sábado, 27 de setembro de 1997

Marcelo Gleiser estréia coluna na Folha

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O físico brasileiro Marcelo Gleiser, 38, passa a assinar aos domingos, a partir de amanhã, a coluna "Micro/Macro", na nova seção "Futuro" do caderno Mais!. Sua obra "A Dança do Universo" pulou do quinto para o quarto lugar no ranking dos livros mais vendidos _gênero não-ficção_ do Datafolha em setembro, que o Mais! apresenta amanhã.

Formado em física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Gleiser obteve seu doutorado pela Universidade de Londres e, desde 1991, leciona física teórica no Dartmouth College, em Hanover, uma das mais conceituadas instituições de ensino e pesquisa dos EUA.

Em 1994, o físico fez parte de um seleto grupo de jovens cientistas que receberam, cada um, US$ 500 mil do governo dos EUA para seus projetos de pesquisa. Até junho do próximo ano, Gleiser deverá estar no Laboratório Nacional Fermilab, em Batavia, perto de Chicago, de onde deu entrevista à Folha, por telefone.

Folha - Seu estudo tem sido interpretado como religioso. Você concorda com isso?
Marcelo Gleiser - Não concordo. Eu tenho, na verdade, falado muito sobre o papel da religiosidade no processo criativo do trabalho científico, e não sobre o que seria sua influência na atividade da pesquisa. Conheço vários pesquisadores que são religiosos no sentido mais ortodoxo dessa palavra. Mas eles, sejam judeus, católicos ou muçulmanos, não misturam sua fé com a pesquisa. O que eu tenho ressaltado é a religiosidade que esteve presente em toda a história na inspiração de vários cientistas. Newton, por exemplo, foi uma pessoa extremamente religiosa. O mesmo acontecia com Kepler, que descobriu as leis do movimento dos planetas. Einstein falava do sentimento religioso cósmico, que, para ele, era o que motivava as pessoas a fazerem ciência. Quando falo que tenho uma atitude religiosa, me refiro a uma atitude de meditação, de tentar desvendar os mistérios da natureza.

Folha - Por que o curso ministrado por você é chamado de "Física para Poetas"?
Gleiser - O nome correto da disciplina é "Entendendo o Universo da Física através dos Tempos". Nela eu apresento a evolução dos conceitos da física sem recorrer ao instrumental matemático. Ela é voltada para alunos de outras áreas, como ciências sociais, letras e filosofia, que normalmente não têm um treino matemático. Eu trato os conceitos da física desde os gregos, na Antiguidade, até os dias de hoje, com a mecânica quântica, a relatividade, o Big Bang e a física de partículas elementares. "Física para Poetas" é uma denominação que geralmente é dada para diversos cursos em que a abordagem tem um certo lirismo, sem exigir a matemática.

Folha - Como os cientistas vêem sua forma de divulgar ciência?
Gleiser - Com relação à divulgação científica, os cientistas podem ser divididos em dois grupos. O primeiro seria o dos pesquisadores que são extremamente céticos sobre qualquer iniciativa de divulgação científica, porque, quando se tenta divulgar ciência para o público não especializado, existe o risco de comprometer o significado dos conceitos científicos. Sempre poderá existir uma certa deturpação porque, ao traduzir as idéias científicas, não estará sendo usada a linguagem adequada. E, como se diz, toda tradução é uma traição. Sempre se poderá perder a precisão dos significados. Isso é inevitável. Por isso, há muitos cientistas que são contra esse tipo de apresentação. Eu pertenço a outro grupo _ que não é nada pequeno e inclui pesquisadores importantes_, que é o dos cientistas que fazem um esforço no sentido contrário, que é o de traduzir, em uma linguagem acessível, os conceitos complicados da ciência. Mesmo que isso seja difícil e incompleto, esse esforço deve ser feito por causa da importância social da ciência. Quando se faz um investimento, sempre há um risco e uma margem de lucro. O risco é o quanto se poderá comprometer o significado das teorias. A margem de lucro é o quanto as pessoas vão entender de ciência. Quanto maior é o risco, maior tende a ser a perda. Assim, quanto maior for a exigência de preservar a rigidez do discurso, menores serão as chances de as pessoas aprenderem ciência.

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