domingo, 16 de dezembro de 2001

O misterioso spin e as limitações da linguagem

.
Em inglês, a palavra "spin" significa, entre outras coisas, movimento rotatório. Em física, usamos a palavra para designar a rotação intrínseca de partículas subatômicas, como o elétron, o próton etc. Essa representação do spin como uma rotação intrínseca de uma partícula é extremamente problemática, pois ela pressupõe que a partícula gira em torno de um eixo, como um pião ou um planeta. "E qual o problema com isso?", perguntaria o leitor. "Afinal, não podemos imaginar as partículas como sendo planetas minúsculos, girando em torno de um eixo?" Infelizmente, não.

Eis duas razões: primeiro, algumas partículas, ao menos dentro das distâncias com que podemos estudá-las hoje (em torno de um milésimo de trilionésimo de centímetro), não têm uma estrutura espacial, aparecendo como um ponto. O elétron, que gira em torno do núcleo, é um exemplo. Como visualizar o movimento giratório de um ponto, que não tem volume espacial? Segundo, todas as partículas respeitam o que na mecânica quântica, a parte da física que estuda as propriedades dos átomos e das partículas subatômicas, é conhecido como a dualidade onda-partícula. De acordo com essa dualidade, não podemos dizer a priori se uma entidade subatômica, seja ela um elétron, um próton ou um fóton (partículas que compõem a radiação eletromagnética, como a luz visível), é uma partícula localizada em um ponto ou uma pequena região do espaço ou uma onda, espalhada pelo espaço. E como podemos visualizar a rotação intrínseca de uma onda, o seu spin? Essas questões fazem com que o spin seja uma das propriedades mais misteriosas da física quântica.

Na verdade, o problema desaparece ao usarmos a matemática para descrever as propriedades dos átomos e das partículas subatômicas. O mundo do muito pequeno pertence a uma realidade física muito distinta da que presenciamos em nosso cotidiano, tornando delicado o uso de certas analogias tiradas de objetos usuais, como piões e planetas. O espanto causado pelas descobertas da mecânica quântica não foi nada menor para os seus próprios inventores, durante as três primeiras décadas do século 20.

O desenvolvimento da teoria foi quase que forçado goela abaixo por descobertas que ocorreram em laboratório e que não podiam ser explicadas através da consagrada física clássica, baseada nas idéias de Newton e outros. Físicos como Albert Einstein, Niels Bohr, Max Planck, Werner Heisenberg, Erwin Schrodinger, Wolfgang Pauli e muitos outros criaram uma nova linguagem matemática, baseada em princípios físicos extremamente exóticos, para poder explicar o que se estava vendo em laboratório. E uma das coisas que se via era a existência das chamadas linhas espectrais, a radiação (às vezes visível) emitida por elementos químicos quando aquecidos. O interessante era a individualidade desses espectros, um para cada elemento, como se eles fossem impressões digitais. O hidrogênio tem o seu espectro, o hélio também, o ouro outro, e assim por diante.

Em 1913, Bohr mostrou que o espectro do hidrogênio podia ser entendido se seu átomo tivesse um próton no núcleo e um elétron girando em torno dele em órbitas separadas, como degraus de uma escada. Cada órbita tem uma energia fixa. Quando o elétron "pula" de uma órbita mais alta para uma mais baixa, ele emite radiação (fótons) revelando o seu espectro. E átomos maiores, como o hélio, com dois prótons e dois elétrons, ou o urânio, com 92 prótons? Para entender o espectro desses átomos, ficou claro que no máximo dois elétrons podiam ocupar cada órbita, tendo a mesma energia. O elétron é bastante anti-social e não gosta de companhia: dois é bom e três já é demais. Esse princípio é conhecido como princípio de exclusão de Pauli. A razão para que apenas dois elétrons ocupem a mesma órbita é atribuída ao spin, que só pode ter dois valores, positivo e negativo, como um pião, que só pode rodar nos sentidos horário e anti-horário.

Portanto, cada órbita atômica pode conter no máximo dois elétrons com spins opostos. Eis a imagem clássica dos piões de volta. A grande diferença é que um pião pode rodar com qualquer velocidade e em qualquer ângulo de inclinação com a vertical. Já a rotação do elétron é limitada a duas opções, isto é, é quantizada nos dois valores do seu spin. Temos de imaginar um "pião quântico".

A origem do spin permanece misteriosa. E o fato de ele ser "quantizado" também. Esse exemplo mostra que a ciência não precisa ter todas as respostas para ser eficiente. Ao propor a existência do spin, os físicos explicaram os resultados experimentais com grande sucesso. Possivelmente, um dia será a vez do spin.

Nenhum comentário:

Postar um comentário