domingo, 29 de março de 2009

Misteriosos vazios cósmicos



O que se sabe sobre a energia escura é pouco e muito estranho


Já se vão 11 anos desde que o cosmo tornou-se mais misterioso do que nunca. Tudo começou em 1929, quando o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu que o Universo está em expansão, com o espaço entre as galáxias crescendo como se fosse uma tira elástica. Para concluir isso, Hubble mediu a luz emitida por galáxias distantes e analisou suas propriedades, comparando-a com a luz emitida por objetos mais próximos.

Essa comparação é muito útil: existe um efeito, chamado efeito Doppler, que diz que, quando uma fonte de luz se afasta ou se aproxima do observador (ou o observador dela, dá no mesmo), a luz é distorcida: se o objeto se afasta, a luz é desviada para tons avermelhados; se o objeto se aproxima, para tons azulados.

Hubble mostrou que a maioria absoluta das galáxias mostra um desvio para o vermelho, concluindo que elas estão se afastando, com velocidades proporcionais à distância entre elas. A taxa de expansão cósmica depende da quantidade de matéria (e energia) no Universo: quanto mais matéria, mais lenta a expansão.

No caso de a quantidade total de matéria estar acima de um valor crítico, vence a gravidade, e o Universo acabaria caindo sobre si mesmo. Observações atuais mostram que o cosmo existe bem em torno desse valor crítico. Nesse caso, a expansão continuaria para sempre. Ao menos assim se pensava até 1998. Cada geração enfrenta os seus mistérios e desafios. Assim caminha a ciência, de mistério em mistério.

Mas esse de agora é dos bons. Em 1998, dois grupos de astrônomos mediram a luz emitida por objetos muito distantes, estrelas que explodiram bilhões de anos atrás. Essas estrelas, chamadas supernovas, são como fogos de artifício cósmicos. Usando técnicas semelhantes às de Hubble (mas com telescópios e instrumentos de análise muito mais sofisticados), os astrônomos concluíram algo muito estranho: as estrelas parecem brilhar com luz mais fraca do que o esperado.

Como o efeito Doppler conecta o brilho da estrela com sua velocidade, é possível concluir que a luz mais fraca se deve a uma expansão mais rápida: em torno de 5 bilhões de anos atrás, o Universo resolveu acelerar a sua expansão. Como muitos leitores já devem ter ouvido, a conjectura mais popular é de que essa aceleração cósmica -a tira elástica esticando mais rápido- se deve a uma nova forma de material, a chamada energia escura. O problema é que se sabe muito pouco desse material. E o que se sabe é muito estranho. Diferentemente dos átomos que compõem a matéria comum, a energia escura não é formada por partículas de matéria.

Supostamente, ela é uma nova substância que permeia todo o cosmo. Dada essa excentricidade, é saudável procurar explicações menos revolucionárias. Uma delas é que vivemos numa região com pouca matéria, um vazio cósmico. Nesse caso, a taxa de expansão cósmica ao nosso redor seria mais rápida. A existência desses vazios não é novidade; as galáxias estão distribuídas pelo Universo de forma irregular. Mas, na média, tudo se passa como se o cosmo fosse igual em todos os lugares. Esse é o "princípio cosmológico", uma adaptação do princípio copernicano.

Quando Copérnico sugeriu que a Terra não era o centro do cosmo, nós nos tornamos mais mundanos, nossa posição, pouco especial. A ideia de que vivemos num enorme vazio (de 1 bilhão de anos-luz de raio) nos remete de volta a um local especial. Aparentemente, esse enorme vazio é pouco provável. Mas vazios menores, como numa esponja, em princípio podem surtir o efeito desejado. Qualquer que seja a solução do mistério da energia escura, aprenderemos muito com ela.

domingo, 22 de março de 2009

Como sabemos?



Nossa construção da realidade, por ser sempre filtrada, é incompleta


Como sabemos que o mundo é do jeito que é? Fácil, diria uma pessoa pragmática: basta olhar e medir. Vemos a árvore, a cadeira, a mesa; ouvimos o vento, a música, as vozes das pessoas. Sentimos o calor e o frio na nossa pele. Uma vez que essa informação sensorial é integrada pelo nosso cérebro, construímos uma concepção do real que nos permite funcionar no mundo.

Sabemos aonde ir, o que comer, o que evitar tocar; sentimos o prazer de uma boa refeição, de um abraço carinhoso. Mas e quando vamos além dos nossos sentidos, usando instrumentos para estender a nossa concepção da realidade? Não vemos galáxias a olho nu (talvez Andrômeda, em noites muito especiais) e muito menos um átomo de carbono. Como sabemos que estão lá, que existem?

Quando Galileu mostrou seu telescópio para os senadores de Veneza, muitos se recusaram a aceitar que o que viam era real. Mais recentemente, no final do século 19, o grande físico e filósofo austríaco Ernst Mach se recusava a aceitar a existência dos átomos pois estes, segundo ele, nunca poderiam ser visualizados. Mach e os senadores estavam errados.

O que se vê através dos telescópios é perfeitamente real. Captamos os fótons -as partículas de luz- emitidos (ou refletidos, no caso de planetas e luas) pelo corpo celeste. Se a fonte não emite nas faixas visíveis do espectro, ou está tão longe que não podemos captar fótons entre o vermelho e o violeta, captamos ondas de rádio ou micro-ondas, radiação eletromagnética que nossos olhos não enxergam, mas que nem por isso é menos real.

Quando elétrons pulam de órbita nos átomos, também emitem (ou absorvem) fótons, que podem ser detectados por instrumentos ou, no caso de serem visíveis, pelos nossos olhos. Os instrumentos usados no estudo dos fenômenos naturais são uma extensão dos nossos sentidos. Um dos feitos mais espetaculares da ciência é justamente essa ampliação da realidade, o ver além do visível.

A situação se complica quando a complexidade do fenômeno nos força a filtrar dados, selecionando apenas uma parte do que ocorre. Nossos cérebros fazem isso constantemente, o que chamamos de "foco"; caso contrário, seríamos inundados a tal ponto por sons e imagens que não conseguiríamos fazer nada. Quando olhamos para uma estrela a olho nu ou com um telescópio óptico, vemos apenas parte dela, o que ela emite no visível. Uma visão completa da estrela incorporaria suas emissões no infravermelho, no ultravioleta, no raio X etc. A consequência desse fato é simples, mas profunda: nossa construção da realidade, por ser sempre filtrada, é incompleta. Sabemos apenas aquilo que medimos.

No caso das partículas elementares, o problema é ainda mais grave. O gigantesco acelerador LHC, por exemplo, que deve entrar em funcionamento dentro de alguns meses na Suíça, criará em torno de 600 milhões de colisões entre partículas por segundo. Essas colisões geram 700 megabytes de dados por segundo, mais de 10 petabytes por ano. Um petabyte equivale a mil trilhões de bytes (1015), 1 milhão de discos rígidos com 1 gigabyte cada.

Para tornar a pesquisa viável, os grupos de cientistas filtram os dados, selecionando eventos designados "interessantes". Essa seleção, por sua vez, é baseada em teorias atuais que especulam sobre o que existe além do que já conhecemos. Apesar de as teorias serem sólidas, elas só serão confirmadas pelos experimentos. Existe o risco de que fenômenos inesperados, não-previstos pelas teorias, sejam eliminados pela filtragem dos dados.

Nesse caso, nossas próprias teorias limitam o que sabemos sobre o mundo - uma conclusão um tanto paradoxal.

domingo, 15 de março de 2009

Robôs apaixonados



Será que nós estamos prontos para amar as máquinas?

Na semana passada, revi o filme "Inteligência Artificial", de Steven Spielberg (coluna de 2 de setembro de 2001). À parte o drama da narrativa -onde um robô-menino, recriado brilhantemente pelo então jovem ator e vencedor do Oscar, Haley Joel Osment, sai pelo mundo em busca do amor de sua vida, a sua mãe humana- o filme mostra uma Nova York do futuro, parcialmente submersa. As torres do World Trade Center aparecem despontando sombriamente das águas. Nove dias após a publicação da minha coluna, as torres foram destruídas. Isso, nem o grande Spielberg poderia ter previsto.

Exibi o filme para a minha classe, como parte de nossas discussões sobre os usos e abusos da tecnologia. Por coincidência, no mesmo dia em que vimos o filme, o presidente Barack Obama assinou projeto cancelando restrições às pesquisas com células-tronco, revertendo a política obscurantista de seu predecessor. Aleluia!

Obama assinou também uma declaração prometendo a separação entre ciência e ideologia política, proibindo a distorção e omissão de fatos e dados científicos para satisfazer as agendas de grupos de interesse. Leia-se, para deixar claro que os resultados científicos sobre a gravidade do aquecimento global e suas causas não podem mais ser distorcidos. Estava na hora de a nação que mais polui o planeta assumir a responsabilidade e a liderança na luta contra o efeito estufa.
O que vimos na semana que passou é só o começo. Finalmente, a ciência mais uma vez recebe o respeito que merece dos nossos vizinhos do norte.

Agora é a vez de o nosso país fazer o mesmo, começando por aumentar os recursos dos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação. Não fazer isso é nos prender ao passado.
Se a reviravolta científica nos EUA é uma boa indicação, a pesquisa será reaquecida no mundo inteiro; quando o planeta passa por uma crise como a atual, podemos rezar ou criar novas alternativas, novas tecnologias, novos modos de pensar. Investir na nossa inventividade me parece ser a alternativa mais promissora.

Mas quero voltar aos temas levantados pelo filme. A ficção científica, quando bem feita, tem o poder de nos remeter à uma reflexão sobre a condição humana; o que somos, como vivemos, por que existimos. Stanley Kubrick, um dos grande diretores de todos os tempos, iniciou o projeto do filme. Antes de morrer em 1999, passou o comando a Spielberg; não há dúvida de que o filme teria sido muito diferente nas mãos de Kubrick. Menos melodramático, com certeza, embora seja impossível não se emocionar com o robô que, como o boneco Pinóquio, queria ser um menino de verdade.

Eis a questão central: o que no faz humanos? Será a "nossa capacidade de tentar tornar os nossos sonhos em realidade"? A nossa capacidade de amar? No filme, a grande revolução que ocorre na indústria robótica se dá quando o cientista-gênio (William Hurt no papel do Prof. Hobby), consegue programar o amor no robô-menino: com uma combinação de sete palavras, como num encanto mágico ou cabalístico, o robô passa a amar a sua mãe completa e totalmente. À parte os seus circuitos internos, ele passa a agir e sentir como um ser humano.

Além da busca do robô por sua humanidade, o filme questiona o outro lado da equação: será que nós estamos prontos para amar máquinas?

Apesar de estarmos longe de criar máquinas inteligentes e, mais ainda, máquinas capazes de amar, podemos refletir sobre essas possibilidades. Podemos não. Devemos. O casamento da genética com a cibernética vai mudar o mundo. Com o passar das décadas, seremos cada vez menos carne e osso. Mas não por isso menos humanos.

domingo, 8 de março de 2009

Infância violenta



A Lua é a costela da Terra; tudo que bate nela fica registrado

Todo nascimento tende a ser um misto de violência e poesia. E isso não é verdade apenas para animais. Nosso Sistema Solar também teve um nascimento e uma primeira infância extremamente violenta e bela. Tudo começou quando uma gigantesca nuvem contendo principalmente hidrogênio e hélio entrou em colapso devido à sua própria gravidade.

Fora esses dois gases, elementos mais pesados, como carbono, oxigênio, ferro e ouro também estavam presentes, embora em menores quantidades. Ao colapsar, a nuvem gasosa, que inicialmente era aproximadamente esférica, foi se achatando, tomando cada vez mais a forma de uma pizza cósmica. Há 4,6 bilhões de anos, o Sol entrou em ignição no centro da pizza, por meio do processo de fusão nuclear que transforma hidrogênio em hélio. Fez-se a luz. Em torno da luz central, giravam os proto-planetas, aderindo materiais. Os mais externos, os atuais gigantes gasosos, sujeitos à temperaturas baixas, podiam agregar materiais gasosos e engordaram mais; os mais internos, a Terra dentre eles, agregaram principalmente materiais rochosos e metais, como o ferro e o níquel. Assim nasceram os planetas.

A situação era complicada. Os planetas foram criados a partir da agregação de materiais, um pouco como uma bola de neve que é atirada na tempestade; ao viajar, a bola vai aderindo cada vez mais neve e crescendo.

(Sei que a imagem é estranha quando estão fazendo mais de 30C, mas da minha janela aqui no norte dos Estados Unidos vejo tudo ainda branco.) O problema é que esses materiais não são todos agregados aos planetas nascentes. Sobra muito detrito, o que hoje chamamos de asteroides e cometas.

Conclusão: durante os primeiros 500 milhões de anos, bombardeios devastadores eram comuns. De tamanhos variados, esses impactos eram extremamente violentos. Como comparação, o asteroide responsável pela extinção dos dinossauros em tempos bem mais recentes (há só 65 milhões de anos) tinha um diâmetro de dez quilômetros. A energia liberada nesse único impacto é equivalente à detonação de todas as bombas de hidrogênio que existiam no clímax da Guerra Fria multiplicada por cem mil. Isso é o que ocorre quando uma pedra desse tamanho colide com a Terra a mais de 20 mil quilômetros por hora.

O impacto mais dramático foi a colisão com um planetoide do tamanho de Marte logo no início da formação do Sistema Solar, em torno de 4,5 bilhões de anos atrás. A colisão, meio de lado, arrancou uma enorme quantidade de massa da Terra que reorganizou-se em órbita à sua volta.
Essa massa mais uma vez agregou-se tornando-se na nossa Lua: a Lua é a costela da Terra. A composição das rochas lunares trazidas pelos astronautas das missões Apolo mostra enorme semelhança com a composição da crosta terrestre. A abundância de ferro na Terra e a sua ausência na Lua indicam que a colisão arrancou material mais próximo da superfície terrestre; o ferro, sendo mais pesado, em sua maior parte havia já afundado em direção ao centro da Terra. Hoje é responsável, como o níquel também é, pelo magnetismo que orienta as bússolas dos viajantes.

A Lua nos oferece um retrato da infância violenta do Sistema Solar. Não tendo atmosfera e movimentos de crosta, o que bate nela fica registrado.

Analisando as crateras lunares, cientistas determinaram que a Lua sofreu um pico no bombardeio em torno de 3,9 bilhões de anos atrás. A causa? Um rearranjo nas órbitas de Urano e Netuno que desalojaram inúmeros cometas e asteroides. Felizmente, hoje vivemos em tempos bem mais calmos. O Sistema Solar, em sua meia idade, é bem mais sereno.

domingo, 1 de março de 2009

Astroteologia



É alta a chance de que "eles" sejam mais inteligentes


Aparentemente, foi o filósofo grego Epicuro que sugeriu, já em torno de 270 a.C., que existem inúmeros mundos espalhados pelo cosmo, alguns como o nosso e outros completamente diferentes, muitos deles com criaturas e plantas.

Desde então, ideias sobre a pluralidade dos mundos têm ocupado uma fração significativa do debate entre ciência e religião. Em um exemplo dramático, o monge Giordano Bruno foi queimado vivo pela Inquisição Romana em 1600 por pregar, dentre outras coisas, que cada estrela é um Sol e que cada Sol tem os seus planetas.

Religiões mais conservadoras negam a possibilidade de vida extraterrestre, especialmente se for inteligente. No caso do cristianismo, Deus é o criador e a criação é descrita na Bíblia, e não vemos qualquer menção de outros mundos e gentes. Pelo contrário, os homens são as criaturas escolhidas e, portanto, privilegiadas. Todos os animais e plantas terrestres estão aqui para nos servir. Ser inteligente é uma dádiva que nos põe no topo da pirâmide da vida.

O que ocorreria se travássemos contato com outra civilização inteligente? Deixando de lado as inúmeras dificuldades de um contato dessa natureza- da raridade da vida aos desafios tecnológicos de viagens interestelares- tudo depende do nível de inteligência dos membros dessa civilização.

Se são eles que vêm até aqui, não há dúvida de que são muito mais desenvolvidos do que nós. Não necessariamente mais inteligentes, mas com mais tempo para desenvolver suas tecnologias. Afinal, estamos ainda na infância da era tecnológica: a primeira locomotiva a vapor foi inventada a menos de 200 anos (em 1814).

Tal qual a reação dos nativos das Américas quando viram as armas de fogo dos europeus, o que são capazes de fazer nos pareceria mágica.

Claro, ao abrirmos a possibilidade de que vida extraterrestre inteligente exista, a probabilidade de que sejam mais inteligentes do que nós é alta. De qualquer forma, mais inteligentes ou mais avançados tecnologicamente, nossa reação ao travar contato com tais seres seria um misto de adoração e terror. Se fossem muito mais avançados do que nós, a ponto de haverem desenvolvido tecnologias que os liberassem de seus corpos, esses seres teriam uma existência apenas espiritual. À essa altura, seria difícil distingui-los de deuses.

Por mais de 40 anos, cientistas vasculham os céus com seus rádio telescópios tentando ouvir sinais de civilizações inteligentes. Quem viu "Contato" com Jody Foster ou leu o livro de Carl Sagan que inspirou o filme lembra das várias cenas em que ela tenta decifrar os sinais de rádio que recebia.

Infelizmente, até agora nada foi encontrado. Muitos cientistas acham essa busca uma imensa perda de tempo e de dinheiro. As chances de que algo significativo venha a ser encontrado são extremamente remotas.

Em quais frequências os ETs estariam enviando os seus sinais? E como decifrá-los? Por outro lado, os que defendem a busca afirmam que um resultado positivo mudaria profundamente a nossa civilização. A confirmação da existência de outra forma de vida inteligente no universo provocaria uma revolução. Alguns até afirmam que seria a maior notícia já anunciada de todos os tempos. Eu concordo.

Não estaríamos mais sós. Se os ETs fossem mais avançados e pacíficos, poderiam nos ajudar a lidar com nossos problemas sociais, como a fome, o racismo e os confrontos religiosos. Talvez nos ajudassem a resolver desafios científicos. Nesse caso, quão diferentes seriam dos deuses que tantos acreditam existir? Não é à toa que inúmeras seitas modernas dirigem suas preces às estrelas e não aos altares.