domingo, 12 de dezembro de 2004

Vinte anos de supercordas

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Lembro-me como se fosse ontem. Estava no meu terceiro ano de doutorado na Inglaterra, quando meu orientador me chamou na sua sala. Achei que tinha arrumado alguma encrenca, ou errado algum cálculo. Mas meus temores eram infundados. Com seu jeito de lorde inglês, John Taylor disse: "Marcelo, a física teórica não vai mais ser a mesma. John Schwarz, do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), e Mike Green, do Queen Mary College (hoje na Universidade de Cambridge), descobriram uma teoria de supercordas consistente com a mecânica quântica. Se estiverem certos, poderemos construir uma teoria unificada de todas as forças. Eis o artigo deles. Leia-o e amanhã nos falamos."


Passadas duas décadas, as supercordas estão longe de ser uma teoria completa


A idéia de cordas não era nova. Havia sido proposta originalmente para explicar por que partículas chamadas quarks, que compõem prótons e nêutrons, jamais são vistas sozinhas, aparecendo sempre em pares ou trios: os quarks vivem nas extremidades de cordas, tubos de energia com espessura muito pequena. A aplicação de cordas na física subnuclear não funcionou. Mas a idéia era tão elegante que alguns físicos tentaram aplicá-la em outras áreas. Em 1974, Schwarz e Joel Scherk mostraram que as cordas reproduziam não só alguns aspectos da física nuclear mas, também, da gravidade. Se estivessem certos, seria possível usar as cordas para explicar as quatro forças da natureza com uma formulação única: as cordas seriam o arcabouço de uma teoria unificada de campos.

Para tal, um dos conceitos mais antigos da física, que a matéria é composta por partículas fundamentais -os "átomos"- teria de ser abandonado. Mais fundamentais do que partículas são as cordas, que vibram de diferentes modos, como cordas de violão. Assim como diferentes vibrações correspondem a sons distintos, vibrações das cordas correspondem às diferentes partículas que compõem a matéria e às forças que regem as suas interações.
Por exemplo: elétrons e quarks são vibrações de cordas. Fótons, que transmitem a força eletromagnética, e grávitons, que transmitiriam a força gravitacional, também. Portanto, partículas de matéria e de força são todas descritas por diferentes vibrações de cordas fundamentais.

Mas a teoria tinha problemas. O primeiro é que só fazia sentido em espaços com 26 dimensões. Outro, que cálculos de interações entre cordas davam resultados absurdos. Em 1984, Green e Schwarz mostraram que só quando as cordas eram imbuídas com outro conceito, o de "supersimetria", é que a teoria fazia sentido. Daí o nome "supercordas". Mas o que é supersimetria? Os dois tipos de partículas, de matéria e de força, têm propriedades muito diferentes, que causam problemas quando se calcula a probabilidade de elas interagirem. Em um mundo supersimétrico, é possível converter um tipo de partícula em outro, matéria em força e vice-versa. Green e Schwarz mostraram que supercordas dão origem a uma teoria consistente quando existem em dez dimensões (nove de espaço e uma de tempo); melhor do que 26, mas ainda mais que as quatro conhecidas.

Passados vinte anos, as supercordas estão longe de ser uma teoria completa. Não sabemos nem se elas descrevem o mundo em que vivemos. A matemática da teoria é extremamente elegante, mas ainda não foi possível mostrar como ir de dez para quatro dimensões de forma consistente. A idéia é que as dimensões extra são muito pequenas, invisíveis. Céticos dizem que isso jamais será possível, que supercordas são perda de tempo, um sonho geométrico impossível. Espero que a conclusão chegue em menos de 20 anos.

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