domingo, 1 de julho de 2007

Estranhezas quânticas


No início do século 20, a física mudou de cara, e o mundo passou a conviver com conceitos complexos como o do átomo. cem anos depois, ainda estamos aprendendo a lidar com eles

Marcelo Gleiser


As três primeiras décadas do século 20 foram intensamente dramáticas para os físicos. Uma nova visão de mundo foi essencialmente forçada garganta abaixo, causando muito rancor e confusão. Até então, físicos descreviam a realidade por meio dos conceitos da mecânica newtoniana, a chamada "física clássica". Segundo ela, o resultado de nossas medidas são independentes do observador. Acontecimentos seguem uma relação simples de causa e efeito: se chuto a bola, ela se move. Se não chuto, fica parada. Todo mundo vê a mesma coisa acontecer. Os movimentos são contínuos: quando a bola anda, traça uma linha no espaço, sua trajetória. As leis de movimento de Newton são perfeitamente adequadas para descrever esse movimento. O sucesso parecia total. Alguns físicos chegaram até a declarar que a física estava essencialmente completa.

Foi então que os problemas começaram a surgir. Uma série de experiências realizadas em laboratório geravam efeitos inexplicáveis pela física clássica. A crise era inevitável.

O culpado era o átomo, começando pelo mais simples, o de hidrogênio, com um próton no núcleo e um elétron girando à sua volta. Em 1911, Ernest Rutherford propôs que a maior parte da massa de um átomo está concentrada em seu núcleo minúsculo. As proporções eram mesmo bizarras: se você ampliar um núcleo 100 trilhões de vezes, ele fica do tamanho de uma azeitona. Agora, ponha essa azeitona no centro do gramado do Maracanã. Os elétrons estarão girando além das arquibancadas!

Segundo a física clássica, o átomo deveria ser altamente instável: os elétrons deveriam espiralar e cair sobre o núcleo. Átomos não deveriam existir. O que fazer? Foi necessário postular uma nova física, obedecendo a leis e ditando comportamentos completamente diferentes dos da física newtoniana, a física do nosso dia-a-dia. Com o passar dos anos, ficou claro que o mundo do muito pequeno não tem nada a ver com o que percebemos com os nossos sentidos. Por exemplo, o átomo não é um mini Sistema Solar, e elétrons e prótons não são bolinhas de bilhar. Na verdade, não sabemos o que são elétrons e prótons. Sabemos apenas fazer medidas e interpretar os resultados de experimentos em termos de entidades chamadas elétrons e prótons.

O conceito de trajetória, como a da bola já citada, teve de ser abandonado. Quando fazemos a medida que detecta o elétron (por meio, por exemplo, de sua carga elétrica), ele "aparece" em um determinado local. Antes de fazermos a medida, não sabemos onde está. A matemática da mecânica quântica, como ficou chamada a nova física do muito pequeno, nos permite calcular a probabilidade de encontrarmos o elétron numa determinada posição. A certeza que existia com a física clássica deixa de existir.

Ficou claro que o ato de medir interfere com o que está sendo medido. Essa "interação" entre o observador e o objeto dá vazão a inúmeras especulações - na maioria absurdas - sobre a relação entre o observador e a realidade física, exploradas com afinco e oportunismo por vários autores new age. Não há dúvida de que o mundo quântico é estranho. Mas essa estranheza é limitada a efeitos que ocorrem em dimensões minúsculas e que envolvem energias desprezíveis para processos macroscópicos complexos envolvendo humanos ou suas mentes. A passagem do quântico ao clássico, do átomo ao microscópio, literalmente destrói a possibilidade de que efeitos quânticos possam interferir no mundo clássico, o mundo onde vivemos e pensamos.

Sem dúvida, podemos melhorar nossas vidas se pensarmos positivamente sobre elas e trabalharmos com dedicação para atingir nossos objetivos e realizar nossos sonhos. Mas esse sucesso não será devido aos elétrons e aos quanta, mas ao nosso esforço pessoal de construir uma vida melhor para nós e para os que amamos.

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