domingo, 25 de setembro de 2011

O Universo e a vida




A evolução não leva à vida complexa e inteligente: ela leva a formas de vida bem adaptadas ao seu ambiente

SE VOCÊ tem prestado atenção nas últimas notícias sobre ciência, deve ter percebido que está chovendo planeta. (Semana que vem falaremos da suposta descoberta de partículas mais rápidas do que a luz.)

Na semana passada, astrônomos da Universidade de Genebra, na Suíça, descobriram o planeta que mais se parece com a Terra até agora, ao menos em termos da sua massa e posição. O HD85512 b tem massa 3,6 vezes maior do que a da Terra e orbita sua estrela na "zona habitável", região onde a água, se existir, pode ser líquida.

Claro, não sabemos ainda se existe vida no planeta, ou mesmo se ele é rochoso como a Terra. Serão anos até que seja possível analisar, mesmo que superficialmente, a composição de sua atmosfera. Porém, o entusiasmo é justificável: quanto mais planetas semelhantes à Terra forem encontrados, maiores as chances de a vida existir em outro lugar. As descobertas recentes mostram que planetas como a Terra devem existir. Será que o Universo é mesmo propício à vida?

Cientistas acreditam que a vida é comum no Universo devido à regularidade das leis da física e da química. Galáxias distantes se movem segundo as mesmas leis que conhecemos aqui na Terra; suas estrelas e gases são compostos pelos mesmos elementos químicos.

Portanto, é razoável supor que os mesmos processos que levaram a vida a surgir aqui na Terra há cerca de 3,5 bilhões de anos devem ter ocorrido em outras plataformas planetárias. Esse é o argumento da regularidade cósmica.

Mas será suficiente? A suposição é que, se a física e a química são as mesmas, a biologia também será. Quando pensamos em vida extraterrestre, estamos implicitamente supondo que ela obedece à teoria da evolução por seleção natural de Darwin. Claro, só saberemos se esse é mesmo o caso quando obtivermos uma amostra de vida alienígena e estudarmos suas propriedades e composição genética. Porém, é difícil imaginar que os princípios dar-winistas não se aplicarão.

Mas isso nada diz sobre as particularidades das formas de vida. Quando falamos de vida extraterrestre, é fundamental distinguir entre vida unicelular e vida multicelular. Ao contrário do que muitos supõem, a evolução não leva da vida unicelular à vida complexa e inteligente: ela leva a formas de vida bem adaptadas ao seu ambiente.

Aqui na Terra, durante 2,5 bilhões de anos, a vida se resumiu a seres unicelulares. As transições que levaram da vida unicelular à vida multicelular complexa foram muitas e são ainda pouco compreendidas: de células simples a células com o material genético isolado, como as nossas; daí a seres multicelulares; deles, a criaturas com órgãos diferenciados, mas cuja funcionalidade é integrada.

O que aprendemos com o único exemplo que conhecemos é que a história da vida num planeta depende completamente da história geológica desse planeta (ou lua). Se pudéssemos mudar um evento importante na nossa história, digamos, a colisão com o asteroide que exterminou os dinossauros, a história da vida terrestre teria sido outra. Provavelmente, não estaríamos aqui. Do que vemos até agora, a Terra permanece uma joia rara no cosmo. E merece nosso respeito e cuidado.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".
Facebook: http://goo.gl/93dHI

domingo, 18 de setembro de 2011

Quando começa a vida?




A primeira batida cardíaca marca o início de uma integração sistêmica, a comunicação entre órgãos


Minha esposa está para ter um bebê a qualquer momento. Aliás, quando você ler essa coluna, é muito possível que o bebê já tenha nascido. Inspirado por isso, nas últimas 39 semanas venho ponderando a questão do início da vida.

Quando, exatamente, a vida começa? Não me refiro ao início da vida na Terra, algo que pesquiso em meu trabalho, mas ao começo da vida de um indivíduo humano, esse tópico controverso que alimenta a grande polêmica entre quem é contra ou a favor do aborto.

Como sou físico e não médico ou especialista em bioética, apresento apenas algumas possibilidades que, espero, incitem mais debates.

Começando do começo: na concepção, temos a junção do espermatozoide e do óvulo. O zigoto é resultado do abraço bioquímico de 46 cromossomos, 23 do pai e 23 da mãe.

É possível argumentar que a vida começa antes da fertilização. Se o esperma "nada" em direção ao óvulo, há um propósito. Mas podemos equacionar vida com um propósito?

Após a fertilização, o zigoto implanta-se na parede uterina e começa a se desenvolver. Este é o blastocisto, de onde as células-tronco podem ser extraídas. Uma incrível dança hormonal ocorre. Após cinco semanas, há um tubo neural e primórdios de coração e outros órgãos. Começa aqui o período embrionário.

Em seis semanas, a coisa acelera: o embrião pode mover suas costas e pescoço. O batimento cardíaco passa a ser detectado via ultrassom em torno de seis semanas. Há fontes que colocam o início do pulso cardíaco ainda antes, em torno de três semanas após a concepção.

Essa transição é, para mim, fantástica. Um amontoado minúsculo de células já tem um sistema nervoso primitivo, que ordena um coração primitivo a pulsar! Como, exatamente, isso ocorre? A primeira batida cardíaca marca a transição entre algo em que células estão se dividindo para algo em que existe uma integração sistêmica, órgãos se comunicando. É aqui que começa?

Em oito semanas, o embrião tem "tudo" de um adulto. É o início da fase fetal, um ser proto-humano, ou já humano, com um coração e cérebro. Por outro lado, sua sobrevivência depende da placenta.

Outra transição acontece quando o feto pode sobreviver independentemente da mãe. Mas quando isso ocorre?

Devido aos avanços na medicina neonatal, 80% dos bebês prematuros de 26 semanas conseguem hoje sobreviver. Com o avanço da tecnologia, essa sobrevivência será ainda maior.

Portanto, essa transição depende da tecnologia.

Finalmente: quando surge o consciente? No útero, no nascimento ou durante a infância? Deixando de lado a questão de como definir o consciente, eletroencefalogramas de fetos no 3º trimestre já revelam uma integração entre os dois hemisférios cerebrais, uma condição importante para a formação do consciente.

Talvez seja o choque do nascimento, quando o bebê é forçado a respirar por si só e a interagir com um ambiente completamente diverso, que desperta o consciente. Ou talvez não exista uma resposta para essa questão, apenas interpretações do que significa vida em estágios diversos de desenvolvimento.

De qualquer forma, tenho de terminar isso, pois preciso arrumar o quarto do bebê que está por vir.

domingo, 11 de setembro de 2011

O que é unidade?




Ao refletir sobre unidade, vale lembrar que somos feitos da mesma matéria: pessoas, plantas e rochas


Hoje, nos EUA, é um dia lúgubre, o aniversário de dez anos do ataque terrorista que destruiu as Torres Gêmeas em Nova York e danificou parte do Pentágono. O número de vítimas chegou a 2.977: pessoas de todas as idades, raças e credos.

Entre as várias discussões sobre o que ocorreu e os seus motivos, gostaria de meditar aqui sobre o que mais falta no mundo: unidade. No fim de semana passado, recebemos em casa a artista russa Ekatherina Savtchenko (para ver seu trabalho, visite www.ekatherinas.com). Savtchenko usa a sua arte para transmitir uma forte mensagem de unidade, conectando várias culturas e fés com aspectos diversos do conhecimento humano, incluindo a ciência. Ela é parte da Unity Foundation (Fundação Unidade), um grupo ainda pequeno de pessoas dedicado a encontrar um denominador comum e inspiração dentre as tantas vozes do mundo.

Parte das atividades da fundação é coletar depoimentos de pessoas, registrados em vídeo, sobre sua visão do que é unidade. O objetivo é explorar vários significados da palavra e entender a sua essência. Quando chegou a minha vez e a câmera apontava na minha direção, tive de pensar rapidamente sobre o que entendo por unidade. Imediatamente, a noção de conectividade me veio à mente.

A ciência, em particular a física, influencia o que entendo por unidade. No seu aspecto mais básico, essa conectividade -que a tudo e todos liga-vem da unidade que vemos nas leis da natureza. Através do espaço e do tempo, por bilhões de anos-luz de distância e bilhões de anos, podemos afirmar com confiança que as mesmas leis da física e da química são válidas.

Vemos estrelas a bilhões de anos-luz de distância, estudamos os seus espectros e concluímos que esses objetos, tão longínquos, muitos deles já nem mais existentes, contêm hidrogênio, hélio e muitos dos mesmos elementos químicos que encontramos na Terra e em nossos corpos.

Vemos, também, que essas estrelas produzem seu brilho da mesma forma que o nosso Sol, transformando hidrogênio em hélio em seu centro, através da fusão nuclear. Somos todos feitos da mesma matéria: pessoas, plantas, rochas, estrelas.

As leis da natureza conectam o Universo, trazendo-o até nós. Mas que leis são essas? De onde vêm? Aqui, a ciência tem pouco a dizer. As leis da natureza são, em realidade, nossa interpretação do que vemos da natureza, consequência do que medimos do mundo. Elas expressam padrões de comportamento que identificamos através do espaço e do tempo, padrões que podemos quantificar e comparar com medidas e observações.

Como criadores dessas leis, nossa conexão com o Cosmos vai além da nossa composição material em comum: ela existe, também, por meio das nossas mentes, ao mapearmos na consciência aquilo que, sem nós, passaria desapercebido.

Como escrevi em meu livro "Criação Imperfeita", somos como o Universo pensa sobre si mesmo. Termino sugerindo uma montagem em vídeo em que Richard Feynman, Carl Sagan, Bill Nye e Neil deGrasse Tyson "cantam" sobre a unidade da natureza e nossa conexão com o cosmo. (Assista no link: http://www.youtube.com/watch?v=XGK84Poeynk&feature=youtu.be
)

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".
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