domingo, 19 de fevereiro de 2006

POR QUE GIRAFAS NÃO SÃO PRATEADAS?

Imagine uma pobre girafa prateada. Lá vai ela em meio à seca savana africana, refletindo magnificamente os raios do Sol a pino, procurando pelos ramos mais altos dos baobás que despontam em meio à planície. Obviamente, essa situação só é possível em sonhos ou videogames: uma girafa prateada acabaria seus dias jantada por leões. Talvez não vivesse nem mesmo um dia. Já os peixes oceânicos usam o prateado como camuflagem.

Seria lamentável, ao menos para o peixe, se tivesse a coloração amarelada com manchas marrons das girafas. A diversidade da vida é tão fascinante, tão espetacularmente engenhosa, que parece ser produto de um grande arquiteto. Assim se pensava até a segunda metade do século 19, quando Darwin e Wallace propuseram o mecanismo da seleção natural. A idéia, de uma ousadia intelectual como poucas na história da ciência, dizia que nenhum arquiteto era necessário: basta o acaso e o tempo.

A premissa fundamental da vida é simples: para viver, um organismo precisa de energia. Se essa energia não puder ser retirada do meio ambiente (como na maioria dos vegetais), precisa ser retirada de outros seres vivos. Portanto, viver é essencialmente procurar por alimento. Nasce aqui a polaridade da presa e do predador. Uma árvore alimenta-se da luz do Sol e dos nutrientes no solo. Parasitas alimentam-se da árvore. Insetos também, ao mesmo tempo que usam a árvore como esconderijo contra os animais que gostariam de devorá-los.

Para que a árvore sobreviva, precisa captar energia do Sol e nutrientes do solo. Ao mesmo tempo, precisa também proteger-se dos predadores que a atacam. Se a árvore crescer demais para captar o máximo de Sol, acaba se desequilibrando e cai. Suas raízes não podem aprofundar-se muito além de onde jazem os nutrientes do solo. Seu tronco pode enrijecer, mas não a ponto de prejudicar seu crescimento. Existe um equilíbrio aqui, um balanço entre forças opostas.

O mecanismo de seleção natural proposto por Darwin e Wallace baseia-se na seguinte observação: dadas as condições ambientais e a dinâmica presa-predador, as espécies mais bem adaptadas são aquelas que conseguem maximizar seus objetivos: encontrar alimentos, multiplicar-se e sobreviver. Portanto, girafas prateadas e peixes oceânicos amarelos com manchas marrons estariam fadados ao fracasso. O mesmo se animais tivessem apenas um olho no centro da testa, péssimo para avistar presas e predadores em direções laterais.

A seleção natural de Darwin e Wallace é hoje complementada pela genética molecular. Quando uma célula se reproduz, precisa duplicar seu material genético. Esse material genético é codificado na seqüência de genes que compõe o DNA da célula, como as contas coloridas de um colar muito longo. O processo de duplicação é extremamente complexo e é passível de erros. Existem mecanismos usados pela célula para evitar erros na duplicação, mas volta e meia eles ocorrem.

As razões são várias: desde fatores exógenos, como radiação ultravioleta ou raios X, como endógenos, falhas bioquímicas. Quando ocorrem erros, o novo DNA não é uma cópia perfeita do original: é um mutante. O importante é que as mutações ocorrem ao acaso, sem um plano ou arquiteto.

De fato, mutações em geral causam problemas, doenças que levam à morte ou que pioram as chances de sobrevivência duma espécie. Em casos raros, podem ser úteis. A girafa com manchas marrons e os peixes prateados são um exemplo. Os insetos que ficam resistentes aos inseticidas ou os vírus a vacinas são outro. A seleção natural ocorre continuamente. E seu único arquiteto é o acaso.

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