domingo, 21 de outubro de 2001

O nascimento das galáxias

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Ao acompanharmos a evolução do pensamento astronômico, percebemos que, quanto mais aprendemos sobre o Universo, mais insignificante parece ser nossa posição nele. Se, na Antiguidade, a Terra era o centro do cosmos, a revolução copernicana dos séculos 16 e 17 mostrou que o Sol era o centro. No início do século 20, acreditava-se que a nossa galáxia, a Via Láctea, fosse o centro do cosmos, o Sol sendo apenas uma entre bilhões de estrelas. Em 1924, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble mostrou que a Via Láctea era apenas uma entre bilhões de outras galáxias e que ela certamente não era o centro do Universo.

Em 400 anos, passamos do centro ao subúrbio do cosmos. Com o desenvolvimento da cosmologia moderna, ficou claro que o próprio conceito de "centro do Universo" não faz sentido: o Universo, tal como a superfície de uma bola ou uma mesa que se estende ao infinito em todas as direções, não tem um centro.

Nos anos 80, a humilhação continuou. Descobriu-se que nem mesmo a matéria que compõe as estrelas, os planetas e os seres vivos, feita de átomos com prótons e nêutrons no núcleo e elétrons à sua volta, é importante dentro do quadro cósmico. O Universo contém em torno de dez vezes mais "matéria escura" do que matéria convencional.

Ainda não se sabe ao certo o que é essa matéria escura. Como ela não produz radiação (daí ser chamada de "escura"), sabemos de sua presença apenas por sua interação gravitacional com a matéria comum, isto é, ao medirmos o efeito de sua massa em aglomerados de matéria comum, como as galáxias com suas estrelas e nuvens de gás.
Galáxias existem dentro de nuvens relativamente esféricas de matéria escura, que se estendem por distâncias muito maiores do que o diâmetro da galáxia. Aliás, ainda não está claro exatamente onde terminam esses "halos" de matéria escura. Alguns pesquisadores sugerem que possam estender-se até tocar os halos de galáxias vizinhas, como se fossem imensas teias de matéria invisível permeando o cosmos.

Essa parceria entre a matéria escura e a matéria comum não é acidental, mas, na realidade, é uma consequência do processo de formação das galáxias, que ocorreu principalmente durante os primeiros bilhões de anos após o Big Bang, o evento que marcou o início da expansão do nosso Universo.

Existem ao menos três ingredientes básicos para criar uma galáxia: matéria ordinária, na proporção inicial de três átomos de hidrogênio para um de hélio; uma quantidade em torno de dez vezes maior de matéria escura; e pequenas flutuações de energia, que induzam o processo de aglomeração gravitacional da matéria escura.
A origem dessas flutuações é assunto para outra coluna. Vamos apenas supor que elas existem e que foram criadas durante a infância mais tenra do Universo. Sua função é aumentar, por meio da força gravitacional, a concentração de matéria escura em certas regiões do espaço.

E por que apenas a matéria escura se concentra sob a ação gravitacional dessas flutuações de energia? A matéria normal também sofre essa ação. Mas, para que partículas de matéria ordinária ou escura possam se concentrar em um volume menor, elas têm de perder energia. (Imagine um grupo de camundongos em um saco: quanto mais agitados os camundongos, maior o volume do saco.)
Durante os primeiros 300 mil anos de existência do Universo, porém, as partículas de matéria ordinária interagiam tão furiosamente com as partículas de radiação eletromagnética, os fótons, que era impossível que elas perdessem energia suficiente para "cair" nos poços gravitacionais criados pelas flutuações de energia. Aliás, nem mesmo átomos podiam existir sob essas condições.

Como as partículas de matéria escura por definição não interagem com a radiação, elas puderam se aglomerar mais cedo, criando poços gravitacionais ainda maiores. Passados cerca de 300 mil anos, a expansão cósmica resfriou a radiação a ponto de permitir que os átomos de hidrogênio e hélio fossem formados. Com isso, eles começaram a sentir a presença dos aglomerados de matéria escura, que "caíam" em seu interior como água numa cachoeira.

Essas nuvens de gás se contraíram cada vez mais, devido à sua própria gravidade, até que, em pequenas regiões, o aumento da temperatura propiciou a formação das primeiras estrelas, que viveram apenas dezenas ou centenas de milhões de anos. Nosso Sol pertence a uma geração de estrelas bem posterior a essas. Sua existência (e a nossa) se deve a essa conspiração gravitacional entre a matéria ordinária e a matéria escura.

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