domingo, 16 de novembro de 2003

Perplexidade quântica

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Se existe uma palavra que define a reação das pessoas que encontram pela primeira vez as propriedades do mundo quântico, deve ser "perplexidade". A bem da verdade, essa perplexidade não ocorre só num primeiro encontro. Mesmo físicos treinados continuam a senti-la no decorrer de suas carreiras.

O grande físico dinamarquês Niels Bohr, um dos arquitetos da mecânica quântica, disse em 1927 que, "se alguém não se chocar com a teoria quântica, é porque não a entendeu". Já o irreverente físico americano Richard Feynman, quatro décadas mais tarde, escreveu que "ninguém entende a teoria quântica". O mundo do muito pequeno, dos átomos e das partículas subatômicas como os elétrons e prótons, é mesmo bizarro.

Em 19 de outubro passado, escrevi sobre o assunto, explorando um pouco as diferenças entre o mundo clássico -o mundo do nosso dia-a-dia- e o mundo quântico. Uma leitora me pediu para voltar ao tema, discutindo uma questão que imagino esteja na mente de muita gente: se o mundo quântico é assim tão estranho, por que não percebemos nenhum desses efeitos em nossas vidas? Em outras palavras, onde fica a linha divisória entre o mundo com que estamos acostumados e o mundo estranho dos efeitos quânticos?

Antes de tocar no assunto, vale revisitar um efeito quântico importante, só para contrastar com a realidade que conhecemos. Os planetas giram em suas órbitas ao redor do Sol. Como conhecemos a força que o Sol e os planetas exercem uns sobre os outros -a da gravidade-, podemos escrever equações que nos dizem onde os planetas estarão no futuro com enorme precisão. Elétrons "giram" ao redor do núcleo atômico (as aspas ficarão claras em breve). No entanto, não podemos dizer com precisão onde um elétron estará em um determinado instante. Isso porque não podemos visualizá-lo como uma bola de bilhar (um miniplaneta). Temos de imaginá-lo como uma entidade que é parte bola de bilhar e parte onda, sem uma posição determinada.

É melhor dizer que o elétron se espalha ao redor do núcleo, estando um pouco mais aqui ou ali. Se medirmos a sua posição diversas vezes, a cada vez obteremos um resultado diferente. Podemos apenas dizer qual a probabilidade de encontrar o elétron aqui ou ali. No mundo quântico, a precisão familiar da realidade clássica se esvai em probabilidades.

Essa propriedade é consequência do chamado Princípio da Incerteza, proposto por Werner Heisenberg quando ele era assistente de Bohr. Segundo o princípio, existe um limite máximo na precisão com que a posição e a velocidade de uma partícula, como o elétron, podem ser medidas conjuntamente.

Medir significa perturbar. Quando o objeto é muito pequeno, o ato de medir acaba por deslocá-lo de sua posição, provocando um erro na medida. Essa é a razão pela qual não vemos efeitos quânticos na nossa realidade. (Existem exceções, como os superfluidos, mas isso fica para outro dia.) Os objetos à nossa volta são grandes demais para que seus efeitos quânticos possam ser percebidos.

Mas onde fica a linha divisória entre o mundo clássico e o mundo quântico? Na verdade, ela não existe. Existem apenas efeitos quânticos que são tão pequenos no mundo clássico que passam despercebidos. Eis alguns exemplos, de um elétron até uma ervilha: a incerteza na velocidade de um elétron em escalas subatômicas (um centésimo de bilionésimo de metro, 10-11m) é de 10 milhões de metros por segundo, ou seja, relativamente alta; a de um átomo, de dez metros por segundo; a de uma macromolécula orgânica, um centésimo de milésimo de metro por segundo; a de um grão de pólen, um décimo de trilionésimo de metro por segundo (10-13 m/s, ou seja, quase nenhuma); a de uma ervilha, um trilionésimo de trilionésimo de metro por segundo, 10-24 m/s, completamente desprezível. (Números aproximados.)

Conclusão: ao passar do muito pequeno ao muito grande, a incerteza intrínseca ao mundo quântico se torna desprezível e a realidade deixa de causar tanta perplexidade.

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