sábado, 26 de junho de 2010

A harmonia (da Copa) do mundo



Espero que na Copa em 2050 o Brasil continue sendo líder no futebol e seja o novo líder na ciência

Agora que o Brasil se classificou para a segunda rodada da Copa (como escrevo antes do jogo com Portugal, não sei se em primeiro ou em segundo grupo), está na hora de darmos uma relaxada e refletirmos um pouco sobre futebol e esportes em geral.

Os gregos foram os primeiros a sacar que esportes unificam populações. Se a poesia épica de Homero não funcionava por si só para unificar as cidades-estado num império homogêneo, use os esportes como complemento. Assim nasceram as Olimpíadas, em torno de 776 a.C.

Atletas das diversas cidades-estado e reinos espalhados pela costa do Mediterrâneo competiam entre si a cada quatro anos. Durante os jogos, guerras entre as cidades-estado eram suspensas. Já então, os esportes eram um excelente modo de sublimar o apetite pela guerra.

Esportes são guerras controladas. Um mundo sem esportes seria bem mais caótico. Adoro esportes em geral e futebol mais ainda. Nos meus tempos, fui um jogador bem razoável, se bem que de...vôlei. Cheguei até a ser campeão brasileiro, junto ao Bernardinho.

Mas, vendo os jogos, e, mais importante, a torcida, como não pensar em guerras tribais? Especialmente com as caras pintadas, os uniformes, as bandeiras, a testosterona elevada, as brigas entre torcedores e entre jogadores, as indignações que a pobre mãe do juiz sofre...

Interessante que o mesmo ocorre em jogos contra times locais. Não é só país contra país. É num Fla-Flu, Corínthians e São Paulo, Barcelona e Real Madri, Everton e Manchester United...as guerras são tão intensas quanto nos jogos internacionais. Esportes representam nossas várias alianças tribais: clube, Estado, país. Durante a Copa, torcedores de clubes diferentes se esquecem das disputas e vestem com orgulho a camisa do seu país.

Durante um mês o país é o foco principal, do mesmo modo que entre os gregos: as cidades-estado são os países e o império é o mundo.

O poder da Copa como unificador global é realmente impressionante. O mundo inteiro grudado nas TVs, nos rádios e, desta vez, graças à frota de satélites de telecomunicação, nos telefones celulares também. A tecnologia leva a Copa aos quatro cantos do planeta.

Nenhum outro evento mundial tem o poder de focar tanta gente de culturas, religiões e realidades sociais completamente diferentes.

Lembro a primeira Copa a que assisti, a de 1966, numa TV PB a válvulas, que demorava 30 segundos para "esquentar". O homem não havia ainda pousado na Lua, os Beatles ainda tinham cabelos curtos, o modelo do Big Bang acabava de ser confirmado, se bem que eu, com sete anos, não sabia de nada disso.

O mundo mudou muito. A população mundial mais do que dobrou. A Guerra Fria acabou. A economia global é uma coisa só, a falência de um país afeta o mundo inteiro. Controlamos o buraco de ozônio, mas temos muito a fazer para controlar as emissões de CO2. Talvez estejamos vendo o início de uma mudança de atitude global, uma nova relação de sustentabilidade com o planeta.

Espero que na Copa de 2050, quando estaremos assistindo à final em hologramas tridimensionais em casa, o Brasil continue sendo o líder do futebol e seja o novo líder da ciência, e que tenhamos aprendido a viver em sintonia com a Terra.

domingo, 20 de junho de 2010

Uma nova Revolução Industrial



Alguma coisa tem de ser mudada na maneira como se usa energia. E não só nos EUA, mas no mundo


NA SEMANA PASSADA, um sombrio presidente Obama falou ao povo americano da Casa Branca. "É inaceitável não fazermos nada", afirmou. Seu discurso tinha o tom de um grito de guerra, se não na intensidade da sua voz (ele nunca perde a linha), ao menos na mensagem. Na quarta, a empresa petroleira BP criou um fundo de US$ 20 bilhões para ressarcir a população costeira que sofre com os milhões de galões de petróleo que cobrem suas praias e destroem seu ganha-pão.

Imagine algo semelhante ocorrendo no Brasil: a costa de Campos até Angra coberta por uma enorme mancha negra; ninguém vai à praia, os pescadores não pescam. As garantias oferecidas pela BP contra esse tipo de desastre, "estamos preparados para algo muito pior", não funcionaram. Parece ser bem mais fácil escavar um poço submarino a 1.500 m de profundidade do que saber como extirpar o seu vazamento.

É tudo uma questão de prioridade corporativa. A exploração do petróleo se dá em lugares cada vez mais remotos. Veja os 50 bilhões de barris na costa do Rio enterrados sob um densa camada de sal e a 2.200 m de profundidade. Será que seremos capazes de deter um vazamento?

Obama lembrou aos americanos que seu país consome em torno de 20% do petróleo mundial, enquanto suas reservas são de apenas 2%. Não é necessário ser um estrategista para ver que isso é um problema sério: se uma nação precisa de um recurso para sobreviver, vai fazer de tudo para obtê-lo.

Daí as guerras com tanques e bancos, as quase mil bases militares no estrangeiro, os tentáculos espalhados pelo mundo tentando controlar uma situação muito instável. Somando-se a isso o fato de que as maiores reservas de petróleo estão em países hostis aos EUA (e, claro, essa antipatia é consequência, ao menos em parte, da política externa invasiva dos americanos), a situação torna-se explosiva.

Alguma coisa tem de mudar.

Precisamos embarcar numa nova Revolução Industrial. A era dos combustíveis fosseis está acabando.

As companhias petroleiras têm uma excelente oportunidade para mudar sua imagem e tomar a dianteira, sendo os grandes instigadores da mudança. Existe muito dinheiro para ser feito numa economia verde.

À medida que a população mundial cresce, e um número cada vez maior de pessoas entra para a classe média, o apetite por energia só vai aumentar. Com isso, aumentará também o lucro das empresas que produzem e fornecem essa energia.

Uma super-rede, capaz de integrar fontes diferentes (sol, ventos, biomassa) e de transportar essa energia por enormes distâncias, o treinamento de mão de obra especializada, a formação de mais engenheiros e cientistas, a implantação de incentivos fiscais que motivem as pessoas e empresas a adotar tecnologias alternativas -essas são condições necessárias para que a nova revolução tome rumo. Necessárias, mas não suficientes.

As pessoas precisam se convencer disso. Olho para meu filho de quatro anos com um misto de otimismo e desespero. Sonho com um novo mundo, no qual interagimos com a natureza para preservá-la.

Essa guerra é entre nosso passado e nosso futuro. E o fato é que só pode ser lutada no presente.

domingo, 13 de junho de 2010

Newton, Einstein e Deus



Os dois gigantes da física tinham uma relação íntima com certa versão do que se costuma chamar de Deus


TALVEZ ISSO SURPREENDA muita gente, mas tanto Newton quanto Einstein, sem dúvida dois dos grandes gigantes da física, tinham uma relação bastante íntima com Deus.

É bem verdade que o que ambos chamavam de "Deus" não era compatível com a versão mais popular do Deus judaico-cristão.

Numa época em que existe tanta disputa sobre a compatibilidade da ciência com a religião, talvez seja uma boa ideia revisitar o pensamento desses dois grandes sábios.

No epílogo da edição de 1713 de sua obra prima "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural" (1686), Newton escreve que o seu Deus (cristão, claro) era o senhor do Cosmo e que deveria ser adorado por estar em toda a parte, por ser o "Governante Universal". Essa visão de Deus pode ser considerada panteísta, se entendermos por panteísmo a doutrina que identifica Deus com o Universo ou que identifica o Universo como sendo uma manifestação de Deus.

A visão que Einstein tinha de Deus, devidamente destituída da conotação cristã, ecoava de certa forma a de Newton. Einstein desprezava tudo o que dizia respeito à religião organizada, em particular a sua rígida hierarquia e ortodoxia.

Para ele, um Deus que se preocupava com o destino individual dos homens não fazia sentido. Sua visão era bem mais abstrata, baseada nos ensinamentos do filósofo Baruch Spinoza, que viveu no século 17.
Numa carta dirigida a Eduard Büsching, de 25 de outubro de 1929, Einstein diz: "Nós, que seguimos Spinoza, vemos a manifestação de Deus na maravilhosa ordem de tudo o que existe e na sua alma, que se revela nos homens e animais".

Em 1947, numa outra carta, Einstein escreveu: "Minha visão se aproxima da de Spinoza: admiração pela beleza do mundo e pela simplicidade lógica de sua ordem e harmonia, que podemos compreender".

Como essas posições podem ser usadas no debate sobre a compatibilidade da ciência com a religião?

De um lado, ateus radicais como Richard Dawkins, Christopher Hitchens e Sam Harris argumentam que não pode haver uma compatibilidade, que a religião é uma ilusão que precisa ser erradicada, que o sobrenatural é uma falácia.

De outro, existem vários cientistas que são pessoas religiosas e até mesmo ortodoxas, e que não veem qualquer problema em compatibilizar seu trabalho com a sua fé. O fato de existirem posições tão antagônicas reflete, antes de mais nada, a riqueza do pensamento humano. Nisso, vejo um ponto de partida para uma possível conciliação.

É verdade que o ateísmo radical está respondendo a grupos fundamentalistas que tentam evangelizar instituições públicas. "Guerra é guerra e devemos usar as mesmas armas", ouvi de amigos. Mas o pior que um fundamentalista pode fazer é transformar você nele.

Einstein e Newton encontraram Deus na Natureza e viam a ciência como uma ponte entre a mente humana e a mente divina.

Para eles, adorar a Natureza, estudá-la cientificamente, era uma atitude religiosa. Acho difícil ir contra essa posição, seja você ateu ou religioso. Religiões nascem, morrem e se transformam com o passar do tempo. Mas, enquanto existirmos como espécie, nossa íntima relação com o Cosmo permanecerá.

domingo, 6 de junho de 2010

A volta dos misteriosos neutrinos



Imagine que um sorvete de chocolate se transforme em um de baunilha: há partículas que fazem isso



NA SEMANA PASSADA, manchetes traziam novas dos fantasmagóricos neutrinos. Desta vez, as notícias vinham do experimento chamado Opera, situado na montanha de Gran Sasso, na Itália. Cientistas anunciaram ter presenciado a mutação de um neutrino do tipo múon em outro do tipo tau. Esta afirmação um tanto misteriosa pode abrir uma nova janela para o Universo.

Neutrinos têm uma história cercada de mistério. Sua existência foi prevista pelo físico Wolfgang Pauli em 1930 para solucionar um grave problema: experimentos com núcleos radioativos que emitiam elétrons pareciam ter energia faltando. E nada é mais sagrado em física do que a lei de conservação de energia.

O italiano Enrico Fermi sugeriu o nome de neutrino, "picollo neutrone", para a nova partícula que, segundo a teoria, não deveria ter carga elétrica ou massa. Devido à ausência de carga e massa, não é nada fácil detectar neutrinos. De fato, foram descobertos apenas em 1956, 26 anos após a previsão de Pauli.

Mas as coisas não eram assim tão simples. Entre a década de 1960 e 2000, mais uma vez neutrinos causavam confusão. A estória começa no coração do Sol, onde neutrinos são produzidos em profusão a cada vez que processos nucleares fundem núcleos de hidrogênio (i.e., prótons) em núcleos de hélio. Nossa estrela-mãe é uma gigantesca fábrica de neutrinos. A cada segundo, cada um de nós é bombardeado por trilhões deles. Há muitos modos de perceber nossa relação com o Sol...

O problema era que experimentos projetados para "contar" os neutrinos vindos do Sol achavam apenas um terço deles. Será que as teorias de como o Sol brilha estavam erradas? Ou eram os experimentos? Ray Davis, físico experimental, insistia que tudo estava certo. John Bahcal, teórico, também não via erros em sua teoria. Com o tempo, ficou claro que os experimentos estavam certos. O problema, outra vez, eram os neutrinos e seu comportamento bizarro.

Imagine que o sabor de seu sorvete possa mudar de morango para baunilha ou chocolate. Os neutrinos são assim. Eles vêm em três "sabores": o neutrino do elétron, o do múon e o do tau. Múons e taus são partículas similares ao elétron, mas mais pesadas. O interessante é que essa metamorfose só pode ocorrer se os neutrinos têm massa! Portanto, a razão pela qual Davis achou só um terço dos neutrinos é que, do Sol até aqui, os neutrinos do elétron se transformam nos outros dois. Sua descoberta lhe rendeu um Nobel.

Isso remete ao resultado do Opera. Ao observar a metamorfose de um neutrino do múon a um neutrino do tau, físicos confirmaram que eles têm massa. Isso significa que o Modelo Padrão das partículas, repositório de tudo o que sabemos do mundo subatômico, tem de ser modificado: mais uma vez, neutrinos revelaram uma nova física, além da que conhecemos no momento. Resta saber que nova física será esta.

Com frequência na história, novos instrumentos abrem novas janelas para o cosmo, iluminando um pouco da escuridão que nos cerca.

Tal como as pequenas flutuações de energia detectadas quando neutrinos mudam de tipo, cada nova descoberta nos permite ver um pouco além. A ciência é como uma luz nas trevas, como dizia Carl Sagan.
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