domingo, 24 de abril de 2011

Vida extraterrestre e a natureza





O ETs, se existirem, serão exóticos. Ainda assim, obedecerão às mesmas leis da física e da química e, provavelmente, da evolução


Essa semana, li um texto do jornalista científico Marc Kaufman, que escreve regularmente para o jornal "Washington Post". Kaufman lançou recentemente um livro em que debate o possível impacto da descoberta de vida extraterrestre.

Eis parte do que ele escreveu: "O que acontecerá se forem encontrados sinais de vida no subterrâneo marciano, ou fósseis de vida no seu passado, ou se algum planeta extrasolar tiver níveis elevados de oxigênio e ozônio em sua atmosfera, sinais convincentes da presença de vida? Será que Marte, ou este exoplaneta, fará então parte da natureza? E como a maioria dos cientistas concorda que se vida for encontrada em outro planeta, deverá ser encontrada por todo o universo, será que o universo fará então parte da 'natureza'?"

Fiquei perplexo ao ler isso. Em uma perspectiva histórica, o objetivo da ciência é obter as leis da natureza como um todo. A divisão que Aristóteles impôs no cosmo ""a Terra e seus arredores como domínio da transformação e, da Lua para cima, o domínio da imutabilidade-- foi demolida por Galileu, Kepler e Newton no século 17.

Newton, em particular, mostrou que a gravidade é uma universal, responsável pela queda dos objetos na Terra e pelas órbitas celestes. Ao mostrar que a mesma força se estende através do espaço, tornou o cosmo acessível à razão humana.

Algo de semelhante ocorreu com a química no século 19. Ao examinar o espectro da luz solar, Joseph Fraunhofer descobriu linhas escuras superimpostas sobre o contínuo que nos é familiar no arco-íris, do vermelho ao violeta. Em torno de 1850, Bunsen e Kirchhoff mostraram que algumas das linhas que "faltavam" no espectro solar correspondiam à luz emitida quando certos elementos químicos eram aquecidos a ponto de brilhar: cada elemento emite apenas em determinadas cores e essas podem ser relacionadas às linhas escuras no espectro solar. A interpretação foi revolucionária: os mesmos elementos existem no Sol e na Terra. A química juntou-se à física em sua universalidade. A natureza segue as mesmas regras, não importa onde.

Na biologia a situação é mais incerta. Dado que a Terra é o único planeta que conhecemos com vida, podemos apenas especular sobre vida extraterrestre. Porém, se definirmos vida como um conjunto de reações químicas capaz de se autossustentar e de se reproduzir de acordo com a evolução darwiniana, podemos isolar alguns dos ingredientes importantes para que ela exista em outros mundos: água líquida, carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e alguns outros elementos. Formas de vida alternativas poderiam existir mas teriam um bioquímica pouco versátil. E o que vemos de seres em locais exóticos é que a vida é muito versátil.

Talvez Kaufman tivesse em mente o familiar (vida aqui) versus o não familiar (vida fora daqui). Pois é certo que os ETs serão diferentes. A história da vida depende fundamentalmente da história de seu planeta anfitrião. E como não existem duas histórias iguais, os ETs, se existirem, serão exóticos. Ainda assim, obedecerão às mesmas leis da física e da química e, muito provavelmente, o curso da evolução segundo o processo de seleção natural.

domingo, 10 de abril de 2011

Contra as formas de dogmatismo




Dentro da sua validade, teorias funcionam bem; mas dizer que a ciência detém a verdade é demais


EM SEU ENSAIO "Absence of Mind", a romancista e ensaísta americana Marilynne Robinson, que venceu o prêmio Pulitzer por seu romance "Gilead", critica cientistas como Richard Dawkins e Steven Pinker por seus ataques à fé e à religião.

Robinson declara que a postura desses cientistas é essencialmente fundamentalista, baseada na doutrina do "cientismo", que prega que a ciência é o único modelo explicativo válido. "As certezas que, juntas, trivializam e menosprezam, precisam ser revisitadas", escreveu.

Eis, resumidamente, o argumento de Robinson: não há dúvida de que a ciência é uma belíssima construção intelectual, com inúmeros triunfos no decorrer dos últimos quatro séculos. Porém, sua visão de mundo é necessariamente incompleta.

Reduzir todo o conhecimento aos métodos da ciência acaba por empobrecer a humanidade. Precisamos de diversidade cultural, e essa diversidade inclui, entre outras, a cultura das religiões.

O que faz com que cientistas tenham tanta confiança no seu saber? Afinal, a prática da ciência apoia-se em incertezas; uma teoria funciona apenas dentro de seus limites de validade. Teorias são testadas constantemente e seus limites são expostos. É justamente dos limites de uma teoria que surgem outras..

Portanto, para que a ciência avance é necessário que ela falhe.

As verdades de hoje não serão as mesmas de amanhã. Veja, por exemplo, a noção de que a Terra é o centro do cosmo, plenamente aceita até o século 17. Claro, dentro de sua validade, teorias funcionam extremamente bem e, dessa forma mais restrita, podemos chamá-las de verdadeiras. Mas afirmar que a ciência detém a verdade é ir longe demais.

Escrevo não como uma crítica à ciência -isso seria contradizer a minha obra!-, mas como uma espécie de toque de despertar aos que pregam a ciência como dona da verdade. É necessário ter mais cuidado.

Robinson examina vários casos, expondo seus pontos fracos e os abusos da retórica científica. Porém, ela não é imune aos abusos de sua retórica. Por exemplo, ela critica a análise de Steven Pinker sobre o "Bom Selvagem": "Será que é razoável argumentar contra o mito do Bom Selvagem baseando-se na cultura do século 20? O que nos parece primitivismo pode ser algo bem diferente. Não posso deixar que uma análise tão falha seja difundida".

Em 2006, Robinson publicou uma resenha do livro de Dawkins, "Deus, um Delírio", na qual critica o biólogo duramente. Robinson acusa Dawkins de usar argumentos científicos onde eles não são pertinentes. Por exemplo, quando Dawkins critica a ideia de que Deus é o criador do Universo, afirmando que a ideia não faz sentido: como o Universo começou simples, Deus não poderia ser complexo para conseguir criá-lo.

Dawkins conclui que Deus contradiz a teoria da evolução, pois já surge complexo. Robinson contra-ataca dizendo que aplicar teorias científicas a Deus não faz sentido. Mesmo sendo agnóstico, tenho de concordar com ela.

Muito da ciência e da religião vem da necessidade que temos de encontrar sentido e significado em nossas vidas. Simpatizo com a necessidade de humildade e autocrítica nas ciências defendida por Robinson. Espero, porém, a mesma atitude de líderes religiosos e teólogos.

domingo, 3 de abril de 2011

Uma mente sem limites


O interessante é aprender a aceitar nossas limitações, ao mesmo tempo em que tentamos transcendê-las

IMAGINE UMA pílula que ofereça poderes intelectuais ilimitados, que cause uma avalanche de atividade neuronal, elevando o cérebro a um nível de percepção incomparável. Você toma aquilo e, por algumas horas, vira uma espécie de deus.

Essa é a premissa do novo filme "Sem Limites", dirigido por Neil Burger e baseado no romance de Alan Glynn. O enredo nos apresenta Bradley Cooper no papel de um escritor fracassado que é transformado num gênio pelos poderes de uma milagrosa droga psicotrópica.

Imagine se o cérebro tivesse um poder tremendo, uma capacidade ilimitada de percepção e dedução anestesiada pela rotina? O que chamamos de criatividade, de "insights" geniais, são meras fagulhas do que poderia ocorrer, a percepção de uma realidade que tudo engloba, uma nova dimensão da existência.
Será possível abrirmos as portas para essa realidade, libertando-nos da "trivialidade" a que somos acorrentados pelo uso de apenas uma fração do nosso córtex?

Na verdade, a ideia de que usamos apenas 10% do cérebro é um mito. Usamos o órgão por inteiro, cada parte com uma função bem conhecida. Caso contrário, teríamos evoluído de forma diversa, com cérebros menores e mais econômicos.

Portanto, o ponto não é ativar áreas adormecidas do cérebro, mas criar conexões mais eficientes entre os neurônios: o segredo está em aumentar o número de pontes entre eles, intensificar o trânsito, por assim dizer, criando novas ressonâncias que levem a um patamar mais elevado de consciência.

Será que uma pílula pode realmente fazer isso?

Ninguém sabe. Mas vejamos onde estamos hoje. Milhões de pessoas, incluindo crianças, tomam vários medicamentos à base de anfetaminas, todos estimulantes.

As drogas aumentam a quantidade de dopamina no cérebro, otimizando o foco e a atenção, a libido e o nível geral de eficiência cognitiva do paciente. Essas drogas são, de certa forma, versões simplificadas da NZT 48, a pílula mágica do filme: a ficção ampliando o que já existe. Será que a ciência pode chegar a algo assim? E, se puder, quem a tomaria?

Vemos aqui mais uma versão moderna da lenda de Fausto. Agora o Diabo veste as roupas da indústria farmacêutica, ou as de um traficante de drogas.

No romance "A Pedra Filosofal", de 1969, Colin Wilson imaginou um cenário semelhante: com o implante de eletrodos em pontos estratégicos do córtex pré-frontal, seria possível catapultar o cérebro a um nível de funcionamento inimaginável.

O "homem liberado" que resulta do experimento é transformado num profeta, num gênio, num deus, capaz de ver o passado e o futuro, de decifrar significados profundos sobre o Universo que as pessoas mais comuns nem sonham existir.

Será que nós podemos acender todas as luzes sem queimar o fusível central? Qual a vantagem de uma mente ilimitada?

No filme, as vantagens que temos permanecem: quem é mais inteligente continua mais inteligente. Talvez possamos extrair uma lição importante do filme e do livro: o que torna a vida interessante não é atingir níveis fantasiosos de percepção, mas aprender a aceitar nossas limitações ao mesmo tempo em que tentamos transcendê-las.