domingo, 8 de abril de 2007

O sonho de Kepler


Cientista foi autor do primeiro conto de ficção sobre extraterrestres

Em ciência, existem alguns casos famosos de sonhos que inspiraram grandes descobertas. Um deles foi o do químico alemão August Kekulé. Após anos tentando desvendar a estrutura do benzeno, Kekulé, em um devaneio diurno, visualizou uma serpente mordendo o próprio rabo, como no símbolo do Ourobouros. Daí deduziu que o benzeno tivesse a estrutura de um "anel" com seis átomos de carbono.

Einstein também inspirou-se em fantasias diurnas para criar suas teorias ousadas. Numa delas, imaginou-se cavalgando ao lado de uma onda de luz. Note que esses "sonhos" não eram do tipo noturno, mas visões alegóricas que ocorriam durante o dia.Outros cientistas e filósofos usaram alegorias para polemizar ou para atingir uma faixa maior da população, não especializada nas suas disciplinas. Dessas alegorias, talvez a primeira delas, seja o "Sonho", de Johannes Kepler, publicado postumamente em 1634.

Como os leitores do meu romance "A Harmonia do Mundo" sabem, para mim Kepler é um dos personagens mais relevantes e fascinantes da história da ciência, arquiteto, junto com Galileu Galilei e, posteriormente, Isaac Newton, da grande revolução copernicana que, no final da Renascença, redefiniu a visão de mundo da sociedade européia. "Sonho" é um conto de ficção científica -que eu saiba, o primeiro a tratar da possibilidade de vida extraterrestre. No caso, Kepler usou a Lua como cenário.

Como afirmou nas amplas notas que acompanham o conto, seu objetivo foi usar o movimento da Lua como argumento em favor do movimento da Terra. Para tal, Kepler usou a astronomia da época com tremenda coragem intelectual, proclamando que a Lua era muito mais parecida com a Terra do que os filósofos e a Igreja pregavam. Nosso satélite não era feito de éter e sim de pedra, e tinha crateras e montanhas como a Terra.

Kepler adicionou também rios, mares e lagos, onde as criaturas lunares nadavam. Ele imaginava esses seres como sendo inteligentes, capazes, por exemplo, de construir barcos tal como nós aqui na Terra. Existem duas raças de seres, os Subvolvanos e os Privolvanos. (Os nomes são inspirados pelo fato de esses seres verem a Terra revolver nos céus.) Os Privolvanos habitam as regiões do lado oculto da Lua e nunca vêem a Terra.

Suas noites são escuras e frias. Seus dias muito quentes. Já os Subvolvanos estão sempre de frente para a Terra. Suas noites são claras, já que, para eles, a Terra tem o tamanho de 15 luas para nós. Um dia e uma noite para as criaturas da Lua equivalem a um mês terrestre. Kepler cria uma realidade mágica para justificar sua viagem até a Lua.

Influenciado pela mãe, que quase foi queimada na fogueira acusada de bruxarias, conjurou espíritos das sombras capazes de transportar seres humanos pelo espaço. O conto é uma homenagem à sua mãe e à sua crença em uma realidade paralela àquela explicada pela ciência. Mas se a fórmula para se chegar à Lua era mágica e sobrenatural, a análise da astronomia sob o ponto de vista dos seres lunares é firmemente baseada em cálculos e observações.

Outros seres espalhados pelo espaço terão visões diferentes do céu; não somos os únicos a olhar para a noite e a medir o cosmo. Na descrição das criaturas, Kepler chega a mencionar seres "monstruosos e gigantescos", "esponjosos e porosos", formas de vida adaptadas à realidade lunar, completamente diferentes das encontradas aqui.

Ou seja, 250 anos antes de Wallace e Darwin, Kepler antevê que a vida se adapta às condições locais, a semente da idéia da evolução por seleção natural. Nada mal para um mero "sonho".

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