domingo, 3 de fevereiro de 2008

A infernal estrela-d'alva


Estudar o horrendo efeito estufa em Vênus poderá ser útil

Nada mais poético do que a visão da estrela-d'alva, brilhando ao pôr-do-sol feito um diamante nos céus. Quantos poemas e canções já não foram inspirados por esse emblema de beleza e pureza? É irônico que a nossa deusa da beleza, a Vênus celeste, seja, na realidade, um planeta verdadeiramente infernal.

O segundo planeta a partir do Sol - também o mais próximo da Terra- tem uma atmosfera composta principalmente de gás carbônico (96,5%) e nitrogênio, com praticamente nada de oxigênio. Nuvens de ácido sulfúrico flutuam a grandes altitudes. O planeta já foi comparado a uma panela de pressão: a temperatura na superfície é, em média, de 500 C; a atmosfera é tão densa que é impossível visualizar sua superfície de longe, como fazemos com a Lua ou Mercúrio. O único jeito é ir até lá, o que não é fácil.

Um dos mistérios com relação a Vênus é a ausência de água. Claro, com temperaturas de 500 C qualquer água na superfície teria evaporado.

Mas deveria ser encontrada ainda na atmosfera, em forma de vapor. Talvez, no passado, Vênus tenha sido um planeta diferente. Afinal, possui várias características muito semelhantes à Terra: o tamanho e a massa, por exemplo, indicando que sua composição rochosa não é muito diferente.
Carl Sagan, há muitos anos, propôs que Vênus foi vítima de um efeito estufa acelerado. Não que os incas venusianos (quem via "National Kid" quando era criança nos anos 60 e 70, coisa saudosa da minha geração, sabe do que estou falando) tenham poluído o planeta. O acúmulo de gás carbônico é que teria criado um cobertor permanente sobre o planeta, que a radiação solar e as erupções vulcânicas (Vênus talvez ainda tenha vulcões ativos) torraram ainda mais quente a atmosfera.

Os russos foram os pioneiros da exploração de Vênus. Em meados dos anos 70, duas sondas, Venera 9 e Venera 10, conseguiram enviar fotos durante uma hora, antes de seus circuitos virarem sopa metálica. Não encontraram os incas, mas encontraram rochas com pouco sinal de erosão.

Vênus é um planeta estranho: enquanto Mercúrio, Terra e Marte giram em torno de seus eixos no mesmo sentido do seu movimento em torno do Sol, Vênus gira ao contrário. Na verdade, quase não gira: seu "dia" é de 177 dias terrestres, mais da metade de seu ano, de 244 dias. A razão para essa anomalia não é conhecida; mas a conjectura é que Vênus tenha sofrido uma gigantesca colisão na infância, que alterou completamente sua rotação. Algo semelhante ao que ocorreu com a Terra e deu nascimento à Lua.

Recentemente, outra missão, desta vez da ESA (Agência Espacial Européia), aventurou-se sob as espessas nuvens de ácido de Vênus. Seu objetivo era resolver o mistério da água venusiana: se o planeta é tão parecido com a Terra, onde foi parar sua água?

A sonda encontrou evidência de que o planeta teve mais água no passado, o suficiente para cobrir sua superfície inteira com uma profundidade de 4,5 metros. (A Terra, como comparação, seria coberta por 2,8 km de água). Se essa água evaporou rapidamente, ela pode ter contribuído para o horrendo efeito estufa que domina Vênus.

Estudar o que ocorreu lá nos ajuda a evitar que algo semelhante ocorra aqui. O aquecimento de um planeta depende de vários fatores: a temperatura na superfície e suas variações, a composição de sua atmosfera, a emissão de gases e vapores de seu interior.
No mínimo, Vênus demonstra que o inferno existe, não no centro da Terra, mas nos céus.

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