domingo, 7 de outubro de 2001

Os fantasmagóricos neutrinos

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Durante a década de 1930, ficou claro qual é o mecanismo responsável pela produção de energia do Sol e de outras estrelas: reações de fusão nuclear, em que núcleos mais leves são "transmutados" em outros mais pesados. Embora existam várias reações nucleares ocorrendo no interior do Sol, a mais importante é a fusão de átomos de hidrogênio, formando hélio. Um quilo de hidrogênio, quando fundido em hélio, produz energia para alimentar uma lâmpada de 100 watts por 1 milhão de anos. O Sol funde 300 milhões de toneladas de hidrogênio em hélio por segundo.

Um dos subprodutos do processo de fusão no Sol é uma partícula muito peculiar conhecida como neutrino. Tal como o nêutron, companheiro do próton no núcleo atômico, o neutrino não tem carga elétrica. Em contrapartida, enquanto o nêutron tem massa equivalente a 2.000 elétrons, o neutrino não tem massa. Pelo menos, assim dizia a teoria que descreve as partículas elementares da matéria e suas interações, o Modelo Padrão.

A combinação das ausências de carga e de massa faz com que o neutrino interaja apenas raramente com outras partículas, sendo capaz de atravessar paredes de chumbo de quilômetros de espessura sem uma única colisão. Daí o nome "partícula fantasma". No entanto, de uns anos para cá, várias descobertas vêm demolindo a visão simplista dos neutrinos.

Para começar, não existe apenas uma espécie de neutrino, mas três. Cada um está associado a uma partícula da família dos léptons, que inclui o elétron, o múon e o tau. Dizemos, então, que existem seis léptons fundamentais, que incluem o elétron-neutrino, o múon-neutrino e o tau-neutrino. Segundo o Modelo Padrão, nenhum dos três tipos tem massa.

O problema é que, caso isso seja verdade, nossas teorias sobre como brilha o Sol estão profundamente equivocadas. Desde os anos 60, experimentos vêm detectando o número de neutrinos provenientes do interior do Sol que viajam até a Terra. E o número de neutrinos detectados aqui é bem menor do que aquele previsto pela teoria. Portanto, das duas uma: ou nossas teorias sobre a fusão nuclear no Sol estão erradas, ou devemos modificar nossas idéias sobre neutrinos.

Uma das explicações propostas para justificar o déficit de neutrinos supõe que, durante sua longa viagem até aqui (150 milhões de quilômetros), eles possam transmutar-se uns nos outros: um elétron-neutrino poderia se transformar em um múon-neutrino, ou em um tau-neutrino etc. Até 1999, ficava difícil testar o efeito diretamente através dos neutrinos solares, embora já houvesse evidência sugerindo que o efeito é verdadeiro.

A situação mudou com a construção do Observatório de Neutrinos de Sudbury (SNO), situado a 2.000 metros de profundidade numa mina de níquel ainda ativa em Ontário, no Canadá. É interessante que o nome dessa instalação seja "observatório", mesmo sendo subterrânea. Mas esse é o único modo de isolar as colisões causadas por neutrinos que atravessam a Terra sem problemas de outras partículas que poderiam mascarar o seu sinal. E não devemos esquecer que as partículas estão vindo do Sol.

Os resultados das observações realizadas em Sudbury oferecem a primeira confirmação direta do fenômeno da oscilação dos neutrinos provenientes do Sol. Os resultados foram obtidos comparando dois experimentos, um sensível apenas ao elétron-neutrino e o outro sensível a todos os tipos de neutrino. Mostrou-se que o número de elétron-neutrinos detectados em um intervalo de tempo fixo é menor do que o número incluindo todos os tipos.

A conclusão é que as oscilações estão mesmo ocorrendo entre o Sol e a Terra, diminuindo o número de elétron-neutrinos detectados. O interessante é que a oscilação só é possível se os neutrinos tiverem massa. Caso os resultados sejam confirmados (o que é muito provável), teremos de rever o Modelo Padrão e o seu tratamento dos três neutrinos.

Esse resultado é um excelente exemplo de como funciona a ciência. Teorias são construídas com base em certas suposições que devem ser passíveis de confirmação ou refutação experimental. São os experimentos que têm a última palavra, não as teorias, por mais elegantes que elas sejam. Ao cientista cabe a humildade de aceitar a limitação de suas teorias e hipóteses, perante a criatividade da natureza. E o orgulho de poder decifrá-la, mesmo que através de caminhos tortuosos.

Um comentário:

  1. que lindo este texto...

    não tem jeito: sempre vejo um pouco de religiosidade neste raciocinio e final contemplação do universo ao nosso redor...

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