domingo, 25 de novembro de 2001

Toda singularidade nua será castigada

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Quando Einstein terminou a formulação de sua teoria da relatividade geral, em 1916, ele mal podia imaginar que os buracos negros levariam as suas idéias a ter consequências que ele mesmo não iria gostar. Segundo Einstein, a presença de uma massa (ou de energia, já que matéria e energia podem ser entendidas conjuntamente) curva o espaço à sua volta e afeta também a passagem do tempo. Ou seja, o que seria uma linha reta a uma grande distância da massa vira uma linha curva perto dela. Já um relógio bate mais devagar na vizinhança de uma massa, quando visto por um observador longe dela.

Esses efeitos espaço-temporais são extremamente pequenos para massas comuns, como uma pessoa ou mesmo uma montanha. Mas quando lidamos com objetos astronômicos, como o Sol, eles se tornam mais importantes. De fato, os efeitos previstos por Einstein dependem da "densidade" do objeto, da quantidade de matéria que existe em seu volume. Por exemplo, uma pessoa com 70 quilos não tem uma densidade muito grande, mas se encolhermos essa pessoa mantendo a sua massa fixa até o tamanho de uma bola de gude, sua densidade fica muito maior. O que controla a importância dos efeitos previstos por Einstein é, em um corpo esférico, a razão da massa do corpo (M) pelo seu raio (R), M/R.

Como a gravidade é atrativa, se ela atuasse sozinha, todos os objetos tenderiam a encolher até um ponto com densidade infinita. Como nós não somos pontos com densidade infinita, sabemos que existem outras forças na natureza contrabalançando a atração gravitacional, dando estabilidade aos objetos do mundo. Por exemplo, uma estrela existe por causa do equilíbrio entre a atração gravitacional, que tende a fazer com que a estrela encolha, e a produção de radiação em seu interior através da fusão nuclear de hidrogênio em hélio. Essa fusão do elemento químico mais leve (hidrogênio) no segundo elemento mais leve é que produz a energia capaz de balancear a estrela. No caso do Sol, a fusão continua sem problemas durante 10 bilhões de anos (estamos na metade do ciclo). Depois disso, a gravidade fará com que o Sol encolha até ele encontrar um novo estado de equilíbrio em forma de "anã branca", uma estrela tão densa que uma bola de gude feita de seu material teria o mesmo peso que a Torre Eiffel.

Mas o Sol é uma estrela pequena. Estrelas bem maiores não têm a mesma sorte e continuam a encolher devido à sua própria gravidade, sem encontrar um novo estado de equilíbrio. Nesse caso, como a sua massa permanece aproximadamente constante e o seu raio diminui cada vez mais, como um balão sendo comprimido, os efeitos gravitacionais (M/R) crescem cada vez e as correções previstas por Einstein eventualmente passam a ser importantes. O trágico é que, como nada pode deter esse colapso, a gravidade da estrela vai encurvando o espaço cada vez mais até que ele efetivamente se fecha sobre si mesmo: não podemos ver o que está ocorrendo dentro dele, já que nenhuma informação pode escapar de dentro para fora, nem mesmo a luz. Assim nasce um buraco negro, uma espécie de véu separando o nosso mundo do mundo encurvado sobre si mesmo circundando os restos da estrela.

Das inúmeras questões que surgem com relação aos buracos negros, uma das mais interessantes é o que acontece no seu centro. Segundo as leis da relatividade geral, no centro existe uma "singularidade" espaço-temporal, um ponto onde a gravidade é infinita. Em física, essas singularidades apontam para os limites de uma teoria; a relatividade de Einstein não pode descrever o que ocorre no centro de um buraco negro. A distâncias muito pequenas precisamos também usar a mecânica quântica, que estuda a física atômica e subatômica. O problema é que não sabemos como casar as duas teorias, a gravidade e a mecânica quântica. E o mais chocante é que a mecânica quântica prevê que o buraco negro evapora aos poucos, ficando cada vez menor, até que apenas o seu centro absurdo nos seja revelado! Essa possibilidade causa pesadelos aos físicos, que conjecturam que essa "singularidade nua" não pode ser revelada. O termo "censura cósmica" foi criado, supondo que algo ocorrerá antes de vermos a singularidade nua, mantendo a moralidade cósmica. As leis da física não se quebram, apenas o nosso conhecimento. É possível que a singularidade não exista e que os buracos negros tenham um fim bem mais discreto do que nos revelar a sua nudez. Talvez tudo se resolva quando casarmos as duas teorias. Mas esse casamento está muito difícil de ser arranjado.

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