segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

O preço da imortalidade

Começo hoje fazendo uma pergunta ao leitor: se fosse possível, você viveria para sempre? Certamente, as respostas seriam variadíssimas: de "claro!" até "Deus me livre! E as pessoas à minha volta, como eu poderia suportar a morte delas?", ou, de alguém mais religioso, "serei imortal após minha morte e pretendo esperar até lá". O sonho de prolongar a vida, indefinidamente ou por um longo período, é tão antigo quanto a história da humanidade.

Até recentemente, a solução era província das religiões, que prometem uma vida eterna no paraíso (ou no inferno!) ou um retorno ao mundo como outra pessoa ou animal, dependendo de suas atividades durante a vida anterior. Além disso, temos mitos de existências sobrenaturais derivados da religião, como no caso dos vampiros, que, para viver eternamente, precisam sugar o sangue dos vivos, tornando-se tanto predadores como presas de seu destino inglório. Mas confesso que o vampirismo tem seu toque de romantismo, pelo menos na versão hollywoodiana do mito.

E se as pesquisas em biogenética desenvolvessem técnicas que, em princípio, fossem capazes de prolongar a vida, não só curando vários tipos de doenças, mas efetivamente congelando o envelhecimento do corpo humano? Parece ficção científica, mas não é. Laboratórios nos EUA e em outros países tentam isolar uma célula que tem um papel crucial no desenvolvimento dos embriões humanos, a célula-tronco. Essa célula fantástica tem o potencial de se transformar em qualquer célula do corpo humano, formando tecidos ou órgãos. Ou seja, ela carrega a informação genética que pode gerar um determinado tipo de músculo ou a pele, um rim ou um fígado, uma verdadeira fábrica de materiais de construção de seres humanos.

Claro, existem várias dificuldades técnicas, sem falar nas dificuldades éticas. Primeiro, para isolar a célula-tronco, um embrião humano tem de ser destruído, de acordo com as tecnologias atuais. A questão é, então, se a destruição de uma massa de células humanas, alguns dias após a fertilização, corresponde a um assassinato. O Congresso norte-americano, preocupado com as repercussões dessas pesquisas, proibiu entidades governamentais de financiar experiências com embriões humanos. Como resultado, o setor privado, isto é, indústrias biogenéticas com fins lucrativos, está controlando a pesquisa na área. E essas indústrias não vão revelar suas descobertas (e fracassos) ao público enquanto não obtiverem o resultado que procuram.

Após isolar a célula-tronco, a idéia é descobrir qual o mecanismo bioquímico que a induz em uma determinada direção, transformando-a em um coração, cérebro ou músculo. Se esse mesmo mecanismo for descoberto, será possível que uma pessoa doe uma amostra de seu material genético a uma empresa, que poderá então clonar qualquer órgão que essa pessoa venha a precisar no futuro. O problema com a incompatibilidade em transplantes desaparece, pois esses órgãos são essencialmente você. As pesquisas no momento usam óvulos extraídos de vacas como invólucro do DNA humano; os técnicos retiram o DNA do óvulo (ninguém quer um feto que "diz" muuu...) e injetam células humanas que são então fundidas com as da vaca por meio de correntes elétricas. A esperança é que esse processo irá induzir a divisão das células, formando um embrião que trará consigo as células-tronco.

As indústrias biogenéticas argumentam que as vantagens desse processo são muito maiores que as repercussões éticas. "O que é mais importante? A "vida" de uma massa embrionária ou de uma criança morrendo de câncer?" ou "imagine quantas espécies em extinção poderemos salvar?". Críticos afirmam que os perigos são enormes. Por exemplo, "o que acontece com uma pessoa que tem parte do cérebro regenerada? Será que ela manterá sua identidade? E como iremos sustentar tanta gente no mundo?". Isso tudo ainda está longe; mas o debate público tem de ser iniciado agora, para que a sociedade não seja a última a saber o que acontecerá com seu destino.

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