domingo, 18 de março de 2012

O mês do céu mágico

Se a conjunção de planetas no céu deste mês fosse vista há dois séculos, as pessoas ficariam em pânico

A ideia de que o mundo vai acabar é tão antiga quanto a ideia de mundo. Na maioria das culturas, o fim do mundo virá e, quando vier, será anunciado pelo mais completo caos celeste. O que muda de cultura para cultura é o que ocorre depois do fim: ou um novo começo ou uma era em que o tempo deixa de passar.

Fora a escatologia bíblica do Apocalipse de João ou do livro de Daniel, alguns leitores devem se lembrar de Abracurcix, o chefe da aldeia de Asterix, o bravo guerreiro gaulês, cujo único medo era que o céu caísse sobre sua cabeça.

Ao contrário das culturas monoteístas, com seu tempo linear, para os celtas e seus druidas o fim de um ciclo marcava o começo de outro. A noção do tempo cíclico, presente também na mitologia hindu por meio da dança de Shiva, em geral representa uma sequência de mundos. Não existe um final, mas uma sequência de existências.

Que o fim do mundo vem anunciado nos céus parece ser uma simbologia universal: se a ordem celeste é alterada, o pior está ainda por vir. Não é à toa que cometas até hoje são tidos como mau agouro. Se os céus são a morada dos deuses, por consequência são também seu quadro de mensagens. Fenômenos fora do comum eram e ainda são temidos. "Arrependa-se antes que seja tarde!", diz o firmamento.

Neste mês, o céu está belíssimo. Os dois planetas mais brilhantes, Vênus e Júpiter, estão em conjunção (próximos) no oeste logo após o poente. A lua reaparecerá perto deles no final do mês, amplificando a beleza do evento. Enquanto isso, no leste, Marte está em oposição (ou quase) com o Sol, o que o torna bem brilhante e alaranjado.

Até o elusivo Mercúrio andou mostrando sua cara no início do mês. Saturno aparece na linha do horizonte leste no início da noite. Ou seja, durante o mês, os cinco planetas visíveis a olho nu estarão presentes no céu. Se isso tivesse ocorrido há dois séculos, viria o pânico.

Felizmente, não há nada a temer. Pelo contrário, a beleza do céu neste mês deveria inspirar todos a olhar para cima. Ao fazê-lo, percebemos o quanto somos pequenos perante a imensidão do espaço. Porém, percebemos também o quanto somos grandes -pois foi por meio de nossa criatividade que conseguimos aprender tanto sobre os céus, sobre as leis que regem os movimentos planetários e sobre as órbitas e a composição dos cometas.

É ela, também, a responsável pela nossa capacidade de datar com precisão de segundos a ocorrência de eclipses solares e pela compreensão dos processos responsáveis pela produção de luz e energia no Sol, que nos permitem existir na sua vizinhança. Aliás, não deixe de celebrar o dia do Sol e da Terra, dia 19, que também é meu aniversário.

Pela primeira vez na história, estamos olhando para outros mundos, misteriosos e distantes, que giram em torno de outras estrelas. Cada qual é um livro aberto, com suas propriedades únicas e, quem sabe, a promessa de vida em alguns deles.

Os que pensam que, ao compreendermos o mundo cientificamente, tiramos sua beleza, deveriam repensar sua posição. Pelo contrário, ao nos ajudar a ver mais longe, a ciência alimenta ainda mais os sonhos de tudo o quanto ainda não conhecemos e o senso de mistério ao contemplarmos o Universo.

domingo, 11 de março de 2012

Será o mundo uma ideia?



Para Platão, a essência da realidade é percebida pela razão; isso deu à mente do homem um status semidivino

"A mente humana é mais incrível do que o Universo", disse-me outro dia minha filha adolescente. "Por que?" perguntei. "Ora, tudo começa nas nossas cabeças. Sem nossas mentes, não existiria um Universo."

"Será isso mesmo?", perguntei-me em silêncio. A rixa entre o que é e o que é percebido é tão antiga quanto a filosofia. Tem algo a ver com a pergunta "se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para ouvir, ela faz barulho?" (adaptada aqui). Mas é mais complexa.

Platão tornou explícita a divisão entre o mundo das ideias e o mundo dos sentidos. No seu famoso "Mito da Caverna", imaginou um grupo de prisioneiros acorrentados por toda a vida numa caverna. Podiam apenas olhar para uma parede, onde viam sombras projetadas por um fogo que queimava atrás deles. Com isso, sua percepção da realidade era profundamente distorcida, visto que nunca podiam olhar para os objetos que criavam as sombras. Apenas por meio de seus sentidos, jamais poderiam capturar a verdade sobre o mundo.

Platão usa a alegoria para argumentar que apenas o pensamento puro, livre das distorções da percepção sensorial, pode nos revelar verdades absolutas, imutáveis.

Segundo ele, a essência da realidade só pode ser percebida pela razão. Com isso, deu à mente humana um status semidivino, a ponte por onde chegamos ao absoluto. Para Platão, a essência do real é encapsulada por formas abstratas. Conhecê-las é chegar mais perto da verdade. Por exemplo, todas as mesas têm a forma de mesa, mesmo que os detalhes sejam diferentes. Apenas a ideia de um círculo é um círculo perfeito. Qualquer representação dele será imperfeita.

Dada a sua conexão com a busca pela verdade, não é surpreendente que as ideias de Platão tenham influenciado tanto cientistas quanto teólogos. Se as formas têm estrutura geométrica, a matemática (que estuda suas propriedades) segue em direção à verdade. Se a linguagem da natureza é a matemática, como afirmou Galileu, quanto mais as ciências físicas forem fundamentadas na matemática, mais perto da verdade estarão.

Essas ideias inspiraram alguns dos grandes nomes da ciência, de Copérnico e Kepler à Planck e Einstein. E continuam a fazê-lo, em particular para físicos que trabalham com teorias que tentam explicar toda a estrutura física do Universo, como a teoria das supercordas.

Para teólogos inspirados por Platão, como o genial Nicolau de Cusa, que viveu no século 15, a perfeição existe apenas em Deus. Com essa ideia, Cusa supôs que a Terra não poderia ser o centro do Universo. Cusa também não levava a sério a possibilidade de humanos obterem verdades absolutas. Para ele, elas estão na essência de Deus, que é incompreensível aos humanos.

Se a noção do Deus Geômetra não é mais muito popular, a do Homem Geômetra permanece firme e forte, e está por trás de grandes descobertas científicas e matemáticas.

Sem nossas mentes nada disso seria possível. Imaginamos e compreendemos o Universo com elas. Por outro lado, talvez seja bom levar a sabedoria de Cusa a sério e lembrar que o que criamos e entendemos é expressão de nossa criatividade, tendo pouco ou nada a ver com verdades finais e absolutas.?