domingo, 16 de novembro de 1997

Um passeio pelos "mistérios" da antimatéria

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Antimatéria é um assunto que sempre desperta um certo ar de mistério, de algo "do outro mundo". O próprio nome se dá mesmo a esse tipo de especulação. Afinal, "anti" quer dizer contrário, oposto ou conflitante. A antimatéria é muito menos misteriosa que sua reputação sugere. Mas isso não significa que ela seja menos fascinante.

Antimatéria não significa o oposto de matéria. Para entendermos o seu significado, devemos estudar a constituição da matéria no nível das partículas elementares.

Em meados dos anos 20, duas novas teorias sacudiam a física: a teoria da relatividade especial de Albert Einstein e a teoria quântica, de Max Planck, Niels Bohr, Werner Heisenberg, Erwin Schrõdinger e outros. Enquanto a relatividade especial descreve o movimento de objetos a velocidades próximas à da luz, a teoria quântica trata da física do muito pequeno, descrevendo processos que ocorrem em dimensões atômicas ou ainda menores.

Uma das questões na mente de alguns físicos da época era como casar as duas teorias, ou seja, como tratar movimentos muito rápidos que ocorrem a escalas atômicas. Por exemplo, elétrons orbitando o núcleo atômico podem assumir velocidades relativísticas, onde as correções da relatividade especial são importantes no estudo de seu movimento.

Em 1929, o físico inglês Paul Dirac obteve a primeira formulação relativística da mecânica quântica. Mas ao tentar resolver a equação do movimento de um elétron, Dirac se deparou com algo inesperado: fora o elétron, sua teoria parecia descrever o movimento de outra partícula!
Após algumas interpretações errôneas, Dirac e outros compreenderam que a outra solução era na verdade uma nova partícula, com massa idêntica ao elétron, mas com carga elétrica oposta. Como o elétron tem carga negativa, sua antipartícula ficou conhecida como pósitron. No resto, o pósitron é normal.

Em pouco tempo, ficou claro que todas partículas têm suas antipartículas. O próton, por exemplo, tem seu companheiro de carga negativa, o antipróton. A união da teoria quântica com a relatividade especial demanda a existência da antimatéria! Nos anos 30 e 40, as primeiras partículas de antimatéria foram detectadas no laboratório. Elas, portanto, não existem apenas no universo matemático dos físicos teóricos.

A relação entre matéria e antimatéria é bastante dramática. Quando uma partícula de matéria se choca com uma de antimatéria, elas se desintegram em radiação eletromagnética. Suas massas são convertidas em energia eletromagnética de acordo com a famosa fórmula E=mc2.
Essa energia é carregada pelas partículas que compõem o campo eletromagnético, conhecidas como fótons, cuja existência foi proposta por Einstein em 1905. Portanto, ao colidirem, partículas de matéria e antimatéria se desintegram em fótons.

Mas o contrário também pode ocorrer: fótons podem criar pares de partículas e antipartículas. Matéria, antimatéria e fótons são parceiros de uma constante dança subatômica de criação e destruição. Essa conversão entre matéria e energia é observada rotineiramente em aceleradores de partículas, capazes de colidi-las a altíssimas energias.

"Espere um momento!", exclama o leitor atento. "Se essa desintegração entre matéria e antimatéria realmente ocorre, onde foi parar toda essa antimatéria?" Ótima pergunta! Obviamente, se estamos aqui, sabemos que pelo menos a Terra é feita de matéria. A Lua também, pois vários astronautas pousaram lá sem se desintegrar. O mesmo vale para Marte. O Sistema Solar é dominado por matéria. Nossa galáxia também. Extrapola-se que o Universo seja praticamente só matéria. Mas a razão dessa imperfeição cósmica, a qual devemos nossa existência, vai ter que ficar para outra coluna.

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