domingo, 18 de fevereiro de 2007

Sonhos alquímicos

É comum, em meio aos transtornos da pesquisa, nos esquecermos de por que fazemos ciência

Quando se menciona a alquimia, logo se pensa em homens místicos, de barbas longas, tentando transformar chumbo em ouro em seus laboratórios escondidos no alto de lúgubres torres medievais. Ou no famoso livro de Paulo Coelho. Não há dúvida de que a alquimia tinha mesmo um aspecto místico, dado que as transformações da matéria por meio de reações químicas eram então cercadas de mistério.

Aquilo que não se compreendia era atribuído a forças ocultas, o que, de certa forma, não era tão errado assim: as forças eram mesmo ocultas -já que nada se conhecia da estrutura das moléculas e dos átomos. Por outro lado, as práticas alquímicas foram fundamentais para o desenvolvimento posterior da química, algo que não deve ser ignorado.Foram os filósofos pré-socráticos que, ao indagarem qual era a composição material do mundo, inauguraram a tradição científica.

Mesmo que os gregos não tenham desenvolvido o método de validação empírica que caracteriza a ciência, ou seja, mesmo que não tenham feito experimentos para comprovar suas hipóteses, foram eles que lançaram as bases racionais para a compreensão do mundo natural. A idéia de Leucipo e Demócrito de que tudo é composto de átomos está conosco até hoje, mesmo que os átomos modernos sejam bem diferentes do ideal grego.

Ainda mais fundamental é a noção de que a natureza está sempre em transformação e que essas transformações ocorrem devido a agentes que podem ser manipulados pelo homem: o fogo, por exemplo, é o agente transformador mais usado na antigüidade, para forjar espadas e escudos ou ferramentas diversas.

Os alquimistas também vão usar os poderes transformadores do fogo na sua busca pela purificação gradual dos metais em direção ao mais puro deles, o ouro. A tradição alquímica na Europa surgiu nos séculos 12 e 13, inspirada pelos textos de alquimistas muçulmanos escritos alguns séculos antes, especialmente os de Jabir Ibn Hayian, ou Geber.

Influenciado por Aristóteles, Geber dizia que as misturas dos quatro elementos (terra, água, ar e fogo) não são permanentes. Isso porque os elementos têm propriedades em comum: a água é fria e úmida, a terra é fria e seca. Tirar umidade da água gera gelo, que é frio e seco e, portanto, tem mais terra. Do mesmo modo, deveria ser possível transformar diferentes materiais entre si.

Para obter ouro, Geber propôs uma combinação inicial de enxofre (seco e quente) e mercúrio (úmido e frio) que, contendo todos os elementos e suas propriedades, poderia em princípio gerar qualquer outro. O ato de transformar metais em ouro, a Obra Magna, necessitava da "pedra filosofal", o catalisador essencial.

O problema era encontrá-la. Existiam também influências astrológicas que determinavam o possível sucesso das operações. O alquimista não era apenas o agente inerte de transformações materiais; ele mesmo se transformava espiritualmente através da sua prática, purificando-se à medida que se aproximava de seu objetivo.

A simbologia alquímica, carregada de misticismo e ocultismo, criava uma linguagem pré-científica que integrava o homem ao cosmos, a purificação dos metais levando à purificação da alma. Existe algo de muito belo nessa imagem em que a prática da ciência tem um significado que vai além do simplesmente material.

É comum, em meio aos desafios e transtornos da pesquisa, nos esquecermos de por que fazemos ciência, das motivações que levam alguém a dedicar a vida à pesquisa e ao ensino. Em momentos difíceis, penso no alquimista em seu laboratório, buscando por uma verdade que parece sempre mais perto, jamais aceitando que ela é inatingível em sua totalidade.

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