domingo, 29 de abril de 2007

Cordas e partículas

Será que vamos detectar dimensões extra do espaço?

De vez em quando, leitores pedem que eu escreva sobre as supercordas, essa tentativa de construir uma teoria que unifique a matéria e as interações que definem suas propriedades. Neste ano, com a inauguração, na Suíça, de uma máquina chamada Grande Colisor de Hádrons (do inglês "Large Hadron Collider", ou LHC), as supercordas poderão ter seu primeiro teste experimental, mesmo que indireto.

A expectativa é alta. Milhares de artigos (talvez dezenas de milhares) foram escritos nas últimas duas décadas sobre as supercordas e suas várias implicações.Carreiras inteiras vêm sendo dedicadas à construção da teoria. Mesmo que nada seja encontrado no LHC, a teoria continuará viva, na prática.

Mas a ausência de qualquer sinal não será vista com bons olhos pela maioria dos físicos. Afinal, a física é uma ciência empírica, que depende da validação de suas teorias por experimentos. A teoria de cordas é uma tentativa de resolver um dos dilemas mais fundamentais da física: a incompatibilidade entre a mecânica quântica, que descreve o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas, como elétrons e quarks, com a teoria de Einstein para a gravidade, a chamada teoria da relatividade geral.

À primeira vista, a incompatibilidade das duas não é surpreendente. Afinal de contas, uma delas lida com o mundo do muito pequeno, enquanto a outra lida com o do muito grande, como estrelas e a expansão do Universo. Porém, uma das conseqüências da expansão cósmica é que o Universo, na sua infância, era muito menor do que é hoje.

Tão menor que suas propriedades devem poder ser descritas pela física das partículas. O problema é que, ao aplicarmos a teoria da relatividade geral a distâncias muito pequenas, obtemos resultados absurdos. Essencialmente, o problema vem do fato de a força gravitacional cair com o quadrado da distância.

Quando essa distância vai a zero, a força vai a infinito. O que fazer? Entram as supercordas. A idéia é que as entidades fundamentais da matéria não são partículas pontuais mas vibrações de tubos de energia, as cordas. Tal como uma corda de violão, que pode vibrar em freqüências diferentes, cada uma relacionada com uma nota musical, as diferentes vibrações das supercordas estão associadas com as partículas de matéria e suas forças. A teoria é extremamente elegante, seguindo os parâmetros geométricos da relatividade geral de Einstein e acomodando-os às leis do mundo quântico.

Vários resultados matemáticos importantes foram obtidos por físicos trabalhando com a teoria. As dificuldades começam quando aprendemos que a teoria das cordas só faz sentido quando formulada em mais de três dimensões espaciais e que demanda a existência de dezenas de partículas ainda não detectadas.

Onde estão essas dimensões invisíveis e essas partículas arredias? As dimensões podem ser tão minúsculas que jamais serão detectadas por máquinas que construirmos. Entretanto, existem versões da teoria nas quais as dimensões extra podem ter efeitos mensuráveis no LHC. Será que vamos detectar dimensões extra do espaço?

E o mesmo ocorre com as partículas extra: algumas versões da teoria prevêem a existência de partículas detectáveis no LHC.Portanto, a esperança de muitos é que alguns sinais surjam nos detectores. E se eles não surgirem? Os defensores das supercordas dirão que só com energias mais altas poderemos detectar sua existência.

Os críticos dirão que a teoria é uma fantasia metafísica que drena recursos de pesquisas mais imediatas e importantes. Como disse Heráclito, a verdadeira constituição das coisas gosta de se ocultar.

domingo, 22 de abril de 2007

A guerra dos mundos

Marte é um planeta provavelmente desprovido de vida.

Que não seja esse o nosso futuro Em 1877, o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli, aproveitando-se de uma maior proximidade do planeta Marte, fez observações detalhadas de sua superfície. Dentro dos limites de seu telescópio, Schiaparelli discerniu o que pareciam ser linhas cruzando o planeta, como se fossem estradas gigantescas.

Chamou-as de "canali", aparentemente sem a intenção de dar-lhes a conotação de canais escavados propositadamente. Mesmo assim, foi esse o sentido que ficou popular. Dezenas de astrônomos voltaram seus telescópios para Marte, na tentativa de desvendar os segredos dos misteriosos canais.

Entre eles estava o milionário americano Percival Lowell, que largou seus negócios em Boston para construir um observatório de porte numa montanha do Arizona.Em 1895, Lowell publicou um livro com suas observações. Os canais, segundo ele, estavam mesmo lá, obras de porte gigantesco, estendendo-se por milhares de quilômetros sobre a superfície marciana.

Se fossem menores não poderiam ser vistos com os telescópios da época. Lowell chegou a comparar a situação com a Terra, se observada de Marte. Nenhum traço da presença humana seria detectado. Talvez as enormes plantações de milho e trigo no oeste americano, que os marcianos veriam mudar de cor nas diferentes estações, especulou.

Segundo ele, só havia uma explicação: os marcianos, que habitavam as regiões equatoriais do planeta, estavam morrendo de sede. Os canais, obras que seriam impossíveis com a tecnologia mais avançada da época, dirigiam água das calotas polares até plantações nos trópicos. O maior canal da Terra, o canal de Suez, aberto em 1869, tinha "apenas" 163 km. Os marcianos existiam, e eram muito mais avançados do que nós.

O livro de Lowell causou sensação. Dentre os entusiasmados com a possibilidade de vida em Marte estava o escritor inglês H. G. Wells. Em 1895, Wells havia publicado seu primeiro sucesso de ficção científica, "A Máquina do Tempo". Inspirado por Lowell e pela ciência da época, em 1898 Wells publica "A Guerra dos Mundos".

O livro conta a história de uma invasão marciana. Não havia qualquer intenção de comunicação por parte deles. Eles vieram para dominar a Terra e para beber o sangue dos terrestres. Usando idéias da teoria da evolução, Wells propôs que os marcianos fossem essencialmente o nosso futuro: seres muito mais inteligentes, seus corpos sendo invólucros para seus enormes cérebros.

Os únicos membros eram tentáculos que faziam o papel dos dedos das nossas mãos. Eles haviam evoluído a tal ponto que não comiam (apenas injetavam sangue diretamente em suas veias), não dormiam e sua reprodução era assexuada. Segundo Wells, eles haviam se libertado da prisão sensorial em que vivemos, vítimas que somos de nossos desejos e das nossas sensações.

O livro faz o que é comum em ficção científica: extrapolar a ciência da época para explorar também conseqüências éticas e morais. Tanto assim que, as duas adaptações para cinema, a de 1953, dirigida por Byron Haskin e a de 2005, dirigida por Steven Spielberg, adaptam a temática do livro para a sua realidade social. A de 1953 ecoa a era atômica e a Guerra Fria. Não existe qualquer motivo senão a aniquilação dos humanos.

Na de 2005, o foco é a desintegração da família e o medo da ameaça terrorista. Os ETs não são mais de Marte, pois sabemos que de lá não poderiam vir. Os canais de Lowell eram miragens. Marte é um planeta que, ao menos hoje, é provavelmente desprovido de vida. Esperemos que não seja esse o nosso futuro. A data de hoje é propícia para refletirmos sobre isso.

domingo, 15 de abril de 2007

Sobre a Verdade

Além de toda a subjetividade humana, o que é real ou não?

O que é a verdade? O dicionário (Aurélio) nos diz que verdade é "conformidade com o real". Complicado isso, já que determinar o que é ou não "real" não é trivial. O que é real para uns, por exemplo, anjos, fadas e duendes, pode não ser para outros.

Segundo essa definição, para determinaram o que é verdadeiro temos que conhecer bem a realidade.E como fazer isso? Como distinguir, além da subjetividade humana, o que é real ou não? Esse é o problema, separar fato de opinião, o que é real "de verdade" do que é apenas fruto de uma visão pessoal ou de crenças de um grupo de pessoas.

Se tudo o que fazemos está ligado de um modo ou outro a quem somos, como, então, definir o que é verdade? Uma possibilidade é estabelecer categorias de verdade. No topo, ficam as verdades absolutas, que transcendem o elemento humano. Elas independem de opinião, de afiliação partidária, de religião, de contexto histórico ou de geografia.

São as verdades matemáticas, as que podem ser afirmadas categoricamente, como por exemplo: 2+2=4. Essa afirmação, uma vez compreendidos os símbolos, é tida como verdadeira. Ela é verdadeira para nós, para os monges de um monastério no Tibet, para sacerdotes egípcios que viveram há quatro mil anos, ou para supostas inteligências alienígenas que existam pelo cosmo afora.

Como esta, existem muitas outras, baseadas em asserções matemáticas que dependem da percepção de objetos no mundo. Se vemos uma pedra podemos associar uma unidade a ela ("uma" pedra). Se vemos uma podemos ver mais de uma e, com isso, construir uma aritmética. São muito úteis essas verdades matemáticas, mas menos interessantes.

Não que a matemática pura seja pouco interessante, pelo contrário. Existem complicações mesmo nela, inclusive ao nível mais elementar, algo que podemos tratar num outro domingo. Mas por serem verdades absolutas e, portanto, longe da confusa realidade humana, não dão muito espaço para a polêmica. A coisa fica complicada quando se discute, por exemplo, a realidade física. O Universo, ou melhor, nossa concepção dele, mudou muito nos últimos 500 anos. Para uma pessoa da Renascença, antes de Nicolau Copérnico (1473-1543), o cosmo era finito, com a Terra imóvel no centro.

O céu, a morada de Deus, ficava além da esfera das estrelas fixas. Era ela que marcava o fim do espaço. Após Copérnico e, principalmente, após Johannes Kepler (1571-1630) e Galileu Galilei (1564-1642) nas primeiras décadas do século 17, o Sol passou a ser o centro do cosmo e a Terra um mero planeta.

O que era "verdade" para alguém de 1520 não era para alguém de 1650. E o universo em que vivemos hoje, gigantesco, com centenas de bilhões de galáxias se afastando uma das outras, é completamente diferente do de uma pessoa de 1650. Qual dessas várias cosmologias é verdadeira? Todas e nenhuma delas.

Se definimos como verdade o que construímos com o conhecimento científico que detemos num determinado momento, todas essas versões são verdadeiras. Mas nenhuma delas é a verdade. Dado que jamais poderemos medir com absoluta precisão todas as facetas do cosmo e da Natureza, é essencialmente impossível obter uma versão absoluta do que seja a realidade física.

Consequentemente, a ciência jamais poderá encontrar a verdade. O que podemos fazer - e o fazemos maravilhosamente bem - é usar nossa razão e nossos instrumentos para nos aproximar cada vez mais dessa verdade intangível. É essa limitação que enobrece a ciência, dando-lhe sua dimensão humana.

domingo, 8 de abril de 2007

O sonho de Kepler


Cientista foi autor do primeiro conto de ficção sobre extraterrestres

Em ciência, existem alguns casos famosos de sonhos que inspiraram grandes descobertas. Um deles foi o do químico alemão August Kekulé. Após anos tentando desvendar a estrutura do benzeno, Kekulé, em um devaneio diurno, visualizou uma serpente mordendo o próprio rabo, como no símbolo do Ourobouros. Daí deduziu que o benzeno tivesse a estrutura de um "anel" com seis átomos de carbono.

Einstein também inspirou-se em fantasias diurnas para criar suas teorias ousadas. Numa delas, imaginou-se cavalgando ao lado de uma onda de luz. Note que esses "sonhos" não eram do tipo noturno, mas visões alegóricas que ocorriam durante o dia.Outros cientistas e filósofos usaram alegorias para polemizar ou para atingir uma faixa maior da população, não especializada nas suas disciplinas. Dessas alegorias, talvez a primeira delas, seja o "Sonho", de Johannes Kepler, publicado postumamente em 1634.

Como os leitores do meu romance "A Harmonia do Mundo" sabem, para mim Kepler é um dos personagens mais relevantes e fascinantes da história da ciência, arquiteto, junto com Galileu Galilei e, posteriormente, Isaac Newton, da grande revolução copernicana que, no final da Renascença, redefiniu a visão de mundo da sociedade européia. "Sonho" é um conto de ficção científica -que eu saiba, o primeiro a tratar da possibilidade de vida extraterrestre. No caso, Kepler usou a Lua como cenário.

Como afirmou nas amplas notas que acompanham o conto, seu objetivo foi usar o movimento da Lua como argumento em favor do movimento da Terra. Para tal, Kepler usou a astronomia da época com tremenda coragem intelectual, proclamando que a Lua era muito mais parecida com a Terra do que os filósofos e a Igreja pregavam. Nosso satélite não era feito de éter e sim de pedra, e tinha crateras e montanhas como a Terra.

Kepler adicionou também rios, mares e lagos, onde as criaturas lunares nadavam. Ele imaginava esses seres como sendo inteligentes, capazes, por exemplo, de construir barcos tal como nós aqui na Terra. Existem duas raças de seres, os Subvolvanos e os Privolvanos. (Os nomes são inspirados pelo fato de esses seres verem a Terra revolver nos céus.) Os Privolvanos habitam as regiões do lado oculto da Lua e nunca vêem a Terra.

Suas noites são escuras e frias. Seus dias muito quentes. Já os Subvolvanos estão sempre de frente para a Terra. Suas noites são claras, já que, para eles, a Terra tem o tamanho de 15 luas para nós. Um dia e uma noite para as criaturas da Lua equivalem a um mês terrestre. Kepler cria uma realidade mágica para justificar sua viagem até a Lua.

Influenciado pela mãe, que quase foi queimada na fogueira acusada de bruxarias, conjurou espíritos das sombras capazes de transportar seres humanos pelo espaço. O conto é uma homenagem à sua mãe e à sua crença em uma realidade paralela àquela explicada pela ciência. Mas se a fórmula para se chegar à Lua era mágica e sobrenatural, a análise da astronomia sob o ponto de vista dos seres lunares é firmemente baseada em cálculos e observações.

Outros seres espalhados pelo espaço terão visões diferentes do céu; não somos os únicos a olhar para a noite e a medir o cosmo. Na descrição das criaturas, Kepler chega a mencionar seres "monstruosos e gigantescos", "esponjosos e porosos", formas de vida adaptadas à realidade lunar, completamente diferentes das encontradas aqui.

Ou seja, 250 anos antes de Wallace e Darwin, Kepler antevê que a vida se adapta às condições locais, a semente da idéia da evolução por seleção natural. Nada mal para um mero "sonho".

domingo, 1 de abril de 2007

O truque dos neutrinos

Você é atravessado por trilhões dessas partículas-fantasmas a cada segundo

Durante anos, o físico Ray Davis insistia, contra tudo e todos, que algo estava errado com o Sol. Seu experimento, desenhado para contar quantos neutrinos eram emitidos pelo astro, discordava da previsão dos modelos que descreviam como o Sol produzia sua energia. Ninguém acreditava em Davis, afirmando que seu experimento não poderia estar certo.

Contar neutrinos individualmente, como se fossem bolinhas de gude, não era possível, ao menos não quando eram tão poucos. Essencialmente, o Sol é uma gigantesca usina nuclear. A energia que produz a radiação que nos aquece e que ilumina nossos dias vem da fusão de hidrogênio em hélio na sua região central, o mesmo processo que ocorre na detonação de uma bomba de hidrogênio. Os neutrinos são produtos dessa fusão, transportando energia para fora do Sol.

Eles podem fazer isso devido às sua propriedades extremamente bizarras: neutrinos são conhecidos como partículas-fantasmas, raramente interagindo com outras partículas de matéria. Conseqüentemente, podem atravessar paredes e mesmo planetas como se estivessem viajando pelo espaço vazio. Dia e noite, você é atravessado por vários trilhões de neutrinos por segundo.

É dessa ordem de grandeza número de grãos de areia na praia de Copacabana. Mesmo que neutrinos sejam como fantasmas, como há muitos deles saindo do Sol, de vez em quando um colide com uma partícula de matéria. Essa colisão é o cerne do experimento de Davis. A energia da colisão pode ser medida e, dela, o número de neutrinos pode ser estimado. Quando Davis comparou o resultado de seus experimentos com as previsões da teoria, notou uma discrepância grande.

Existiam apenas três explicações: ou seu experimento estava errado ou o modelo que explica a geração de energia do Sol estava errado -ou os neutrinos são ainda mais estranhos do que imaginávamos. Os astrofísicos insistiam que os modelos estavam certos. Davis insistia que seu experimento estava certo.

Foi então que uma explicação foi proposta, explorando uma possibilidade bizarra até mesmo para os neutrinos. A física de partículas havia determinado que existem três tipos de neutrinos. Os produzidos no centro do Sol são conhecidos como neutrinos do elétron. Os outros dois são os neutrinos do múon e os do tau, partículas parecidas com o elétrons só que mais pesadas.

Os neutrinos são como Sancho Pança, sempre fiéis aos seus Quixotes (os elétrons, os múons e os taus), aparecendo em certas reações em que essas partículas surgem. Segundo essa explicação, o truque dos neutrinos é que eles são capazes de se transformar uns nos outros quando viajam longas distâncias.

Portanto, se um experimento é sensível a apenas um tipo de neutrino, ele detectará menos do que o previsto, já que alguns deles terão se transformado nos outros dois tipos durante a viagem. Foi por isso que Davis mediu menos neutrinos do que o previsto. Dito e feito: outros experimentos confirmaram que a oscilação entre os neutrinos ocorre mesmo.

No Japão, um detector de neutrinos foi construído numa mina abandonada, um tanque com 50 mil toneladas de água pura. Outros dois operam no Canadá e nos EUA. Finalmente, o truque dos neutrinos foi desvendado. Davis ganhou o Prêmio Nobel e ficou claro que entendemos como o Sol brilha. E que continuará a brilhar e a criar neutrinos por mais 5 bilhões de anos.