domingo, 23 de novembro de 1997

O reducionismo na ciência e suas limitações

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Se conseguirmos escapar das luzes da cidade grande, em uma noite sem nuvens e sem Lua, podemos distinguir uma faixa difusa de luz se estendendo pelo céu, uma névoa que brilha por si só, decorada aqui e ali por estrelas. Essa faixa de luz, como nós sabemos, é parte da Via láctea, a galáxia onde vivemos.

Uma galáxia é um aglomerado de estrelas e gás, atraídos gravitacionalmente. Na Via láctea, existem centenas de bilhões de outras estrelas além do Sol. E no Universo, fora nossa galáxia, existem centenas de bilhões de outras galáxias, cada uma contendo desde milhões até centenas de bilhões de estrelas.

Por incrível que pareça, até o início da década de vinte nos não sabíamos ao certo se existiam outras galáxias no Universo. Astronômos debatiam se as "nebulosas" vistas com seus telescópios eram outras galáxias (conhecidas na época como "universos-ilha"), distantes da Via láctea, ou se eram apenas nuvens de gás interestelar fazendo parte da nossa galáxia.
Em 1924, o jovem astronômo americano Edwin Hubble resolveu de vez essa questão, provando que algumas nebulosas não faziam parte da Via láctea, mas eram outros "universos-ilha". O Universo se tornou muito maior do que muitos até então suspeitavam.

Mas a maior descoberta astronômica de Hubble ainda estava por vir. Entre 1929 e 1931, Hubble demonstrou conclusivamente que o Universo não só era muito maior do que se suspeitava, mas que ele era uma entidade dinâmica, em expansão.

Para demonstrar que o Universo estava em expansão, Hubble usou o chamado "efeito Doppler", proposto pelo físico austríaco Johann Christian Doppler em 1842. Nós somos muito familiares com a versão auditiva do efeito Doppler. Quando uma sirene ou uma buzina viaja em nossa direção, ouvimos seu tom sempre mais agudo do que quando a mesma sirene ou buzina está em repouso. Já quando a sirene ou buzina se afasta, ouvimos seu tom sempre mais grave.

Esse é um efeito típico da propagação de ondas. No caso da sirene ou buzina que se afastam, a distância entre duas cristas consecutivas (ou "comprimento de onda") aumenta, causando o som mais grave. É como se o movimento da fonte "esticasse" a onda. No caso contrário, quando a fonte se aproxima, o comprimento de onda diminui e ouvimos o tom mais agudo.

O mesmo efeito acontece com ondas de luz emitidas por alguma fonte, como uma estrela ou uma galáxia.

Examinando a luz emitida por várias galáxias através de um aparelho chamado espectroscópio, Hubble observou que, na sua maioria, a luz das galáxias apresentava um desvio para maiores comprimentos de onda. Como o vermelho é a cor com maior comprimento de onda, esse efeito ficou conhecido como "desvio para o vermelho".

Baseado no efeito Doppler, Hubble concluiu que as galáxias estavam se afastando de nós com velocidades proporcionais à sua distância. Portanto, uma galáxia duas vezes mais distante, se afasta duas vezes mais rápido. A expansão do Universo obedece a uma lei extremamente simples!

A noção de que o Universo está em expansão imediatamente incita uma série de perguntas. No decorrer dos próximos meses teremos a oportunidade de discutir algumas delas em detalhe. Eis aqui as cinco perguntas mais populares:

1) Se o Universo está em expansão, onde é o seu centro?
2) Se o Universo está em expansão, ele deve ter tido um começo. Nesse caso, qual é a sua idade?
3) Se o Universo está em expansão, qual é o seu tamanho?
4) Se o Universo está em expansão, será que existe um "outro" Universo lá fora?
5) Se o Universo está em expansão e portanto teve um começo, qual será seu fim?

A curiosidade da humanidade em conhecer sua origem e destino é tão antiga quanto sua história. Através do casamento da Física com a Astronomia, cosmólogos estão, pela primeira vez, conseguindo desvendar alguns desses mistérios. Mas curiosamente, outros sempre aparecem em seu lugar.

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