massa é relativamente pequena, como a da Terra ou a de uma pessoa, a teoria reproduz os resultados obtidos por Newton em 1686 que descrevem a gravidade como uma força atrativa entre dois ou mais corpos com massa.

Empolgado com sua nova teoria, Einstein resolveu aplicá-la ao Universo inteiro: se soubéssemos a massa total do cosmo poderíamos determinar sua geometria. Para simplificar as coisas, Einstein supôs que o Universo tivesse a geometria de uma esfera e que fosse estático. Porém, suas equações não tinham uma solução estável; esse universo colapsaria sobre si mesmo ou entraria em expansão. Na época, não havia qualquer evidência de que o Universo estivesse em expansão ou contração. Para remediar, Einstein adicionou um novo termo em suas equações que garantiria sua estabilidade. Era uma espécie de "antigravidade" que agiria da mesma forma sobre o cosmo inteiro. Esse termo ficou conhecido entre os físicos como "constante cosmológica".

No final dos anos 20, o astrônomo americano Edwin Hubble demonstrou que galáxias distantes estão se afastando mutuamente com velocidades que crescem com sua distância. Einstein, quando soube disso, descartou seu termo e, relutantemente, aceitou a expansão do Universo.
A constante cosmológica permaneceu esquecida durante um bom tempo. Assim funciona a ciência: teorias respondem às observações; se uma hipótese é demonstrada falsa, deve ser abandonada. Porém, observações são com freqüência extremamente complexas e sujeitas a erros.

No caso da astronomia extragaláctica, a dificuldade está em medir distâncias de milhões ou mesmo bilhões de anos-luz com precisão.

De certa forma, nossa visão do Universo é como a de um míope que vai melhorando seus óculos gradualmente. A cada novo par de óculos, inúmeras novas descobertas são feitas, criando a necessidade de abandonar idéias erradas e criar outras novas. Ou ressuscitar idéias antigas...
Em 1998, astrônomos demonstraram, para surpresa de muitos e constrangimento de alguns, que o Universo não só está em expansão, mas que essa expansão acelerou nos últimos bilhões de anos. Parece que quanto mais velho o Universo vai ficando, mais pressa ele tem. Passados oito anos, a hipótese mais aceita é a de que essa aceleração é causada justamente pela constante cosmológica. A idéia que Einstein descartou como erro pode não estar errada afinal. Resta entendermos porque essa constante existe e o que determina seu valor. Imagino que Einstein adoraria participar dessa discussão.

domingo, 3 de dezembro de 2006

Ateísmo (menos) radical



Sou um desses ateus liberais; o sobrenatural não faz sentido


Aos leitores que porventura estranharem o título desta coluna, explico: semana passada escrevi sobre o ateísmo radical de, entre outros, Richard Dawkins, o biólogo e divulgador de ciência inglês que publicou livros importantíssimos como "O Gene Egoísta" e "O Relojoeiro Cego". Raramente abordo o mesmo tema duas vezes seguidas. Porém, recebi tantas mensagens de leitores a favor e contra que optei por fazê-lo.

Antes, um breve resumo do que disse. Critiquei a postura de Dawkins, a quem admiro muito, por achá-la intolerante e radical. Dawkins essencialmente nega a religião, considerando-a uma crendice absurda, que escraviza as pessoas. Ele não é o primeiro a afirmar isso. Lucrécio, poeta romano que viveu um pouco antes de Jesus Cristo, escreveu: "As pessoas vivem aterrorizadas porque não compreendem as causas das coisas que acontecem na terra e no céu, atribuindo-as cegamente aos caprichos de algum deus".

A razão, leia-se ciência, é a luz que ilumina o obscurantismo da fé.

A maioria das mensagens que recebi defendem a postura de Dawkins. Guerra é guerra, e a religião está em guerra contra a ciência. Intolerância tem de ser enfrentada com intolerância. Em uma delas, Sam Harris, outro autor que defende uma postura anti-religiosa radical, é citado: "a religião bate sem dó e quer ser tratada com luvas de pelica".

Eu sou um desses ateus liberais que Dawkins critica. Para mim, não há absolutamente nenhuma dúvida de que o sobrenatural é completamente incompatível com uma visão científica do mundo, visão que costumo defender arduamente.

Conforme escrevi em várias ocasiões, o sobrenatural não faz qualquer sentido: se algo ocorre, seja lá o que for, desde uma erupção vulcânica a um suposto "milagre", esse algo passa a ser um fenômeno natural e, como tal, regido pelas leis da natureza. Quando as causas ainda não são conhecidas, o dito fenômeno ganha um ar de mistério, criando espaço para o obscurantismo. Mas o fato de elas não serem conhecidas não implica que devam ser atribuídas a causas sobrenaturais: o que a ciência (ainda) não explica não deve ser atribuído a seres divinos cujas ações estão além da razão.

A natureza é sutil; a elucidação dos seus mecanismos leva tempo e requer muita criatividade. O terror a que Lucrécio se refere vem da insegurança causada pela submissão ao desconhecido: tememos o que não conhecemos. Numa era científica, esse terror não deveria existir.
Se sou ateu; se fico transtornado quando vejo a infiltração de grupos religiosos extremistas nas escolas, querendo mudar o currículo, tratando a ciência em pé de igualdade com a Bíblia; se concordo que o extremismo religioso é um dos grandes males do mundo; se batalho contra a disseminação de crenças anticientíficas absurdas como o design inteligente e o criacionismo na mídia; por que, então, critico o ateísmo radical de Dawkins?

Porque não acredito em extremismos e intolerância. Porque não vejo o radicalismo criar amigos ou novos aderentes, apenas mais inimigos e ódio. Porque o extremismo é o pior dos diplomatas. Sei bem do preconceito contra os ateus, preconceito que vem da crença absurda (popular em alguns países, como os EUA) de que só as pessoas religiosas podem ser morais. É essa crença ignorante que deve ser combatida; ninguém precisa acreditar na Bíblia para saber que matar é errado, se bem que esses ensinamentos são esquecidos na brutalidade selvagem das guerras religiosas que pontuam a história. É a hipocrisia usada sob a bandeira da fé que deve ser combatida, não a fé em si.