domingo, 30 de novembro de 2003

A borboleta e o caos

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Existe uma frase que ficou famosa na descrição das propriedades caóticas do clima: o bater das asas de uma borboleta na África pode causar chuvas no Paraguai. Pelo menos, essa é uma entre milhares de versões.

O importante não é realmente onde está a borboleta ou onde vai chover, mas o fato que o minúsculo deslocamento de ar causado pelo bater de suas asas pode causar efeitos na atmosfera turbulentos o suficiente para serem sentidos a milhares de quilômetros de distância. Conheço poucos exemplos de "globalização" melhores do que esse. Quando o assunto é clima, o mundo é mesmo unido. A atmosfera não reconhece fronteiras.

Por trás da estranha relação entre a borboleta e o clima está uma propriedade fundamental da física, a não-linearidade. Quando um sistema é linear, um estímulo é respondido na mesma intensidade, como no caso de uma criança empurrada em um balanço. Quanto mais forte o empurrão, mais alto ela vai (isso só é verdade para pequenos ângulos). Se o balanço fosse não-linear, um pequeno empurrão poderia catapultar a criança em órbita. Meio dramático, mas é verdade.

O clima é regido por equações não-lineares. Isso explica por que é tão difícil prevê-lo, especialmente por muitos dias. Vários efeitos têm de ser computados, complicando as previsões.
Essa limitação é o grande embate das simulações feitas em computadores para estudar o efeito estufa e suas consequências climáticas. Segundo a maioria absoluta dos modelos, o aumento da concentração de gases na atmosfera já está causando o seu aquecimento gradativo.

A década de 1990 foi a mais quente dos últimos 150 anos. A política de ambiente norte-americana é lamentável, especialmente sabendo-se que em torno de 25% do gás carbônico do planeta é produzido lá. Talvez seja necessária uma catástrofe nacional para que as coisas mudem. Ela possivelmente já começou, ameaçando um dos símbolos ecológicos mais importantes dos EUA, a borboleta monarca.

Levando em conta as maravilhosas borboletas que existem no Brasil -pelo menos as que conseguiram escapar dos pratos com tampo de vidro vendidos para turistas e exportados para o mundo inteiro (quando esse absurdo será proibido?)- a monarca nem é tão especial. O que a torna fascinante é o fato de ela ser uma espécie migratória.

Centenas de milhões de borboletas escapam do inverno nos EUA indo para o México. A migração é dividida pelas montanhas Rochosas, a cordilheira que corta a América do Norte como uma espinha dorsal. As monarcas que vão para o México são as que estão do lado leste das Rochosas. As que estão do lado oeste vão para o sul da Califórnia.

Ver milhares de borboletas voando é um espetáculo inesquecível. Às vezes, elas obscurecem o céu. É incrível imaginar que criaturas tão frágeis, pesando meio grama, sejam capazes de voar por milhares de quilômetros. Não só isso, elas sabem, todos os anos, exatamente para onde ir, sempre retornando aos mesmos lugares.

Um ano significa quatro gerações de monarcas. De alguma forma, a tradição é transmitida de geração a geração. Na ausência de mapas, talvez as borboletas usem algum outro mecanismo de navegação. O biólogo Fred Urquhart sugeriu que elas seguem a difusão em direção ao sudoeste de sua comida favorita, o soro leitoso secretado por certas plantas, incluindo a soja. Ninguém sabe ao certo.

Estudos climáticos mostram que o efeito estufa está ameaçando os nichos ecológicos mexicanos para onde migram as monarcas do leste. Modelos prevêem que, se nada for feito para controlar a emissão de gases durante as próximas décadas, e se a temperatura global continuar a subir, instabilidades climáticas vão causar um aumento na precipitação (chuva e até neve) nessas regiões muito além da tolerância das frágeis borboletas.

A situação piora ainda mais com o desflorestamento que já ocorre na região. Alguns especialistas acham que as borboletas vão encontrar outros lugares para passar o inverno, talvez mais ao sul, mas isso é apostar no desconhecido. Infelizmente, nós somos uma espécie que só sabe reagir quando não tem outra saída. Só espero que não sejam as pobres borboletas a pagar pela nossa estupidez.

domingo, 23 de novembro de 2003

Um presente do céu

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Como todo bom brasileiro vivendo em lugar frio, gosto sempre de reclamar do clima. Se no Brasil as pessoas reclamam do calor, aqui é justamente o oposto: onde moro, no norte da Nova Inglaterra, o inverno dura uns seis meses, de novembro até abril. Fora o frio, no inverno os dias são extremamente curtos. Como o Sol, nas altas latitudes, descreve um arco muito tímido durante o dia, sua luz não dura mais do que nove horas, das 7h até as 16h. Resumindo, ficamos com frio e ainda por cima no escuro.

Mas nem tudo é tão terrível assim. Morar em altas latitudes tem algumas vantagens. Algumas delas nos são dadas pelos céus. Em torno do dia 30 de outubro, o Sol entrou em crise: enormes tempestades solares lançaram quantidades gigantescas de matéria através do Sistema Solar, um fenômeno chamado ejeção de massa coronal. Essas ejeções ocorrem com certa frequência, mas raramente com a intensidade dessa última.

Bolhas gigantescas de gás ionizado atravessaram os 150 milhões de quilômetros entre o Sol e a Terra em menos de 20 horas, ou seja, a velocidades de mais de 2.000 quilômetros por segundo. Você pisca os olhos, e a bolha de matéria solar viajou 2.000 quilômetros. O interessante é o que ocorre quando as partículas vindas do Sol são capturadas pelo campo magnético da Terra.

Que a Terra é um gigantesco ímã sabemos pelo uso das bússolas: a agulha da bússola, feita de material magnetizado, tende a se alinhar com o campo magnético terrestre, apontando sempre na direção norte. Os pólos magnéticos não estão alinhados com os geográficos. O pólo Norte magnético está a uma latitude de 80N, enquanto o Sul está a 60S.

O campo magnético da Terra tem a forma de um véu que se afunila nos dois pólos magnéticos. Na verdade, são inúmeros véus que se superpõem continuamente, como as camadas de uma cebola. O campo, que se estende até grandes distâncias, cria dois cinturões de partículas, um a 3.000 km de altitude e outro, bem mais distante, a 20 mil km.

Em comparação, a atmosfera terrestre chega apenas a 40 km de altitude: o campo magnético terrestre vai muito além da atmosfera. São os chamados cinturões de Van Allen, o cientista americano que construiu os instrumentos a bordo do satélite que os descobriu. Eles fazem parte da "magnetosfera" terrestre, a região em torno da Terra onde existe um campo magnético.
As partículas aprisionadas nos cinturões, como moscas entre dois vidros, são principalmente elétrons e prótons provenientes do Sol. Os prótons, aproximadamente 2.000 vezes mais pesados que os elétrons, habitam principalmente o cinturão mais próximo da Terra.

Quando ocorre uma ejeção de massa solar, mais prótons são capturados pelos cinturões de Van Allen. São esses prótons que causam um dos fenômenos naturais mais espetaculares, a aurora. Ver uma aurora é uma das grandes vantagens de viver em altas latitudes, um verdadeiro presente do céu. A tempestade solar no final de outubro criou uma logo acima da minha casa. Uma visão que jamais esquecerei.

No hemisfério Norte, ela se chama aurora boreal. No Sul, aurora austral. As partículas escapam dos cinturões e "descem" até a atmosfera terrestre em movimento espiral, como crianças em um escorregador. Suas colisões com as moléculas de ar da atmosfera geram radiação luminosa de várias cores, e o céu é decorado por cortinas de luz que oscilam lentamente como se estivessem ao vento.

A que presenciei era vermelha e alaranjada, bem adequada para a noite antes de Halloween, a festa das bruxas. Seus vários véus pareciam estar brotando de um ponto fixo no céu, como pétalas de uma flor incandescente. Em sua fantástica trilogia "His Dark Materials" (Os Seus Materiais Negros), o autor inglês Philip Pullman fala da aurora como uma entidade mágica, separando universos paralelos. Vendo os céus brilhando em plena noite, eu quase acreditei nele.

domingo, 16 de novembro de 2003

Perplexidade quântica

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Se existe uma palavra que define a reação das pessoas que encontram pela primeira vez as propriedades do mundo quântico, deve ser "perplexidade". A bem da verdade, essa perplexidade não ocorre só num primeiro encontro. Mesmo físicos treinados continuam a senti-la no decorrer de suas carreiras.

O grande físico dinamarquês Niels Bohr, um dos arquitetos da mecânica quântica, disse em 1927 que, "se alguém não se chocar com a teoria quântica, é porque não a entendeu". Já o irreverente físico americano Richard Feynman, quatro décadas mais tarde, escreveu que "ninguém entende a teoria quântica". O mundo do muito pequeno, dos átomos e das partículas subatômicas como os elétrons e prótons, é mesmo bizarro.

Em 19 de outubro passado, escrevi sobre o assunto, explorando um pouco as diferenças entre o mundo clássico -o mundo do nosso dia-a-dia- e o mundo quântico. Uma leitora me pediu para voltar ao tema, discutindo uma questão que imagino esteja na mente de muita gente: se o mundo quântico é assim tão estranho, por que não percebemos nenhum desses efeitos em nossas vidas? Em outras palavras, onde fica a linha divisória entre o mundo com que estamos acostumados e o mundo estranho dos efeitos quânticos?

Antes de tocar no assunto, vale revisitar um efeito quântico importante, só para contrastar com a realidade que conhecemos. Os planetas giram em suas órbitas ao redor do Sol. Como conhecemos a força que o Sol e os planetas exercem uns sobre os outros -a da gravidade-, podemos escrever equações que nos dizem onde os planetas estarão no futuro com enorme precisão. Elétrons "giram" ao redor do núcleo atômico (as aspas ficarão claras em breve). No entanto, não podemos dizer com precisão onde um elétron estará em um determinado instante. Isso porque não podemos visualizá-lo como uma bola de bilhar (um miniplaneta). Temos de imaginá-lo como uma entidade que é parte bola de bilhar e parte onda, sem uma posição determinada.

É melhor dizer que o elétron se espalha ao redor do núcleo, estando um pouco mais aqui ou ali. Se medirmos a sua posição diversas vezes, a cada vez obteremos um resultado diferente. Podemos apenas dizer qual a probabilidade de encontrar o elétron aqui ou ali. No mundo quântico, a precisão familiar da realidade clássica se esvai em probabilidades.

Essa propriedade é consequência do chamado Princípio da Incerteza, proposto por Werner Heisenberg quando ele era assistente de Bohr. Segundo o princípio, existe um limite máximo na precisão com que a posição e a velocidade de uma partícula, como o elétron, podem ser medidas conjuntamente.

Medir significa perturbar. Quando o objeto é muito pequeno, o ato de medir acaba por deslocá-lo de sua posição, provocando um erro na medida. Essa é a razão pela qual não vemos efeitos quânticos na nossa realidade. (Existem exceções, como os superfluidos, mas isso fica para outro dia.) Os objetos à nossa volta são grandes demais para que seus efeitos quânticos possam ser percebidos.

Mas onde fica a linha divisória entre o mundo clássico e o mundo quântico? Na verdade, ela não existe. Existem apenas efeitos quânticos que são tão pequenos no mundo clássico que passam despercebidos. Eis alguns exemplos, de um elétron até uma ervilha: a incerteza na velocidade de um elétron em escalas subatômicas (um centésimo de bilionésimo de metro, 10-11m) é de 10 milhões de metros por segundo, ou seja, relativamente alta; a de um átomo, de dez metros por segundo; a de uma macromolécula orgânica, um centésimo de milésimo de metro por segundo; a de um grão de pólen, um décimo de trilionésimo de metro por segundo (10-13 m/s, ou seja, quase nenhuma); a de uma ervilha, um trilionésimo de trilionésimo de metro por segundo, 10-24 m/s, completamente desprezível. (Números aproximados.)

Conclusão: ao passar do muito pequeno ao muito grande, a incerteza intrínseca ao mundo quântico se torna desprezível e a realidade deixa de causar tanta perplexidade.

domingo, 9 de novembro de 2003

Um pouco sobre o céu

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Vamos começar imaginando que é possível, mesmo hoje em dia, olhar para o céu. E isso tanto de dia quanto à noite. De dia, fora as nuvens e o azul do céu (imagine também que a poluição não estrague essa visão), quem domina é o Sol, viajando do leste para o oeste.

Claro, é apenas uma ilusão. Quem está girando somos nós, do oeste para o leste. Quem já andou de carrossel sabe bem como isso funciona: quando o carrossel gira, parece que é o mundo que está girando em sentido contrário. Pois o nosso carrossel é a Terra, girando sobre o seu eixo como um pião. Aliás, um pião que está inclinado em um ângulo de aproximadamente 23,5 com relação ao "chão", o plano onde ficam (aproximadamente) situados todos os planetas do Sistema Solar.

À noite, esse movimento da Terra explica por que as constelações também viajam lentamente do leste para o oeste. Interessante que as constelações, que acreditamos ser grupos de estrelas vizinhas, são na verdade outra ilusão. As estrelas compondo uma determinada constelação podem estar separadas por distâncias enormes, de milhares de anos-luz. Nós, aqui da Terra, percebemos apenas a sua projeção no céu, e achamos que elas estão de fato juntas.

O efeito ocorre porque, às vezes, as estrelas mais distantes são também as mais luminosas e aparentam estar mais perto do que na realidade estão. É como se várias pessoas saíssem por um descampado à noite, levando lanternas de diferentes potências. Você fica no mesmo lugar, olhando para as lanternas. Se as lanternas mais fracas estiverem mais próximas de você, fica difícil determinar que elas estão na verdade separadas por grandes distâncias. A impressão é que elas estão mais ou menos próximas, formando um grupo de lanternas vizinhas.

As constelações são um presente dado pela perspectiva celeste que, apesar de ser tridimensional, aparenta ser bidimensional: o céu parece uma cúpula, uma redoma que nos envolve.

Se o leitor olhar para o céu noturno na mesma hora durante alguns dias (digamos às 22h), perceberá que as constelações não reaparecem no mesmo lugar, mas se deslocam um pouco com relação à linha do horizonte. Essa observação pode ser feita focando a atenção em uma constelação, como o Cruzeiro do Sul.

Essa mudança no céu se deve ao segundo movimento terrestre, em torno do Sol. A Terra demora 365 dias para completar uma órbita em torno do Sol, e uma volta completa equivale a um ângulo de 360. Portanto, a cada dia a Terra se desloca de um ângulo de 360/365 = 0,986 em sua órbita, ou um pouco menos de um grau.

Quem vive em latitudes altas como eu, longe o suficiente da linha do Equador, percebe também a radical mudança de temperatura e duração do dia que caracteriza as estações do ano. Muita gente acha que o inverno é mais frio do que o verão porque nessa época a Terra está mais longe do Sol. Mas os leitores de "Micro/Macro" sabem que não é nada disso. As estações do ano são consequência da inclinação da Terra com relação ao plano de sua órbita, o pião inclinado que mencionei acima.

Suponha que o Sistema Solar seja uma pizza: o Sol no centro e cada planeta uma azeitona com um palito enfiado no meio. O palito é para indicar a inclinação do planeta em relação ao plano da pizza. O da Terra está inclinado em 23,5 (o de Urano, em 98!). Imagine agora a azeitona girando em torno do Sol, mantendo fixa a inclinação do palito. O hemisfério Sul é aquele abaixo da linha do Equador da azeitona.

Fica claro que existirá um ponto onde o hemisfério Sul verá o Sol mais alto no céu (em torno de 21 de dezembro) e outro onde ele estará o mais baixo possível (em torno de 21 de junho). A época do ano com o Sol mais alto e, portanto, dias mais longos, é o verão, e a com o Sol mais baixo e dias mais curtos é o inverno. Caso a inclinação da Terra fosse menor, as diferenças entre as estações seriam também menores.

É importante refletirmos um pouco sobre onde estamos neste vasto Universo. A nossa visão do céu é produto dos vários movimentos da Terra, um em torno de seu eixo, o outro em torno do Sol -assim como nós e o Sol girando em torno do centro da Via Láctea, juntamente com suas outras centenas de bilhões de estrelas e planetas.

domingo, 2 de novembro de 2003

Cosmitologia

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É bom começar explicando que o título é esse mesmo, e não "Cosmetologia", como alguns poderiam imaginar. Sei que misturar ciência e mitologia deve ser feito com cuidado, e um ensaio curto não é o lugar mais indicado para tal. De todo modo, meu intuito é provocar a reflexão neste domingo dedicado ao passado. Algumas das perguntas feitas hoje por cosmólogos, aqueles físicos que estudam a origem e as propriedades do Universo, são bem mais antigas do que a própria ciência. A mais importante, a que poderia ser chamada de "mãe de todas as perguntas", é, claro, a origem de tudo: como surgiu o mundo?

Todas as culturas tentaram, de algum modo, responder a esse grande mistério. As respostas, chamadas de mitos de criação, são de uma riqueza impressionante, narrativas que tentam traduzir como o absoluto virou relativo, como o uno virou muitos. Por exemplo, para os maoris da Nova Zelândia, tudo veio do nada absoluto, sem a intervenção de uma divindade. O cosmo apareceu espontaneamente, uma flutuação surgida do vazio.

Um mito taoísta diz que no início existia o caos e que do caos surgiu a ordem, e da ordem condensou-se a terra, como uma gota d'água nascendo de uma nuvem carregada de umidade. Já a narrativa do Antigo Testamento descreve a criação como resultado da vontade divina: "Deus disse "Faça-se a luz" ".

Um estudo da cosmologia do século 20 mostra que algumas das idéias que apareceram em mitos de criação reaparecem sob o jargão científico. Não, o Big Bang não tem a ver com o Gênese: a luz descrita na Bíblia não é a explosão do evento que marcou o início da história cósmica. O Big Bang não foi uma explosão como é comum imaginar, uma bomba que explode e espalha detritos ao redor. Mais ainda, uma bomba pressupõe alguém para detoná-la, o que certamente não é o caso com modelos cosmológicos.

O ponto de encontro entre as teorias modernas e os mitos é o pressuposto de que a diversidade que observamos na natureza tem sua origem em um único princípio. No caso dos mitos, o princípio é uma realidade absoluta de onde surge tudo, seja ela Deus, os deuses, o nada ou o caos primordial. Já as teorias modernas sustentam que, no início, as quatro forças fundamentais que regem o cosmo (gravidade, eletromagnetismo e forças nucleares forte e fraca) estavam unificadas numa única, o campo unificado.

O que se sabe sobre esse campo unificado? Não muito. Einstein passou décadas tentando desvendar suas propriedades. Centenas de físicos teóricos dedicam suas carreiras atrás do mesmo objetivo.

Existem indicações experimentais de que, de fato, as forças começam a se comportar de modo semelhante em altas energias. Por exemplo, as forças eletromagnética e nuclear fraca funcionam como uma só nas energias obtidas em colisores de partículas, máquinas que aceleram partículas a velocidades próximas à da luz. Mas essas indicações estão longe de ser uma confirmação de que o campo unificado existe. Será que a física teórica também está fabricando um mito?

O vencedor do Prêmio Nobel Steven Weinberg, um dos físicos teóricos mais influentes do mundo, famoso por sua posição ultra-reducionista, publicou um livro intitulado "Sonhos de uma Teoria Final". Veja bem, sonhos. Nele, ao se referir à busca por uma teoria unificada, Weinberg escreve: "Nós temos de supor que teremos sucesso. Caso contrário, certamente falharemos".
É um ponto fundamental. A teoria do campo unificado poderá vir um dia a ser descoberta. Ou ela pode ser um Cálice do Graal, mitologia. Nesse caso, seria como uma montanha mágica, cujos contornos podemos ver na distância, encobertos por brumas. Para chegar até ela, temos de desbravar território desconhecido.

A exploração desse território é que gera a nova ciência. Isso ocorre mesmo se montanha alguma existir no final do caminho, mesmo que ela seja uma miragem. O poder de um mito não está na sua veracidade, mas na sua credibilidade. Ele sustenta a criatividade científica, alimentando a coragem de nos aventurarmos por terras inteiramente desconhecidas.