domingo, 14 de outubro de 2001

Energia, transformação e poesia

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Poucos conceitos na ciência, ou talvez nenhum, são tão importantes e tão pouco compreendidos quanto o conceito de energia. Afinal, nos referimos a energia a todo momento: "Ai, subir essa escada vai gastar toda a minha energia", ou "Olha a conta de luz do mês! Temos de parar de gastar tanta energia", ou "Essa crise de energia ainda vai piorar" e assim por diante. Afinal, o que é energia?

Energia não é uma substância, não é visível ou invisível. A definição que eu considero mais adequada é que energia é uma medida de transformação, que pode ser aplicada ao movimento, à luz, ao som, ao magnetismo, às reações químicas (como a digestão de alimentos ou a queima de gasolina), enfim, a qualquer processo natural que envolva alguma mudança ou a possibilidade de uma mudança. O leitor deve estar se perguntando: "Como assim, possibilidade de mudança? Você não acabou de dizer que energia é uma medida de transformação?". Pois é, de transformação ou da possibilidade de transformação. Como exemplo, imagine que você esteja segurando uma pedra a uma certa altura do chão. Se você largar a pedra ela cairá, até chocar-se com o chão.

Em física, essa "potencialidade" de a pedra cair é atribuída à sua energia potencial gravitacional, que aumenta com a altura: quanto mais no alto está a pedra, maior a sua energia potencial gravitacional. A transformação aqui é de energia potencial gravitacional em energia cinética, a energia de movimento. Portanto, quanto mais alta a pedra estiver, maior será a sua velocidade ao se chocar com o solo, já que uma quantidade maior de energia potencial foi transformada em energia cinética.

Durante o século 19, ficou claro que a energia tem uma propriedade fundamental: a sua conservação. Energia não pode ser criada ou destruída, apenas transformada. Em qualquer processo natural a quantidade total de energia é a mesma antes e depois, mesmo que ela tenha se transformado completamente. Voltando ao exemplo da pedra. Para que você pudesse alçar a pedra você teve de gastar energia. Essa energia vem da transformação da energia química dos alimentos que você ingeriu na energia de movimento de seus músculos. Alguma energia também é gasta devido à fricção do ar quando você movimenta a pedra e o ar em torno dela fica ligeiramente mais quente, pois a pedra força o movimento das moléculas de ar à sua volta. Aqui, há uma outra forma de energia se manifestando, o calor, medido por meio do movimento das moléculas de ar. Quanto maior sua velocidade, maior sua energia térmica, maior sua temperatura.

Portanto, o simples alçar de uma pedra envolve a transformação de energia química proveniente de alimentos em energia térmica e potencial gravitacional. Essa visão de perpétua transformação na natureza é, a meu ver, profundamente bela. Tudo o que observamos e mesmo o que é invisível aos nossos olhos e sentidos reflete, de alguma forma, uma transformação de energia. A luz e o calor que vêm do Sol são provenientes da transformação de matéria em energia devido a reações nucleares que ocorrem em seu interior. O nosso cérebro funciona devido à constante transformação de energia química em impulsos nervosos que transcorrem entre neurônios e sinapses. Terremotos ocorrem devido à liberação da tensão acumulada em pontos de contato de placas tectônicas. Na energia temos um método quantitativo para medir as transformações que ocorrem na natureza com enorme precisão, traduzindo o seu dinamismo em uma linguagem que somos capazes de entender e admirar.

Existem aqueles que acham que, ao quantificar a natureza em suas fórmulas e experimentos, os cientistas tiram tudo o que ela tem de belo. Esse tipo de atitude me lembra a postura dos poetas românticos do início do século 19, como o inglês Wordsworth, que respondiam com frustração aos avanços da ciência quantitativa.

Erraram os poetas e os cientistas. Os poetas por não entender a poesia que existe na descrição quantitativa do mundo natural e os cientistas por perderem de vista essa poesia, de tão imersos que estavam em suas fórmulas e números. Essa rixa aumentou o golfo entre as duas culturas, afastando-as cada vez mais, conforme argumentou em 1959 o escritor e físico inglês C.P. Snow. Talvez, ao reconhecermos a beleza da descrição científica do mundo, possamos reaproximar essas duas culturas, sem ter de gastar muita energia.

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