domingo, 21 de setembro de 1997

Caminhos da ciência do cosmos

Para Gleiser, o futuro do Universo poderá ser previsto em algum momento pela ciência
ADRIANO NATALE
especial para a Folha

A "Dança do Universo" de Marcelo Gleiser é um livro de divulgação científica que focaliza um tema que sempre instigou a imaginação humana: a origem e evolução do Universo. O livro começa com uma discussão sobre os mitos associados à Criação e vai, paulatinamente, descrevendo a mudança da visão que se tinha sobre o Cosmo, até chegar a concepção da ciência moderna sobre a evolução do Universo.

A escolha do capítulo inicial sobre os mitos de Criação é bastante feliz, pois mostra o quanto estes impregnaram a mente humana no desenvolvimento do pensamento cosmológico. O debate entre ciência e religião, que muitas vezes aparece nas discussões populares sobre cosmologia, também é considerado, e Marcelo Gleiser é muito cuidadoso ao delinear os limites entre a ciência e a tecnologia. O leitor irá encontrar passagens da vida de cientistas como Newton, um dos pais da física moderna, e descobrirá como a religião influenciou suas pesquisas. Ele acreditava que através da ciência se aproximava de Deus.

O livro nos leva da ciência grega à ciência moderna, passando pelo Renascimento. Mostra como os gregos, há mais de dois mil anos, imaginavam o Cosmo, colocando a Terra no centro do Universo, e neste as estrelas apareciam como "furos" na esfera celeste. Depois irá descobrir a luta do "teimoso" Galileu contra a Igreja, para provar que o Sol estava no centro do nosso sistema planetário. A partir daí, as descobertas vão surgindo, e assuntos como mecânica quântica, teoria da relatividade, "Big Bang" e outros aparecem de uma forma leve e clara, prendendo a atenção do leitor para fenômenos que geralmente são apresentados de forma árida em muitos livros de divulgação científica.

Gleiser procura desmistificar a imagem estereotipada de cientistas frios, racionalistas e, às vezes, de gênios distantes dos problemas do mundo. Ao intermear as descobertas científicas com aspectos da vida particular de cientistas como Copérnico, Kepler, Newton, Einstein e outros, ele nos mostra que estes eram indivíduos comuns e que muitos dos acontecimentos pessoais e do ambiente histórico acabaram por influenciar a pesquisa e a crença de cada um deles. É claro que Einstein aparece num patamar superior, e o autor não deixa de confessar que é um fã incondicional dele. (Creio ser difícil encontrar físicos que não o sejam!)

Quando começa a descrever a chamada era da física clássica (que vai do Renascimento até o final do século 19), Gleiser mostra um mundo que fica cada vez mais complexo. A ciência abandona a filosofia grega e parte para um mundo onde a observação experimental é fundamental. Fenômenos como eletricidade e magnetismo são descobertos por Oersted, Ampère e Faraday, e o estudo do transporte de calor (ou termodinâmica) aparece com Lavoisier, Carnot e outros. Estes conhecimentos permitiram ter uma noção de como deveriam ser as estrelas e que elas continham os mesmos elementos que se encontravam na Terra. Nesta época, o Universo começa a se agigantar, com a observação de muitos objetos estelares denominados de "nebulosas". Aos poucos, se percebeu que estas "nebulosas" não eram apenas nuvens de gás iluminadas pelas estrelas vizinhas, mas quando observadas com telescópios mais potentes, apareciam como aglomerados de estrelas, e até poderiam ser galáxias com milhões a trilhões de estrelas. Em 1780, um catálogo do astrônomo Messier continha 103 destas nebulosas. Em 1822, Herschel produziu um catálogo com 2.500 nebulosas e o número vem aumentando drasticamente até os dias atuais.

Os fenômenos da física moderna são descritos nos últimos capítulos do livro. Num destes é revelado que no mundo do muito pequeno _como é o mundo dos átomos e das partículas elementares (que são as que formam o átomo)_ tudo o que ocorre escapa ao senso comum do mundo macroscópico ao qual estamos acostumados, e que uma nova teoria, a mecânica quântica, é necessária para entender o que acontece nestas pequenas distâncias. Noutro capítulo, também é esclarecido que no mundo do muito veloz, onde ocorrem fenômenos com velocidades próximas da velocidade da luz, se faz necessária uma reformulação dos conceitos de espaço e tempo, o que deu origem à teoria da relatividade. Estas teorias, unidas às observações astronômicas, mostram que: o Universo está em expansão, que é possível compreender a evolução do Cosmo até instantes muito próximos da origem do Universo, e que o futuro deste poderá ser previsto em algum momento pela ciência. Tudo isto é descrito com poesia e encanto, como o de um garoto, que pela primeira vez abre o portão do jardim de sua casa e descobre que o mundo é muito maior do que achava. E, então, começa a se perguntar o quão grande é a rua e até onde ele poderá ir.

Adriano Natale é professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista

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