domingo, 24 de junho de 2007

A emoção do não-saber

Nossa ciência, pela realidade que percebemos, é incompleta

O objetivo da física é interpretar o mundo à nossa volta. Essa afirmativa parece simples mas, quando analisada em detalhe, vê-se logo que existem várias qualificações a serem feitas.
Para começar, que mundo é esse "à nossa volta"? Essa questão está relacionada com nossa definição de realidade. Como estabelecer o que é real? Certamente, antes de querer interpretar a realidade, temos de saber o que estamos interpretando.

Uma pedra, quando largada de uma certa altura, cai em direção ao chão. Esse é um fenômeno claro, dado que podemos ver a pedra caindo e, assim, medir seu tempo de queda, como este varia com a altura inicial da pedra, com sua velocidade inicial etc. Mas nem todos os fenômenos que ocorrem são assim tão simples.

Micróbios também estão caindo, mesmo que não possamos vê-los. O ponto aqui é que a definição de realidade, do que a física "mede", depende do que podemos ver. E o que podemos ver, por sua vez, depende dos instrumentos que usamos para ampliar nossa percepção da realidade. A conseqüência desse raciocínio é simples: jamais poderemos ter uma descrição completa da realidade, pelo simples fato que jamais poderemos "vê-la" por inteiro. Estamos condenados a uma visão míope do real.

Conseqüentemente, nossa ciência, enquanto descrição da realidade que podemos perceber, é necessariamente incompleta. Isso pode ser um choque para aqueles que acham que a ciência é dona da verdade absoluta ou que os cientistas sabem tudo. Grande ilusão. Sabemos aquilo que podemos averiguar sobre o mundo. O mundo, ou melhor, o Universo, seja ele macro ou micro, é bem mais amplo do que o que podemos medir.

Mas é justamente essa limitação que torna a pesquisa em ciência emocionante. Sabemos que um pouco além reside o desconhecido. E que esse além estará sempre lá. Estamos sempre descobrindo algo de novo, muitas vezes inesperado, sobre o mundo. Ou, se nada de novo aparece, estamos sempre aprimorando as teorias e modelos que já tínhamos, baseados em medidas melhores e mais precisas. Existe uma sinergia entre o que podemos observar e a nossa descrição da natureza.

Quanto mais poderosos nossos instrumentos, mais longe enxergamos: seja na direção de galáxias a bilhões de anos-luz de distância, seja na direção do muito pequeno, muito além do núcleo atômico. Acabo de visitar a maior máquina do mundo, o acelerador de partículas chamado LHC, do inglês "Large Hadron Collider" (Grande Colisor de Hádrons). Hádron é o nome genérico dado a partículas que interagem entre si por meio da força nuclear forte, a mesma que mantêm o núcleo atômico coeso, apesar da repulsão elétrica dos prótons. Uma colaboração de mais de 35 países, inclusive o Brasil, o LHC consiste num túnel circular de 27 km enterrado a 100 m de profundidade, perto de Genebra, na Suíça. Ele será inaugurado no ano que vem.

Sua função é acelerar prótons em direções opostas e colidi-los a velocidades próximas à da luz. Com isso, sua energia é transformada em matéria (da fórmula E=mc2), e novas partículas são forjadas. O LHC é uma espécie de microscópio gigante, o maior já construído, que permitirá uma visão totalmente nova do mundo do muito pequeno. É seguro afirmar que muitas surpresas vão ocorrer.

Conversei com o físico teórico John Ellis, que deverá visitar o Rio em agosto, sobre o experimento. "E se suas teorias estiverem erradas?" perguntei. "Ah, acho difícil", disse ele. "Mas seria fantástico! Imagine só o quanto aprenderíamos sobre o Universo."

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